Bolsonarismo já apresentou 29 projetos de lei contra passaporte da vacina
Foto: Elson Sempé Pedroso / CMPA
Enquanto a vacinação contra a Covid-19 avança no Brasil e estabelecimentos passam a cobrar a imunização do público como requisito de entrada, ganha força uma articulação entre parlamentares bolsonaristas e o movimento antivacina para combater o chamado passaporte sanitário. Há 29 projetos de lei tramitando nas dez maiores Assembleias Legislativas do país e na Câmara dos Deputados contra a medida. Apesar dessas iniciativas, a adesão à vacinação é alta no país e foi determinante para a queda no número de mortes e hospitalizações.
Bolsonaristas usam termos como “apartheid sanitário”, “medida totalitária” e “ditadura nazista” para se referir à exigência de comprovante de vacinação contra a Covid-19 implementada no país para acesso a locais públicos e privados. Fora o discurso, eles têm tentado cada vez mais converter esse embate em lei.
A quantidade de proposições sobre o tema aumenta mês a mês: em julho, um projeto havia sido apresentado; em agosto, eram sete; em setembro, nove; e no mês de outubro, 12, até a última quinta-feira. A Casa Legislativa com mais projetos de lei contra a exigência de comprovante de vacinação é a Assembleia do Rio de Janeiro, com nove propostas, seguida da Assembleia de São Paulo, com seis, e da Câmara dos Deputados, com quatro.
Ex-partido do presidente Jair Bolsonaro, o PSL é o partido da maioria dos parlamentares que protocolaram os projetos: 27 entre os 50. O artigo 5º da Constituição Federal, que trata do direito à liberdade, é um dos motivos mais citados na justificativa apresentada nos documentos.
Há, no entanto, uma repetição de argumentos falaciosos, como o de que vacinas não previnem a transmissão do vírus e que, portanto, seria descabido exigir o cartão de vacinação das pessoas. Há duas propostas, inclusive, com trechos idênticos, apresentadas por Alberto Feitosa (PSC) em Pernambuco e por Ricardo Arruda (PSL) no Paraná, que desinformam ao afirmar que “quem decide não se vacinar assume o risco sozinho”.
A imunização, de fato, não impede pessoas de transmitirem a doença, mas diminui a circulação do vírus quando aplicada em massa, e a ocorrência de casos graves, de acordo com especialistas.
As proposições em geral criticam o que consideram uma interferência excessiva do poder estatal sobre a liberdade de cada indivíduo, e algumas recorrem a autores liberais, como Friedrich Hayek, para justificar a proibição ao passaporte.
— (A motivação são os) Princípios da legalidade e da eficiência. Um passaporte que não pode impedir contaminação e contágio não tem finalidade que não seja a do controle social — diz a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), articuladora de uma das propostas.
Sentido oposto
A proliferação de projetos de lei contra o passaporte se acelera na medida em que a imunização contra a Covid-19 começa a atingir níveis previstos por especialistas como necessários para fazer a circulação da doença decair drasticamente — a chamada imunidade de rebanho. A vacinação alcança 72% da população brasileira com pelo menos uma dose, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa.
O deputado estadual Douglas Garcia, do PTB de São Paulo, estado em que 80,47% da população está vacinada, nega que o alto índice enfraqueça o movimento. Ele é autor de um dos projetos na Assembleia Legislativa contra o passaporte.
— Muitas pessoas vacinadas são contra o passaporte. Elas defendem o direito de as pessoas poderem ser vacinadas ou não. Esse movimento do qual faço parte não é um movimento antivacina, defende apenas a liberdade — afirma.
Autora de um projeto similar na Assembleia do Rio, Alana Passos (PSL) segue a mesma linha e diz ser favorável à vacinação, mas contrária a barrar a entrada em templos religiosos ou estabelecimentos comerciais.
— O decreto é ditatorial, e o prefeito quer controlar quem anda ou não pela cidade. Estimular e conscientizar a população sobre vacinação é uma outra (coisa), punir e limitar quem escolhe não se vacinar é tirania — afirma a parlamentar.
Nenhum dos projetos, no entanto, passou da etapa das comissões e está pronto para ser votado em plenário. Tanto Garcia quanto Zambelli articulam a aprovação de um requerimento de urgência para seus projetos.
O combate ao passaporte sanitário, hoje principal pauta da comunidade antivacina, além de ter invadido o Legislativo pelo Brasil, está presente nas ruas. Grupos com milhares de pessoas se articulam no Telegram, aplicativo de troca de mensagens, para organizar protestos em diversas cidades. Eles já promoveram atos em pelo menos 13 estados nas última semanas.
Na capital paulista, a manifestação foi feita no último dia 17, em frente ao prédio da Fiesp, na Avenida Paulista, e teve discurso do médico Alessandro Loiola, dono de um canal de Telegram com 53,9 mil inscritos, onde espalha desinformação sobre vacinas.
Em 20 de outubro, uma sessão na Câmara Municipal de Porto Alegre sobre o veto do prefeito Sebastião Melo (MDB) ao passaporte vacinalterminou em confusão entre vereadores e manifestantes antivacina. Na justificativa para a rejeição, o Executivo afirmou que o município teria “dificuldades formais e materiais” para fiscalizar o cumprimento da norma. Apesar de não existir regra municipal sobre o tema, o documento é exigido no Rio Grande do Sul em eventos esportivos e festas desde o último dia 18.
Nos canais do Telegram, declarações de autoridades públicas são usadas para endossar o movimento antivacina. A declaração falsa de Bolsonaro associando a Aids com a imunização contra a Covid, desmentida por entidades médicas, foi amplamente compartilhada. Um vídeo gravado por Carla Zambelli com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em que ele declara ser contra a exigência, também circulou.
Protestos recentes realizados em países como França e Itália, em que milhares foram às ruas contra o passaporte sanitário, embalam a mobilização pelo Brasil, onde os grupos já organizam uma manifestação nacional para o próximo mês.
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