Relatório final da CPI diz que negacionismo virou política de Estado

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Foto: Evaristo Sá

Após mais de cinco meses de trabalhos, a CPI da Covid chega à reta final com um relatório cujo cerne aponta que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) adotou o negacionismo da pandemia não só como discurso retórico, mas como política pública de governo.

Em cinco volumes, a minuta do parecer do senador Renan Calheiros (MDB-AL) que estava pronta nesta sexta-feira (15) pede o indiciamento de mais de 60 pessoas, entre elas filhos do presidente, ministros de Estado, integrantes e ex-funcionários do Ministério da Saúde e empresários.

Além disso, Renan propõe 17 projetos de lei ou mudança na Constituição, que incluem definir crime para punir a disseminação de fake news, hoje inexistente na lei brasileira.

Como mostrou o Painel, a ideia é sugerir pena de prisão de ao menos dois anos para quem distribuir notícias sabidamente falsas.

As propostas vão tramitar direto no plenário do Senado, sem precisar passar por comissões temáticas, o que agiliza o processo.

O relatório final completo deve ser divulgado na segunda-feira (18). A leitura do texto será feita em sessão da CPI da Covid no dia seguinte, com a votação pelos membros na quarta-feira (20).

Segundo pessoas com acesso ao relatório, Renan detalhará as razões pelas quais acredita que Bolsonaro transformou seu negacionismo em política pública, com a ajuda de outros atores citados no parecer, como Carlos, Eduardo e Flávio Bolsonaro.

Entre os elementos apontados no relatório estão declarações de Bolsonaro contrárias ao uso de máscaras, distorções de dados sobre a eficácia da vacinação e a promoção do uso de remédios sem eficácia para a Covid, como a hidroxicloroquina.

O parecer vai apontar que Bolsonaro dava o tom do discurso e seus apoiadores replicavam as falas nas redes sociais, fazendo girar a rede de fake news.

Nas sugestões de mudanças em leis e na Constituição, Renan quer definir e estabelecer punições para o crime de extermínio. Ainda propõe fixar prazo para análise de denúncia de crime de responsabilidade contra o presidente da República, ministros e outras autoridades.

O relator sugere pensão especial para crianças e adolescentes órfãos de vítimas da pandemia e a criação do dia nacional em homenagem às vítimas da Covid, além do livro de heróis e heroínas da pandemia.

Ele recomenda ainda regras para impedir que operadoras de saúde interfiram nos tratamentos oferecidos aos pacientes em casos de serviços verticalizados, como o da Prevent Senior, em que a mesma empresa gere os seguros e os hospitais.

Para evitar a promoção de tratamentos sem eficácia, Renan também sugere mudar a lei de criação do SUS (Sistema Único de Saúde) e definir que os serviços públicos sigam as melhores evidências científicas disponíveis.

Há ainda proposta de impedir que empresas usem no nome o termo banco, em português ou outro idioma. A ideia é evitar situações como da Fib Bank, empresa que não é banco, e emitiu carta fiança no contrato da vacina Covaxin.

Em outra frente do relatório, Renan mostrará como o negacionismo do presidente ficou evidente nas ações do Ministério da Saúde, com os indícios de que a pasta recusou diversas ofertas feitas pela Pfizer e pela Janssen, e inclusive ignorou uma série de emails, como mostrou a Folha.

O senador vai relatar ainda como o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, negociou a compra de outras vacinas acima do preço.

Por outro lado, a pasta foi mais ágil ao fechar contrato para compra da vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech em processo intermediado pela empresa brasileira Precisa.

A CPI apontou uma série de irregularidades na assinatura do acordo e o contrato acabou cancelado pelo próprio governo após as informações virem à tona.

Da mesma forma, a comissão descobriu contratos suspeitos com outra empresa, a VTC Log, em negócios sem licitação, reajustes com indícios de sobrepreço e a grande quantidade de transações com recursos em espécie.

Em um outro trecho, o relatório abordará as políticas de propagação do uso da hidroxicloroquina como remédio capaz de curar a Covid-19.

Nesse contexto, citará não só o estímulo do governo para que a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) recomendasse o uso para tratar a doença, mas também o esforço para a compra do medicamento fora do Brasil, e políticas adotadas por empresas de plano de saúde que agiriam com o aval do governo.

O relatório terá um volume específico para fake news, que envolve o chamado gabinete do ódio.

Como o Painel da Folha mostrou, o relatório usa informações de 16 depoimentos prestados à Polícia Federal e encaminhados à comissão para indicar o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) como articulador da rede bolsonarista de distribuição de notícias falsas e desinformação.

Com base nos relatos, a conclusão da apuração também deve apontar o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) como elo da rede com supostos financiadores, entre eles os empresários Otávio Fakhoury e Luciano Hang.

O relatório final vai propor indiciamento de Bolsonaro pelos crimes de epidemia, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, genocídio de indígenas e crimes de responsabilidade (mais especificamente violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo) e homicídio comissivo, cometido por omissão.

