Governo pena com articulação capenga no Congresso
Foto: Evaristo Sa/AFP
Vetos do presidente Jair Bolsonaro derrubados em série nesta semana, além do fatiamento e do adiamento de votações para evitar uma derrota nos projetos considerados mais relevantes, expuseram as dificuldades do governo em negociar acordo com líderes do Legislativo.
Só na segunda-feira (27), o Congresso derrubou 12 vetos do presidente —9 caíram em bloco—, uma situação atípica na relação entre Executivo e parlamentares em gestões anteriores.
Com isso, foram retomados projetos como o que permite que partidos políticos se organizem em uma federação pelo tempo mínimo de quatro anos, o que prevê repasses do governo para ampliar o acesso das escolas públicas à internet em alta velocidade e a suspensão da prova de vida do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Em agosto do ano passado, Bolsonaro já havia se tornado o presidente que mais sofreu reveses na apreciação de vetos pelo Congresso ao menos desde 2000. Antes, o maior número de vetos derrubados pelos congressistas pertencia a Michel Temer (MDB), que governou o país por quase 31 meses. Nesse período, o Congresso rejeitou 4 vetos totais e retomou dispositivos vetados pelo presidente em 17 propostas.
Apesar da derrubada de vetos nesta semana, líderes minimizam a derrota do governo com a justificativa de que o impacto financeiro dos textos retomados é menor do que o de outros vetos que ainda serão apreciados —caso do plano de promoção do equilíbrio fiscal, que poderia provocar um rombo de R$ 13 bilhões, segundo estimativas de deputados.
Além disso, o governo conseguiu adiar para esta quinta-feira (30) a votação de outros vetos considerados mais relevantes, como o do dispositivo de comunicação enganosa em massa, do projeto que revogou a Lei de Segurança Nacional, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e a isenção de tributos sobre receitas de atividades de eventos (o Perse, Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos).
Também ficou para a próxima sessão a votação dos vetos ao projeto de quebra de patentes de vacinas e medicamentos, a privatização da Eletrobras e o acesso à quimioterapia oral por usuário de planos de saúde.
Na disputa pelo comando do Congresso no começo deste ano, Bolsonaro teve uma vitória com a eleição dos dois candidatos que apoiava: Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado.
Nos últimos meses, porém, enfrentou atritos em meio a discursos golpistas e ataques principalmente ao Judiciário.
Em julho, Bolsonaro escolheu o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), para ser o novo ministro da Casa Civil, buscando consolidar a influência do centrão na cúpula do governo federal.
Em relação aos projetos que ainda serão apreciados pelo Congresso nesta semana, líderes que acompanham as negociações veem risco de derrubada dos vetos ao Perse, à quimioterapia e ao dispositivo sobre fake news no texto que revogou a LSN. Se o governo não conseguir chegar a um acordo sobre os vetos, há a possibilidade de que a sessão de quinta-feira (30) seja adiada.
Ainda que não minimizem a derrota, parlamentares avaliam que a situação demonstra falhas na articulação do governo para manter pontos que considera prioritários.
“O que se viu é que o governo está totalmente descoordenado, não tem bancada. Foi muito fácil [a derrubada dos vetos]. Acredito que na quinta-feira também haverá dificuldade em negociar”, diz o senador Álvaro Dias (Podemos-PR).
O senador Otto Alencar (PSD-BA) analisa que esse cenário de derrubada e fatiamento dos vetos é reflexo da fragilidade do Executivo.
“O governo não tem mais a força que tinha aqui antes, já perdeu, inclusive, em votações simbólicas. Isso reflete a fragilidade política do governo”, afirma.
A votação de segunda-feira evidenciou a dificuldade de articulação do governo. Mesmo com uma tentativa do PP, alinhada com o Planalto, para manter o veto às federações partidárias, o Congresso derrubou a decisão do Executivo e assegurou uma sobrevida às siglas pequenas, que corriam o risco de serem extintas. O veto foi votado separadamente.
Essas legendas podiam ser afetadas pela cláusula de barreira (ou cláusula de desempenho), que entrou em vigor em 2018. Ela interessa partidos menores, como o PC do B e a Rede Sustentabilidade, entre outros.
A cláusula de barreira retira dos partidos com baixíssima votação mecanismos essenciais à sua sobrevivência, como os recursos do fundo partidário, acesso a propaganda gratuita na TV e no rádio, além de acesso a estruturas nos Legislativos.
Os deputados e senadores também retomaram, neste caso em votação em bloco, proposta que prevê os repasses do governo federal para ampliar o acesso das escolas públicas à internet em alta velocidade. O objetivo é aumentar o acesso das escolas à internet rápida e fomentar o uso pedagógico de tecnologias digitais na educação básica.
Em uma vitória para o Planalto, o Congresso aprovou um projeto de lei que abre espaço para a criação do programa social, o Auxílio Brasil, que deve substituir o Bolsa Família.
O texto abre a possibilidade de que sejam contabilizadas como fontes de receita para a inciativa as que resultam de projetos de lei que ainda estão em tramitação no Congresso. Seria possível, portanto, usar os recursos que devem vir com a reforma do Imposto de Renda, que ainda não foi votado pelo Senado
Para quinta-feira, a votação do veto à propagação de notícias inverídicas é sensível ao governo. O presidente vetou o dispositivo com o argumento de que a lei não deixa claro qual seria a conduta objeto de criminalização. Além disso questiona se haveria um “tribunal da verdade”, para definir o que é inverídico.
Para o Planalto, outro trecho da proposta que causaria insegurança jurídica é o que estabelece como crime o atentado a direito de manifestação, definindo-o como “impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos”.
No veto, o governo justifica que a criminalização “colocaria em risco a sociedade, uma vez que inviabilizaria uma atuação eficiente na contenção dos excessos em momentos de grave instabilidade, tendo em vista que manifestações inicialmente pacíficas poderiam resultar em ações violentas, que precisariam ser reprimidas pelo Estado”.
No caso do Perse, que trata de isenção de tributos sobre as receitas das atividades de eventos, o governo argumenta que não há o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória. Além disso, afirmou não ter estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro e destacou que institui tratamento desigual entre os contribuintes em afronta à isonomia tributária.
Já no projeto de quimioterapia oral, o governo diz que, ao incluir esses novos medicamentos de forma automática, sem a devida avaliação técnica da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), não seriam levados consideração aspectos como a previsibilidade, a transparência e a segurança jurídica aos atores do mercado.
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