Técnico da Saúde cobra que autoridades barrem kit covid no SUS

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Foto: Werther Santana/Estadão

Responsável por formular um estudo que barra a adoção do chamado “kit covid” em pacientes da doença, o pneumologista Carlos Carvalho disse ser preciso vontade política para que um protocolo de tratamento seja adotado no Sistema Único de Saúde (SUS). Em entrevista ao Estadão, ele afirmou que “cabe às autoridades definir” quando isso será feito. “Sou um técnico. Não sou um político ou alguém que tem poder para decidir essas coisas.”

Mais de um ano e meio depois do início da pandemia, a comissão do Ministério da Saúde responsável por analisar o uso de medicamentos da rede pública ainda não se posicionou sobre a prescrição de drogas como hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina, comprovadamente ineficazes contra a covid-19, mas ainda defendidas com frequência pelo presidente Jair Bolsonaro.

Uma decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), contrária ao que defende o presidente, era esperada para esta quinta-feira, 21, mas um empate adiou mais uma vez essa definição. O placar de 6 a 6 só foi possível após a maioria dos representantes do Ministério da Saúde votar contra o parecer de Carvalho. O médico, porém, disse não acreditar em influência política na decisão. “O debate foi bastante técnico”, afirmou.

Agora, o estudo coordenado por Carvalho será submetido a consulta pública por dez dias e, só então, voltará a ser votado pela Conitec.

O senhor ficou satisfeito com a discussão sobre o relatório contra o “kit covid” apresentado pelo grupo que coordena?
Geramos um documento de excelente nível. Independentemente da publicação desse relatório ou não, vamos inscrever o trabalho para publicação em periódico científico, dada a alta qualidade. Com relação à Conitec, foi uma reunião técnica. Nós apresentamos os documentos, fomos questionados em uma série de situações. Alguns membros entenderam que ainda faltam dados, pontos que ainda precisam ser discutidos. E aprovaram ir para consulta pública para essa melhoria.

Observou alguma contaminação política nesse debate de cinco horas sobre as recomendações?
O debate foi bastante técnico. Se o que as pessoas estavam verbalizando tinha componente político, não posso afirmar, seria leviano da minha parte. O debate foi bastante técnico. A nossa apresentação também. No dia 7, quando pedi para o documento sair de pauta porque vislumbrava a possibilidade de mudar um pouco as nossas conclusões, foi aceita a minha solicitação. Trabalhamos arduamente para atualizar em uma semana. Não me arrependo de ter feito a solicitação, apesar de todo o bochicho que causou. Do ponto de vista técnico, não tinha um componente político. Espero que as pessoas que hoje votaram tenham votado do ponto de vista técnico, e não político.

O que achou de 5 dos 6 votos contrários terem vindo de membros do Ministério da Saúde?
Se houvesse posição fechada do ministério… dos 13 membros, sete são do ministério. Teriam votos suficientes, mas dois do ministério não votaram da mesma forma, fechados. Aí já questiono se teria uma posição fechada do ministério contra (barrar o ‘kit covid’ no SUS) . Seria estranho. O ministério me convida para fazer uma coisa e depois vai lá e não apoia. Estou tranquilo. Fizemos um bom trabalho. Vai ficar exposto para quem quiser contribuir.

Na nova versão do relatório, o senhor disse que incluiria mudanças sobre o medicamento Regen-Cov. Mudou alguma coisa sobre hidroxicloroquina, que o parecer concluiu que não funciona?
Não, não teve nenhum artigo científico que justificasse mudança naquela parte. O que mudou na conclusão foi só quanto aos anticorpos monoclonais.

As questões técnicas apresentadas ao grupo nesta quinta, sobre o relatório, ficaram concentradas nos pontos sobre cloroquina e azitromicina?
Foi um pouco de tudo, esses inclusive. Não foi específico de nenhum deles.

Após a consulta pública, o que acontece?
Ele volta para nosso grupo de pesquisadores. Vamos absorver as sugestões que acharmos pertinentes e recusar as que acharmos que não têm sentido. Aí vai para nova reunião da Conitec, apresentamos a inclusão e não inclusão das sugestões. E aí volta para os 13 membros se posicionarem sobre o documento.

São quase dois anos de pandemia, já morreu muita gente, tem metade da população vacinada. Ainda vamos para uma consulta pública sobre o tratamento ambulatorial. Esse “timing” da saúde pública, do governo, está correto?
Estou trabalhando nessa pandemia desde 29 de janeiro do ano passado, quando ela estava em Wuhan e fizemos a primeira reunião do comitê de crise do Hospital das Clínicas. Em março, fui convidado para participar do centro de contingência do coronavírus do governo de São Paulo. Fizemos o protocolo de atendimento para pacientes em UTI. Trabalho com isso desde março do ano passado. Em abril deste ano, fui convidado pelo ministro Marcelo Queiroga para colaborar para a geração de uma linha de cuidados para pacientes com covid. De abril até agora, corremos e fizemos um trabalho que considero bastante grande e cansativo. Todos nós somos voluntários. Trabalhamos dentro do possível. Chegamos a fazer reuniões em vários dias da semana seguidos, inclusive finais de semana e feriados. Se não conseguimos gerar esse documento antes, é limitação nossa. Mas trabalhamos como conseguimos. A partir do instante em que fui convidado ou pelo governo de São Paulo ou pelo governo federal para ajudar, me disponibilizei a ajudar. Agora, se deveria ter sido antes ou não, cabe às autoridades definirem isso. Sou um técnico. Não sou um político ou alguém que tem poder para decidir essas coisas.

Conseguimos prever quando haverá um desfecho sobre a utilização desses remédios?
Assim que vencerem os dez dias de provas. Se tivermos poucas sugestões, podemos fazer uma reunião rapidamente. Se tiver um milhão de sugestões, vamos ter que analisá-las. A velocidade do próximo passo vai depender da quantidade e da qualidade das sugestões.

Estadão 

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