O documento prevê o envio de denúncia de crime contra a humanidade ao Tribunal Penal Internacional.

Há dúvida se o crime de genocídio será mantido porque boa parte dos senadores não concorda que ele foi cometido. Renan conversará com todos os colegas até segunda e tende a manter no relatório só o que for consensual.

Inicialmente, o relator não cogitava responsabilizar Bolsonaro por nenhuma tipificação relacionada a homicídio. No entanto, como afirmou em entrevista à Folha, após reuniões com especialistas, decidiu responsabilizá-lo por homicídio comissivo.

O relator da CPI vai propor o indiciamento do ministro Marcelo Queiroga (Saúde) pelo crime de epidemia culposa com resultado morte e prevaricação.

Inicialmente respaldado pelos senadores ao substituir o general Eduardo Pazuello, os membros da comissão argumentam que o atual ocupante da pasta se converteu ao negacionismo.

Durante as sessões, citaram como exemplo a suspensão da vacinação de adolescentes e a própria defesa do chamado tratamento precoce em evento da OMS (Organização Mundial de Saúde).

O relator ainda quer responsabilizar Onyx Lorenzoni, atual ministro do Trabalho e da Previdência, por genocídio de indígenas, baseado em seus atos quando atuava no Palácio do Planalto, além de incitação ao crime.

O próprio relator, no entanto, reconhece que a denúncia pelo crime de genocídio enfrenta resistência de outros membros do grupo majoritário da comissão e por isso pode ser retirada do texto final.

Outro ponto polêmico se refere ao indiciamento do ministro da Defesa, o general Braga Netto.

Renan decidiu incluí-lo na prévia de relatório, argumentando que ele era o coordenador do comitê de enfrentamento da pandemia, ainda quando titular da Casa Civil. No entanto, reconhece que há resistência de colegas e pode retirar seu nome, se isso comprometer a maioria para aprovar o seu texto.

O relator também decidiu incluir no texto a proposta de indiciamento de Carlos, Eduardo e do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), por incitação ao crime.

Além disso, propõe acrescentar para Flávio a tipificação de advocacia administrativa. Isso porque o senador levou para uma reunião no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) o sócio-presidente da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano.

O relatório propõe o indiciamento de Pazuello por sete crimes: epidemia, incitação ao crime, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime e genocídio indígena.

O ex-ministro da Saúde também será alvo de denúncia apresentada ao Tribunal Penal Internacional, por crime contra a humanidade.

O documento de Renan ainda vai propor o indiciamento do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). O deputado foi apontado durante os trabalhos da comissão como envolvido em um rolo com a vacina indiana Covaxin.

Um amigo próximo do deputado, Marcos Tolentino, foi apontado como sócio oculto da empresa que ofereceu a garantia para a negociação envolvendo o imunizante indiano.

Barros terá indiciamento proposto por advocacia administrativa, improbidade administrativa, incitação ao crime e formação de organização criminosa.

Nas redes sociais, o líder do governo negou irregularidades e disse que processará Renan por abuso de autoridade e denunciação caluniosa.

Também figuram na lista de investigados os deputados Osmar Terra (MDB-RS), Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP) e a atual secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”.

PRINCIPAIS PONTOS DO RELATÓRIO DE RENAN
Propostas de projetos de lei Calheiros propõe 17 projetos de lei ou mudança na Constituição. Há propostas de criação de novos crimes, como de extermínio e de disseminação de fake news, além de mudanças de regras sobre o SUS e sobre operadores de saúde. Além disso, o relator sugere pensão especial para crianças e adolescentes órfãos de vítimas da pandemia e de um prazo para análise de pedidos de impeachment contra o presidente. As propostas não precisarão passar por comissões temáticas, indo direto ao plenário

Crimes de Bolsonaro O relatório final vai propor indiciamento de Bolsonaro pelos crimes de epidemia, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação e homicídio comissivo. Além disso, vai apontar também crimes de responsabilidade (mais especificamente violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo). E o documento prevê o envio de denúncia de crime contra a humanidade ao Tribunal Penal Internacional e de genocídio de indígenas

Demais sugestões de indiciamento Em minuta do relatório, Renan pede o indiciamento de mais de 60 pessoas, para além do presidente. Uma dessas figuras é o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por sete crimes: epidemia, incitação ao crime, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime e genocídio indígena.
Atuais ministros também devem ser alvo do relator. É o caso de Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e da Previdência) e do general Braga Netto (Defesa).
Figuram também entre os alvos de pedido de indiciamento o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), os deputados Osmar Terra (MDB-RS), Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).Também devem ser alvo os filhos do presidente Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) como articulador da rede bolsonarista de distribuição de notícias falsas e desinformação e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) como elo da rede com supostos financiadores, entre eles os empresários Otávio Fakhoury e Luciano Hang

Folha de S. Paulo

 

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