Ministério Público tirou PMs do 7 de setembro
Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
O envolvimento ostensivo de policiais militares não ocorreu nas manifestações de 7 de setembro e evitou um dos cenários mais pessimistas, que alertava para o risco de uma revolta armada em apoio a eventual autogolpe do presidente Jair Bolsonaro. Para especialistas consultados pelo Valor, vários motivos contribuíram para que não houvesse quebra flagrante de disciplina: desde o desgaste político do chefe do Executivo e a queda de popularidade do presidente apontada em pesquisas; passando pela atuação firme de Ministérios Públicos estaduais e governadores, como João Doria (PSDB), de São Paulo; até a fragmentação da categoria e a lembrança do motim mais recente, no Ceará, onde PMs não receberam anistia.
O cientista político e major da reserva da PM do Rio Luiz Alexandre Costa afirma que houve presença de praças e oficiais da ativa, mas que a participação não foi ostensiva, pelo que acompanhou em suas redes sociais. “Muitos, no Rio e em São Paulo, foram à paisana, não levaram faixas”, conta.
Um dos motivos para a discrição, aponta Costa, foi a atuação dos Ministérios Públicos estaduais, responsáveis pelo controle externo dos policiais militares – que são proibidos de se manifestarem politicamente. Ao deslancharem um trabalho de fiscalização às vésperas dos atos, os MPs reduziram o ímpeto do envolvimento dos policiais. Em Brasília, dois promotores chegaram a comparecer pessoalmente na Esplanada dos Ministérios, o que refreou os ânimos, diz.
De acordo com o especialista, o próprio deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), líder da categoria, recomendou aos PMs que não fossem às manifestações ou não levassem material que os identificasse. “Até as declarações nas redes sociais, que eram mais golpistas, ficaram mais leves, menos contundentes, nesse discurso típico e ambíguo de defesa da liberdade”, relata.
Coronel da reserva da PM do Rio, o antropólogo Robson Rodrigues afirma que Doria perdeu a oportunidade de mandar uma mensagem mais forte à corporação, quando apenas afastou – em vez de aplicar uma sanção disciplinar – o tenente-coronel Aleksander Lacerda, do Comando de Policiamento do Interior, em Sorocaba (SP), que havia feito, em redes sociais, ataques a autoridades e convocação para os atos antidemocráticos.
Mas considera que o caso serviu de exemplo para PMs de São Paulo, assim como de outros Estados, ainda que o oficial não tenha recebido punição prevista no regulamento interno, que vai da advertência verbal, prisão até a demissão. “A partir do momento em que muitos governadores vieram à imprensa mostrar os riscos [de punição] para essas categorias, acho que acendeu, pelo menos, uma luz amarela”, diz Rodrigues, que é pesquisador do Laboratório de Análise da Violência, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “O Ministério Público também cumpriu seu papel como órgão fiscalizador, pedindo informações e quais providências os comandantes-gerais estavam tomando”, acrescenta.
Na mesma linha, o coronel da reserva da PM fluminense Íbis Pereira elogia a “atuação firme” de Doria – “Agiu como se espera” – mas entende que a adesão explícita dos PMs não se dá, essencialmente, pela falta de condições objetivas para uma ruptura promovida por Bolsonaro, ainda que possa haver simpatia majoritária entre os policiais. Diferentemente de 1964, afirma, o presidente não tem apoio de instituições importantes, da maioria da sociedade, de grande parte do poder econômico, nem de países aliados.
“Uma coisa é a vontade de um ou de outro policial; outra é engajar a instituição inteira para uma aventura golpista, o que seria um salto muito grande. Golpe não é uma questão de voluntarismo. Além disso, não existe uma instituição monolítica, como o Exército. Estamos falando de 27 Polícias Militares estaduais. Elas são instituições complexas. Para mim, as chances de se envolverem num golpe, marchando sobre Brasília, são zero. Nunca passou pela minha cabeça. O que não significa que o cenário não evolua”, ressalva o coronel da reserva.
Doutorando em história e pesquisador do Núcleo de Identidade Brasileira e História Contemporânea, também na Uerj, Íbis Pereira afirma que as PMs no Brasil têm mais de 200 anos e nunca assumiram papel de protagonistas na deflagração de uma ditadura militar no país. “Foram envolvidas depois, claro, com a tomada do poder”, diz.
Robson Rodrigues afirma que “sempre há risco, mas não muito grande” de ruptura com uso político das corporações, e que não se surpreendeu com a discrição de policiais nas manifestações. Em sua opinião, o extremo “barulho” criado nas redes sociais, nas semanas que antecederam o feriado, indicou um dispêndio de energia que reflete justamente a dificuldade atual de mobilização dos bolsonaristas, também entre os policiais.
Entre as razões, diz, estaria o impacto das investigações da CPI da Covid no Senado, que vêm derrubando o discurso anticorrupção, propalado pelo presidente durante a campanha. Há ainda o cálculo de arriscar a própria carreira e ter que arcar com os custos de responder a um processo administrativo disciplinar (PAD) em nome de um político que fica cada vez mais impopular, segundo mostram as pesquisas de opinião. “Tem a emoção, mas também o pragmatismo. O policial pensa: ele [Bolsonaro] está despencando, será que vou apostar nesse cara?”, diz. Para Rodrigues, há ainda o efeito do motim de 2020, no Ceará, no qual policiais não receberam anistia, o que costuma favorecer a indisciplina das corporações.
Luiz Alexandre Costa continua a ver com preocupação a politização das PMs dentro do projeto autoritário do presidente. “Terça-feira foi o laboratório para Bolsonaro. O problema talvez seja o 7 de setembro do ano que vem, quando ele estiver mal nas pesquisas e entrar no modo desespero. Não deu agora o golpe que gostaria, mas é uma construção”, afirma.
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