Juiz do Amazonas censura jornal por denúncia de charlatanismo
Foto: Raphael Alves/Agência O Globo
Uma decisão judicial tomada no Amazonas obrigou o GLOBO a apagar textos e proibiu o jornal de publicar qualquer outro material que cite o nome ou traga fotos relativas à rede de saúde privada que acolheu e patrocinou um ensaio clínico com uma substância chamada proxalutamida para o tratamento da Covid-19. O remédio é um bloqueador hormonal sintético desenvolvido na China, que vinha sendo testado contra o câncer de próstata. Nunca foi usado em escala comercial e ainda não tem eficácia comprovada contra nenhuma doença.
O juiz de Manaus Manuel Amaro Lima, da Terceira Vara Cível e de Acidentes de Trabalho do Amazonas, já havia ordenado, neste mesmo processo, a retirada de três textos da web em agosto, atendendo a uma reclamação do dono dessa mesma rede privada de hospitais. Mas não proibiu o GLOBO de cobrir o assunto.
Uma decisão judicial tomada no Amazonas obrigou o GLOBO a apagar textos e proibiu o jornal de publicar qualquer outro material que cite o nome ou traga fotos relativas à rede de saúde privada que acolheu e patrocinou um ensaio clínico com uma substância chamada proxalutamida para o tratamento da Covid-19. O remédio é um bloqueador hormonal sintético desenvolvido na China, que vinha sendo testado contra o câncer de próstata. Nunca foi usado em escala comercial e ainda não tem eficácia comprovada contra nenhuma doença.
O juiz de Manaus Manuel Amaro Lima, da Terceira Vara Cível e de Acidentes de Trabalho do Amazonas, já havia ordenado, neste mesmo processo, a retirada de três textos da web em agosto, atendendo a uma reclamação do dono dessa mesma rede privada de hospitais. Mas não proibiu o GLOBO de cobrir o assunto.
Em sua nova decisão, dada em caráter liminar após um novo pedido da rede de hospitais, o magistrado ordena que retiremos do ar até mesmo a reportagem sobre o protesto da Associação Brasileira de Imprensa contra sua decisão.
Para Amaro Lima, o GLOBO cometeu “excesso de liberdade de imprensa” ao voltar a associar em suas reportagens a rede de hospitais ao estudo que ela patrocinou e propagandeou. Lima também considerou que ilustrar as reportagens sobre o ensaio clínico com as fotos da live promovida pela empresa pode causar “graves riscos de imputação de danos irreparáveis” à rede de hospitais. O GLOBO vai recorrer da decisão.
A partir do surgimento do coronavírus, a proxalutamida passou a ser cogitada também como opção contra a Covid-19. Entre fevereiro e março deste ano, um grupo de pesquisadores chefiado pelo endocrinologista Flávio Cadegiani, junto com o dono da rede de hospitais, fez uma live apregoando resultados extraordinários. Está no YouTube até hoje. Os pesquisadores afirmam ter encontrado eficácia de 92% da proxalutamida contra a Covid-19 em pacientes graves.
O índice, que seria considerado revolucionário mesmo para outras doenças que não a Covid-19, foi calculado com base em números que diziam que, das 172 mortes registradas de voluntários até então, 141 haviam ocorrido no grupo que recebeu placebo e 12 eram de pacientes que tomaram o remédio. A estatística chamou a atenção de cientistas de várias instituições, que deram o alerta: se os dados apresentados estivessem corretos, o grupo de pesquisa tinha que ter parado o estudo no momento em que as mortes começaram a se avolumar. Afinal, segundo o protocolo apresentado à comissão de ética, ninguém sabia quem estava tomando placebo e quem tomava o remédio. E se os pacientes estivessem morrendo justamente por causa da proxalotamida? Em casos assim, os manuais mandam parar tudo até que se entenda o que está acontecendo.
O que ocorreu, porém, foi o contrário.
O estudo não só continuou como foi ampliado para outros hospitais do Amazonas. A proxalutamida era, então, arma potente de publicidade. Até hoje o remédio é mencionado em propagandas pagas da rede em canais de TV e rádio amazonenses. Jair Bolsonaro e seus filhos também passaram a falar na proxalutamida como nova promessa de cura contra a Covid, com a mesma insistência com que antes divulgavam a cloroquina. Ao sair de uma internação em São Paulo, o presidente disse que a proxalutamida, embora ainda estivesse em estudo “de forma não legal”, “tem curado gente”. E completou: “Minha mãe tem 94 anos. Se ficasse doente, eu autorizaria o tratamento dela com proxalutamida.”
A cura, porém, não veio. A família da aposentada Zenite Gonzaga da Mota soube disso da pior forma, semanas depois de concordar que ela fosse voluntária do estudo, tomando cloroquina e proxalutamida. Foi preciso brigar com os médicos para conseguir transferi-la de hospital, quando seu estado de saúde piorou. Já era tarde demais. Dona Zenite morreu em Manaus, 40 dias depois de contrair a Covid-19.
Desde abril, o GLOBO investiga as inconsistências do estudo e apura os fatos ligados ao uso da proxalutamida no Brasil. As reportagens chamaram a atenção do Ministério Público Federal no Amazonas. Os procuradores fizeram um inquérito civil público em que encontraram indícios de crimes e abusos no ensaio clínico. Eles recomendaram aos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) que abrissem procedimentos disciplinares contra os profissionais envolvidos e requisitaram a abertura de outro inquérito, este criminal, que ainda está em curso.
Nesse meio tempo, descobriu-se que o mesmo grupo de pesquisadores fez outro ensaio, completamente clandestino, sem aviso, autorização ou protocolo, no Hospital Militar de Porto Alegre.
O Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, então, abriu mais um inquérito para investigar o mesmo grupo de pesquisa. A Anvisa suspendeu a importação do medicamento. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) denunciou o grupo de Cadegiani à Procuradoria-Geral da República, pedindo a investigação aprofundada do que se passou no Amazonas – já eram, então, 200 mortes. Na semana passada, a divisão de bioética da Unesco afirmou que, se confirmadas, as irregularidades configuram a maior violação ética dos direitos de voluntários de estudos científicos da história da América Latina.
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