Bolsonaro encontra líder da extrema-direita italiana

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Foto: Federico Scoppa – 2.nov.21/AFP

O dia em Pistoia amanheceu chuvoso e confuso, como disseram alguns moradores. Na manhã desta terça-feira (2), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e Matteo Salvini, líder do partido de ultradireita Liga Norte, encontraram-se para participar de um ato solene em homenagem aos 467 pracinhas mortos em combate durante a Segunda Guerra Mundial. No total, 20.573 soldados brasileiros estiveram na Itália lutando contra o fascismo.

Como em todos os anos, a cerimônia acontece no cemitério San Rocco, em frente ao monumento ao soldado desconhecido erguido em memória dos brasileiros. Após a execução dos hinos nacionais, Bolsonaro depositou uma coroa de flores no monumento e um pastor evangélico fez um breve pronunciamento. Já o padre Dom Piero Sabadini celebrou uma pequena missa e abençoou o memorial.

Sabadini substituiu, às pressas, Dom Tardelli, que todos os anos celebrava a missa e que, desta vez, negou sua presença por ser “abertamente contrário a instrumentalização da celebração”.

Um membro da paróquia de San Rocco falou com a Folha em condição de anonimato e disse que os líderes religiosos não concordam com nada do que aconteceu no encontro entre Bolsonaro e Salvini. Disse ainda que o presidente brasileiro é um ditador. Nesta segunda-feira (1º), em visita à Basílica de Santo Antônio, em Pádua, Bolsonaro também não foi recepcionado por nenhuma das autoridades católicas.

Em sua fala na cerimônia, Salvini pediu desculpas pela confusão dos últimos dias, em referência aos protestos contra Bolsonaro, em que a polícia chegou a usar canhões d’água para dispersar manifestantes contrários ao presidente brasileiro.

“Desculpem a polêmica de alguns, que conseguem fazer divisões mesmo em um dia de lembrança, de honra como hoje. A amizade de nossos povos é mais forte do que a polêmica de alguns que não representam o povo italiano”, disse Salvini.

Tanto o político italiano quando o ministro da Defesa brasileiro, o general Walter Souza Braga Netto, que acompanha Bolsonaro em Pistoia, mencionaram em seus discursos a expressão “a cobra vai fumar”, um dos slogans da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Antes de se pronunciar, o presidente brasileiro deu a palavra a Romano Levoli, um dos últimos pracinhas ainda vivos dentre os que lutaram na guerra. Sem entrar em detalhes, o ex-combatente disse que a Itália não reconheceu a sua “memória histórica”.

Bolsonaro disse estar emocionado. “Pela primeira vez estou em solo italiano, solo este sagrado para nós. Estamos comemorando aqueles que tombaram em luta pelo que tem de mais sagrado em nós, a nossa liberdade”.

O presidente também lembrou que cerca de 30 milhões de brasileiros têm origem italiana —uma das justificativas apresentadas pela prefeita de Anguillara Veneta para conceder a cidadania honorária ao líder brasileiro.

Bolsonaro e Salvini têm muito em comum. Se, de um lado, o relatório final da CPI da Covid pediu que o presidente brasileiro fosse denunciado por crimes de responsabilidade e contra a humanidade, de outro, seu aliado italiano tem um histórico de manifestações xenófobas e anti-imigração e responde a um processo criminal por sequestro.

Em 2019, Salvini negou acesso aos portos italianos a um barco da ONG espanhola Open Arms que havia resgatado 147 imigrantes no Mar Mediterrâneo, ao largo da Costa da Líbia. Durante o impasse, vários migrantes desesperados se jogaram no mar na tentativa de chegar nadando à terra firme. A embarcação só teve permissão para atracar após 19 dias, mas não por decisão de Salvini.

Foi necessária uma intervenção do Ministério Público de Agrigento, na Sicília, que ordenou o desembarque dos migrantes. Se condenado pelo crime de que é acusado, Salvini pode pegar até 15 anos de prisão.

Também em 2019, o líder de ultradireita se recusou a participar do Dia da Libertação da Itália, que comemora o triunfo italiano sobre a ocupação nazista durante a Segunda Guerra. À época, ele foi acusado de cooperar com a “normalização do fascismo” no país.

Questionado por jornalistas, Salvini relativizou as acusações que pesam contra Bolsonaro e disse que julgá-lo é uma atribuição da Justiça brasileira. O presidente, à semelhança do que tem feito durante todos os eventos de que participou na Itália, deixou o local sem falar com a imprensa.

Segundo fontes internas da Liga Norte, o encontro com Bolsonaro deveria ter acontecido em Roma, em ocasião da participação do presidente brasileiro na cúpula do G20, que reúne as principais economias do mundo. Mas, estrategicamente, Salvini optou por encontrá-lo em Pistoia, aproveitando a ocasião para inaugurar a sede de seu partido na cidade.

A ação de Salvini é clara. Há quatro anos sob controle de líderes de centro-direita, a pequena cidade vai às urnas no ano que vem, e uma vitória em Pistoia pode ter alto valor estratégico para a Liga Norte.

A tática do político italiano, no entanto, não passou despercebida pelos moradores da cidade. Lideranças locais, já descontentes com a visita de Bolsonaro a Pistoia, marcaram dois protestos para esta terça-feira: um pela manhã, que aconteceu simultaneamente à cerimônia em memória dos pracinhas e reuniu cerca de 300 pessoas, e outro durante a tarde (por volta das 11h, no horário de Brasília)

Isolado internacionalmente, Bolsonaro teve uma agenda magra em sua estadia na Itália. Além de Salvini, o presidente só encontrou oficialmente Alessandra Buoso, prefeita de Anguillara Vêneta, que o recebeu nesta segunda para a entrega do título de cidadão honorário.

Folha de S. Paulo

 

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