MPF persegue procuradores que investigaram Moro

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Foto: Reprodução/ R7

Dois procuradores da República, que ajuizaram ação civil pública contra a União pela atuação supostamente antidemocrática do ex-juiz Sergio Moro no âmbito da Lava-Jato, tornaram-se alvo de inquérito administrativo disciplinar. O procedimento sigiloso foi instaurado de ofício na segunda-feira pela corregedora-geral do Ministério Público Federal (MPF), Elizeta Maria de Paiva Ramos.

No despacho de 14 páginas, que instaura a comissão disciplinar para abertura do inquérito, ao qual o Valor teve acesso, Elizeta alega, entre outros pontos, que o poder de propor ação não pode ser arbitrário. Nos bastidores, contudo, uma ala de procuradores teme que o caso crie um precedente e fira o princípio da independência funcional, tornando o poder disciplinar em instrumento de retaliação.

O caso teve início em agosto de 2019, quando os procuradores da República Emanuel de Melo Ferreira e Luís de Camões Lima Boaventura, que atuam no MPF de Mossoró (RN), propuseram ação civil pública contra a União por danos morais coletivos supostamente causados pela atuação de Moro. Eles destacaram que o então juiz teria atuado de modo “parcial e inquisitivo, demonstrando interesse em influenciar indevidamente as eleições presidenciais de 2018.

Na ação, os autores pediam que a União promovesse a educação cívica para a democracia no âmbito das Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e da Escola Nacional do Ministério Público (ESMPU), a fim de prevenir que agentes do sistema de justiça atuassem em prol de novos retrocessos constitucionais.

No dia 3 de agosto deste ano, o juiz federal Lauro Henrique Lobo Bandeira, da 10ª Vara no Rio Grande do Norte, indeferiu a ação. “Não se justifica o ajuizamento desta ação com o propósito de obrigar a Enfam e a ESMPU a reformularem o conteúdo programático de seus cursos de preparação, para atender expectativa do MPF quanto a necessidade de vocacionar juízes e procuradores a assimilarem certos temas de natureza constitucional e político que lhe parece relevantes”, escreveu o magistrado no despacho.

Mas o caso teve consequências no âmbito do próprio MPF. Na representação que pede a abertura do inquérito administrativo disciplinar, Elizeta Maria de Paiva Ramos diz que é necessária a instauração do procedimento para apurar os moldes em que se deu a atuação dos dois procuradores.

O inquérito foi aberto após os dois prestarem informações sobre o caso à Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal. Eles sustentaram que a independência funcional autoriza a interpretação levada a cabo na ação civil pública porque é, segundo eles, lastreada em precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e em farta pesquisa acadêmica e documental.

No despacho, Elizeta alega que o discurso jurídico adotado nos autos pela dupla de procuradores é inusitado. “Verificam-se sérios traços de infidelidade às atribuições institucionais”, aponta.

Em um trecho, ela usa ironia ao dizer que as ideias dos procuradores são de “inegável originalidade”. Ela defende que os autores buscam a um só tempo conferir uma nova dimensão aos poderes funcionais, bem como ao perfil institucional.

Elizeta destaca, no despacho, que a atuação dos procuradores se deu fora da fronteira dos princípios constitucionais da legalidade, objetividade, eficiência, moralidade, razoabilidade e do interesse público. “Nessa moldura, vislumbra-se a propositura de uma demanda natimorta, fruto de um possível abuso de direito dos demandantes”, escreveu.

Procurada pelo Valor, ela informou que não pode falar sobre o assunto porque o caso está sob sigilo. Os procuradores Emanuel de Melo Ferreira e Luís de Camões Lima Boaventura também não se manifestaram. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, alegou que a independência funcional é um princípio fundamental para a atuação do MP. “Não se pode confundir a eventual crítica ou contrariedade aos entendimentos apontados em peças judiciais com falta disciplinar”, disse. Ele afirmou que a entidade enxerga com preocupação o caso e acompanhará qualquer iniciativa que possa resultar na flexibilização de garantias para o desempenho da função.

A comissão processante, designada pela corregedora-geral do MPF, é composta pelos procuradores da República Cláudio Dutra Fontella, Uendel Domingues Ugatti e Filipe Andrios Brasil Sivieiro. Este último atuou na força-tarefa da Lava-Jato.

Após a conclusão do inquérito, o relatório é submetido ao Conselho Superior do Ministério Público Federal, presidido pelo procurador-geral da República e composto por sub-procuradores. A partir daí, é decidido pela instauração ou não do processo administrativo disciplinar. Ao término, pode gerar arquivamento ou punições que vão de advertência à demissão.

Valor Econômico

 

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