Bolsonaro não é o primeiro chefe de Estado punido por redes sociais
Foto: UESLEI MARCELINO / REUTERS/20-10-21
O presidente Jair Bolsonaro integra uma lista restrita de líderes mundiais que já tiveram postagens removidas ou contas suspensas pelas grandes plataformas de redes sociais nos últimos anos. Levantamento feito pelo GLOBO identificou apenas outros quatro políticos alvos de restrições, no momento em que ocupavam cargos de comando, por violarem as políticas das principais redes. A maioria disseminou mensagens falsas sobre a Covid-19 e recebeu a punição após a atualização de políticas das plataformas sobre o tema.
A penalidade mais severa foi aplicada ao ex-presidente dos EUA Donald Trump em janeiro, quando ocupava a Casa Branca. Após a invasão do Congresso americano, Twitter, Facebook e Instagram baniram os perfis do republicano. Já o YouTube aplicou uma suspensão proibindo novas postagens.
Antes disso, postagens de Trump já haviam sido excluídas ou sinalizadas como falsas ao longo de 2020 por disseminar desinformação sobre a Covid-19, o processo eleitoral americano e por “enaltecimento à violência” durante os protestos pela morte de George Floyd, jovem negro assassinado por policiais brancos em maio do ano passado.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, também já teve publicações excluídas, por motivos similares aos de Bolsonaro. Em março de 2020, o Twitter apagou uma postagem em que o presidente recomendou uma cura caseira contra a Covid-19.
Em março deste ano, foi a vez de o Facebook bloquear por 30 dias a página de Maduro por “reiteradas violações” da política sobre desinformação relacionada à pandemia. O perfil foi impedido de publicar mensagens ou fazer comentários por um mês. A medida foi adotada após a remoção de um vídeo sobre o Carvativir, remédio sem eficácia comprovada contra a doença, promovido por Maduro como “gotinhas milagrosas” para tratar o coronavírus.
Outro reincidente no que diz respeito ao descumprimento de regras das plataformas é o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. Em janeiro, uma de suas contas no Twitter foi suspensa após uma publicação com ameaças a Donald Trump. No mesmo mês, outra postagem foi removida. No texto, o líder supremo anunciou a proibição de importar vacinas contra a Covid-19 fabricadas nos Estados Unidos e no Reino Unido e lançou dúvidas sobre sua eficácia.
Já o presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, foi alvo de remoção de conteúdo no Twitter. A plataforma excluiu uma postagem em que ele ameaçou um grupo separatista no Sudeste da Nigéria. A rede entendeu que o presidente violou suas regras.
O mandatário fez referência à Guerra de Biafra, que deixou três milhões de mortos nas décadas de 1960 e 1970, para enviar um recado aos responsáveis por uma onda de violência na região. “Muitos daqueles que se comportam mal hoje são muito jovens para estarem cientes da destruição e perda de vidas que ocorreram durante a Guerra Civil da Nigéria. Aqueles de nós que ficaram nos campos por 30 meses, que passaram pela guerra, vão tratá-los na língua que eles entendam”, escreveu.
Professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, o pesquisador brasileiro David Nemer avalia que houve demora das plataformas em aplicar suas próprias regras a perfis de autoridades e de interesse público, mas que a expectativa é que a partir de agora ampliem a moderação de conteúdo.
— Essas punições serão mais comuns porque cada vez mais as redes sociais são apontadas como responsáveis por proporcionar discursos extremistas e todas as suas consequências. Há pressão no Congresso nos Estados Unidos, e mesmo no Brasil. Pelo próprio modelo de negócio dessas redes, políticos extremistas geralmente atraem seguidores para as plataformas e geram muito engajamento. A expectativa é de maior moderação, já que essas contas comandam e ditam a agenda do debate nas plataformas — conclui Nemer.
Por outro lado, em meio a aplicação de punições, as empresas do setor entraram na mira de governos. Na Nigéria, Buhari baniu o funcionamento do Twitter após ter uma mensagem removida. A plataforma negocia seu retorno. Medida semelhante foi adotada em Uganda pelo presidente Yoweri Museveni. Em janeiro, o Facebook foi bloqueado dias após a plataforma remover contas falsas ligadas a seu governo antes das eleições.
No Brasil, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei para restringir a ação das redes. O texto quer exigir que as empresas de tecnologia apresentem uma “justa causa” para retirar as publicações de suas plataformas, o que, para especialistas, pode facilitar a divulgação de mensagens com desinformação. A suspensão das contas de Trump também levou países governados por aliados a anunciarem projetos na mesma linha. Foram os casos da Polônia, que apresentou uma proposta no início do ano para dificultar a remoção de conteúdo, e do estado da Flórida, governado pelo republicano Ron DeSantis, que aprovou uma lei para proibir a remoção de contas de políticos nas plataformas, revogada em seguida pela Justiça.
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