Tratamento inédito contra AIDS usa medicação genética
Foto: Pixabay
Pesquisadores da Escola de Medicina Lewis Katz da Universidade Temple, nos Estados Unidos, desenvolveram um medicamento que pode ser a cura funcional para o HIV. Nos últimos sete anos, os cientistas trabalharam em uma tecnologia de edição de genes baseada em CRISPR (entenda a técnica mais abaixo) para tratar a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana. A terapia conhecida como EBT-101 foi aceita pela Food and Drug Adminstration (FDA) dos Estados Unidos como medicamento investigacional, o que possibilita o início de ensaios clínicos de fase 1 e 2, ou seja, a primeira etapa dos testes em humanos.
Nos estudos pré-clínicos, os cientistas liderados pelo professor Kamel Khalili, do departamento de Neurociência, conseguiram extinguir com a técnica o DNA pró-viral (material genético do vírus inserido na célula) dos genomas de células humanas infectadas com HIV. Este vírus é especialmente difícil de ser combatido porque eles infectam células cruciais do sistema imunológico, se tornando invisíveis para os mecanismos de defesa do nosso corpo. Quando a infecção pelo HIV avança, o paciente desenvolve a Aids, doença caracterizada pelo enfraquecimento do sistema imunológico.
Em colaboração com Tricia H. Burdo, professora do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Inflamação, os pesquisadores descobriram ainda que a tecnologia de edição de genes pode eliminar o SIV — um vírus intimamente relacionado ao HIV — dos genomas de primatas não humanos.
Os testes clínicos serão iniciados e gerenciados pela Excision BioTherapeutics, empresa que tem experiência no desenvolvimento de remédios baseados em CRISPR contra doenças virais infecciosas.
— Os ensaios clínicos destacam uma sucessão bem orquestrada de descobertas de pesquisas acadêmicas da Temple, agora com a tradução [dessas descobertas] para o tratamento de pessoas que vivem com a infecção pelo HIV-1, torna o desenvolvimento mais empolgante — disse Kamel Khalili em entrevista ao portal da universidade.
CRISPR é o acrônimo do termo em inglês “Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats”, que em português seria “Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Interespaçadas”.
Esta tecnologia usa uma estratégia parecida com a realizada por bactérias diante de um vírus que as ataca: elas copiam o DNA do invasor e guardam em sua memória e, em um próximo ataque, utilizam a proteína Cas9 para cortar um pedaço do material genético viral para impedir que o vírus se reproduza, evitando assim a infecção.
Desenvolvida pelas cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna — que ganharam o Prêmio Nobel de Química de 2020 por conta da criação deste sistema de edição genética — a técnica consiste em dar à Cas9 a parte o DNA que deve ser modificada. Após identificar este fragmento de material genético, a proteína consegue tirar das células humanas a sequência do DNA apresentado. Isto pode ser usado no tratamento doenças de origem genética: a Cas9 substituiria o fragmento de DNA “doente” por outro saudável ou apenas retiraria esta parte e deixaria os genes se recuperarem sozinhos.
A técnica já é usada em estudos que buscam desenvolver remédios contra vários tipos de câncer, como no ovário, cérebro e pulmão.
— Estudos em humanos devem começar nos próximos anos. É uma técnica fantástica e pode sim ser uma das novas armas contra o câncer — aposta Fernando Maluf, oncologista do hospital Israelita Albert Einstein.
Por ser um sistema de edição genética, o uso indevido da CRISPR provocou a prisão do geneticista chinês He Jiankui que criou dois bebês geneticamente modificados em 2018. Ele usou a técnica para modificar o gene CCR5, usado pelo vírus HIV para atacar o sistema imunológico. Este gene responde também à ativação do cérebro no combate de outras infecções, como a gripe. Cientistas relacionam a remoção deste gene a uma melhoria da memória e criação de novas conexões.
A situação gerou a criação de uma comissão internacional que publicou um documento afirmando que a ciência ainda não consegue garantir que a edição genética via CRISPR não cause efeitos colaterais no futuro, inclusive em “humanos aprimorados”.
A realidade de um paciente diagnosticado com HIV nos dias de hoje é bem diferente daquela vivida por quem descobriu ser soropositivo na década de 1980. Se antes a infecção era sinônimo de morte, atualmente os pacientes em tratamento vivem uma rotina normal. Isso graças à evolução dos remédios.
Os antirretrovirais atuais evitam que o HIV se replique ao nível de desencadear a Aids. Além disso, os novos medicamentos provocam menos efeitos colaterais, o que dá significativa melhoria da qualidade de vida para os pacientes. O tratamento é gratuito e oferecido pelo SUS. Quando seguido corretamente, os níveis do vírus no corpo ficam imperceptíveis. Viver com HIV agora já se assemelha a conviver com uma doença crônica, no qual é preciso manter um tratamento diário para manter a infecção sob controle e evitar seus malefícios.
Além do tratamento pós infecção, há também um protocolo profilático conhecido como PrEP, que consiste em tomar dois antirretrovirais como forma de evitar que as células sejam invadidas pelo vírus caso haja contato com ele. Este tratamento é indicado para grupos suscetíveis ao vírus, como profissionais do sexo e pessoas que têm relações sexuais sem camisinha com pessoas soropositivas que não fazem tratamento adequado.
Mas nem tudo é promissor contra o vírus. No início de setembro, os estudos de uma vacina experimental contra o HIV foram encerrados após dados mostraram que a proteção oferecida pelo imunizante ao organismo era insuficiente. Fabricada pela Johnson & Johnson, a vacina apresentou apenas 25% de eficácia.
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