Precisa usou fiador fajuto em oferta de vacinas
Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
Responsável pela emissão da carta-fiança usada como garantia pela Precisa Medicamentos para fechar contrato com o Ministério da Saúde, o Fib Bank formou parte de seu capital social com base em precatórios que não existem. Uma decisão da Justiça de Roraima, de 2009, negou a legalidade dos documentos que foram negociados por Marcos Tolentino para dar lastro à empresa. Tolentino é suspeito de ser sócio oculto do Fib Bank, o que ele nega.
Além disso, o contrato de fiança firmado entre o Fib Bank e a Precisa sobre a garantia da compra de vacinas, uma exigência para qualquer contrato público, é considerada por advogados e especialistas como fora dos padrões de mercado. Isso porque a fiança é fidejussória, sem lastro bancário nem regulação pelo Banco Central. O lastro é o patrimônio do Fib Bank, que inclui os falsos precatórios, além de terrenos. Um deles, no extremo sul de São Paulo, teria tido seu valor de mercado inflado a R$ 7 bilhões.
Sediado em Barueri (SP) e sem autorização do BC para funcionar como instituição financeira, o Fib Bank é investigado pela CPI da Covid por ter sido fiador do contrato de fornecimento de 20 milhões de doses da vacina Covaxin, negociadas pela Precisa com o governo Bolsonaro. O contrato foi cancelado pelo governo em julho.
Segundo documentos obtidos pelo GLOBO, para fechar o acordo, a pasta pediu garantia de R$ 80,7 milhões à empresa, o equivalente a 5% dos R$ 1,6 bilhão do contrato, valor já empenhado pela pasta.
Na década de 2000, por meio da Benetti Prestadora de Serviços, empresa da qual era procurador, Marcos Tolentino negociou com professores de Roraima a titularidade de ações que o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado (Sinter) tinha aberto na Justiça do Trabalho. Os processos teriam como beneficiários professores que reivindicavam do Estado direitos trabalhistas não pagos ao longo dos anos.
À época em que os direitos creditórios foram comprados por Tolentino, porém, não havia nem sequer uma decisão de primeira instância sobre o caso. Esses papeis, portanto, não poderiam à época ser considerados precatórios (dívidas judiciais do Estado). Segundo o advogado Fernando Scaff, professor da Faculdade de Direito da USP, direitos creditórios como esses são considerados frágeis e arriscados, e em geral não são aceitos como garantias contratuais com o poder público.
O esquema se dava a partir de uma promessa: a Benetti comprava títulos abaixo do que valiam prometendo pagar pelos documentos muito antes do que o Estado. Temendo que o processo se arrastasse na Justiça, os professores aceitavam vender os títulos com deságio.
Em um processo da Justiça do Trabalho de Roraima a que o GLOBO teve acesso, consta que ao menos nove profissionais venderam os supostos precatórios, que ainda nem haviam transitado em julgado, à Benetti.
— Em 2004, esses caras já estavam como urubu em cima da carne. A gente sabe que a Justiça é muito lenta, do desespero que essas pessoas tinham, pessoas doentes, de certa idade. Então algumas delas acabaram caindo no golpe dessas empresas. Nós entramos com as ações justamente para protegê-las e proteger o sindicato de qualquer avanço dessas empresas sobre os precatórios nossos — explica o diretor jurídico do Sinter, Jefferson de Souza Dantas.
O juiz Jander Roosevelt Romano Tavares cancelou, em dezembro de 2009, a existência de qualquer crédito em favor de terceiros no processo relativo ao sindicato.
Mesmo assim, a Benetti e, posteriormente, o Fib Bank, continuaram a negociar os falsos precatórios, registrados em cartórios de outros estados, com empresas que os usavam, por exemplo, para quitar dívidas com a União. É o caso, por exemplo, da rede Marabraz.
Apesar de Tolentino negar oficialmente qualquer relação com o Fib Bank, a MB Guaçu, uma das donas da empresa de fianças, fica no mesmo endereço de Tolentino e o escritório do empresário em São Paulo é da MB Guaçu, de acordo com investigações da CPI da Covid. Além disso, a outra sócia do Fib é a empresa Pico do Juazeiro, que tem como donos a Benetti Prestadora de Serviços (rebatizada de B2T em 2014) e Ricardo Benetti. Tolentino já foi controlador na Benetti e sócio de Ricardo.
Procurado, Tolentino reiterou não possuir participação nem no Fib Bank nem na B2T. Disse, porém, ainda ser advogado da BT2 e de Ricardo Benetti, controlador oficial das duas empresas.
“Em relação aos títulos creditórios (…) foram adquiridos há quase 20 anos pela Benetti e nessa época o Dr. Ederson Benetti e eu (Marcos Tolentino) éramos sócios. Por ocasião do falecimento do dr. Ederson Benetti parte desses precatórios foram transferidos hereditariamente a seu filho Ricardo Benetti que é dono de uma empresa que é uma das sócias do Fib Bank, daí esses títulos comporem seus ativos”, disse em nota.
O empresário — que é amigo do líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) e tem ligações com Francisco Maximiano, dono da Precisa — não explicou, porém, por que os títulos ainda são negociados pelo Fib mesmo tendo sido anulados pela Justiça. Procurado, o Fib Bank não se manifestou.
O documento em que o Fib dá garantias ao contrato de vacinas da Precisa usa um tipo de fiança (fidejussória) considerada por especialistas mais frágil do que mecanismo mais tradicionais, oferecidas por bancos ou seguradoras.
O contrato entre o Fib e a Precisa, que foi entregue à CPI da Covid, não estipula qual é o lastro da garantia de R$ 80,7 milhões dada pela fiadora. Pelo contrato, o Fib assumiria as obrigações assumidas pela Precisa no contrato com o Ministério da Saúde. Nesse caso, um eventual calote da Precisa poderia ser garantido pelo patrimônio do Fib, que inclui os falsos precatórios.
A pedido do GLOBO, o advogado Fernando Scaff, professor da USP, analisou o contrato. Para ele, embora formalmente o documento não tenha problemas, está “completamente fora” dos padrões de mercado.
— É estranho e curioso uma operação nesse valor usar uma garantia fidejussória. O usual é ter algo mais formal como uma garantia real. Além disso, o documento parece um contrato-modelo, como os que eram vendidos em papelarias no passado — afirma.
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