Centrão tem Bolsonaro nas mãos

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Foto: Ricardo Botelho/MInfra/.

O presidente Jair Bolsonaro segue sem um candidato para chamar de seu em 2022 no maior colégio eleitoral do país — São Paulo, que abriga 22% dos votantes do país. Diante da falta de um candidato competitivo no estado e na luta contra o tempo, ele lançou mão pela enésima vez do nome de Tarcísio Gomes de Freitas, o ministro da Infraestrutura considerado por ele (e por muitos analistas) um dos quadros mais qualificados do governo. No novo aceno, feito nesta semana em Dubai, onde estava com o ministro, o capitão relatou que o seu auxiliar “aceita discutir” a possibilidade de concorrer ao Palácio dos Bandeirantes. O plano, no entanto, tem vários problemas, a começar pelo fato de o próprio Tarcísio já ter dito publicamente que prefere debutar na política disputando o Senado em estados como Mato Grosso ou Goiás. Outro é que ele não tem ligação com São Paulo — seu domicílio eleitoral, aliás, é Brasília. Caso entre na disputa, o ministro enfrentaria ainda concorrentes fortes, como o candidato de situação, o vice-governador Rodrigo Garcia, o ex-governador Geraldo Alckmin e o petista Fernando Haddad. Por fim, interlocutores dizem que Tarcísio está focado nas concessões previstas para 2022 e teme que todo o zum-zum-zum eleitoral afugente investidores.

Essa indefinição é especialmente problemática para o presidente, que enfrenta uma enorme inversão de popularidade na unidade mais poderosa da federação. Em 2018, ele levou 67% dos votos paulistas no segundo turno. Agora, amarga 56% de rejeição no estado, de acordo com estimativas da Quaest Consultoria em novembro. Sem um palanque que o ajude a tentar reverter a onda negativa, o caminho para mais quatro anos no Palácio do Planalto ficará bem mais complicado. Bolsonaro registrou, segundo pesquisa do Datafolha em setembro, a pior avaliação desde o início de seu governo. Além disso, os levantamentos eleitorais mostram que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu uma razoável vantagem (42% a 28%, segundo pesquisa XP/Ipespe de outubro).

Para piorar, a dificuldade de montar um palanque competitivo não se restringe a São Paulo, mostrando um cenário bem diferente do vivido por outros candidatos à reeleição, como Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. As negociações, no entanto, costumam ser duras. Um exemplo: em novembro de 2013, também a onze meses da eleição, Dilma e Lula comandaram reuniões na Granja do Torto, em Brasília, com os principais comissários do PT e os aliados, o então PMDB e o PP. Nem o esforço para aparar as arestas estaduais deu muito certo, porque os emedebistas estiveram no mesmo palanque que os petistas em nove estados, enquanto o PP liberou seus diretórios para arranjos locais, apesar de apoiar Dilma nacionalmente. Com Bolsonaro até agora ainda alheio às costuras regionais, não é de se esperar resultado muito melhor. Primeiro porque, num cenário absolutamente único e que não vai se repetir no ano que vem, ele se elegeu sem resolver esse quebra-cabeça. Depois porque revela pouca paciência para conversas dessa natureza.

A rigor, Bolsonaro está há dois anos sem partido. E, mesmo quando enfim definiu um rumo partidário, não parou para avaliar todas as implicações de sua escolha. Ele está em noivado com o PL, que é comandado há tempos pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado e preso pelo escândalo do mensalão. Raposa felpuda da política, Costa Neto fechou com o presidente, marcou data para o casório, mas não pensou em abrir mão de acordos já feitos para 2022 em estados como São Paulo e Pernambuco. Na disputa paulista, por exemplo, a legenda se comprometeu a apoiar a eleição de Rodrigo Garcia, vice de João Doria (PSDB), um dos maiores desafetos políticos do presidente.

Informado depois sobre essas arestas, Bolsonaro acabou adiando a filiação. Contribuiu também para esse impasse o amplamente difundido anseio do presidente e sua prole de comandarem a máquina partidária da sigla — o capitão esperava que o filho Eduardo, o Zero Três, se tornasse um homem forte do PL em São Paulo, que é reduto eleitoral de Costa Neto. “O partido que filiar o presidente tem de alinhar o jogo. A filiação dele é um bônus, tem de ser acompanhada pelo devido ônus. Não pode ter estados que não o acompanhem”, diz o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Na quarta 17, dirigentes estaduais do PL se reuniram com Costa Neto em Brasília e deram a ele, por unanimidade, “carta branca” para conduzir a filiação. Aliados do cacique do PL dizem que isso significa, na prática, analisar caso a caso para superar os obstáculos que incomodem de fato o presidente. No caso de São Paulo, já não se descarta rediscutir o apoio a Rodrigo Garcia e garantir legenda a um candidato apoiado por Bolsonaro. Tarcísio, por sinal, é bem visto internamente.

Assim como a maioria dos partidos brasileiros, o PL é, na verdade, uma colcha de retalhos e interesses regionais. A legenda abriga rivais políticos do bolsonarismo, como o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, no Amazonas, e, em outros estados, está alinhado ao outro extremo do espectro ideológico. É o caso do PL no Piauí, que a princípio pretende apoiar o candidato petista ao governo, Rafael Fonteles. “O anúncio da filiação se deu de forma rápida, açodada, sem ouvir posicionamentos de quem não concorda com ela em função da questão estadual”, reclama o deputado Fábio Abreu (PL-PI). Em Alagoas, o PL é presidido pelo ex-ministro Maurício Lessa, secretário de Infraestrutura do governo Renan Filho, filho do senador Renan Calheiros (MDB), um figadal opositor de Bolsonaro. Em Pernambuco, o PL já havia delineado uma aliança com PSDB, PSC e Cidadania para a disputa pelo governo do estado e ao Senado, o que fechou a porta a um dos ministros mais próximos do presidente, Gilson Machado (Turismo).

O quadro para Bolsonaro se agrava também em razão do pouco entusiasmo de seus aliados. Dos onze ministros (metade da Esplanada) que devem ir para a disputa eleitoral, apenas dois — Onyx Lorenzoni, no Rio Grande do Sul, e João Roma, na Bahia — podem ser candidatos ao governo. Ciro Nogueira, o principal articulador político do governo, ensaiou, mas não deve disputar esse cargo no Piauí. No Rio Grande do Norte, há dois ministros querendo a única vaga ao Senado — Fábio Faria e Rogério Marinho. Além disso, os poucos governadores com quem Bolsonaro mantém boa relação devem guardar distância em 2022 em razão dos planos eleitorais de seus partidos. São os casos de Romeu Zema, de Minas Gerais, Ronaldo Caiado, de Goiás, e Ratinho Júnior, do Paraná. Caiado é um dos defensores da candidatura própria do União Brasil, partido que resultará da fusão entre DEM e PSL. A sigla tem cortejado Zema, que tentará a reeleição em Minas — de qualquer forma, o Novo anunciou o cientista político Luiz Felipe D’Avila como presidenciável. Já o PSD, de Ratinho, lançou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao Planalto.

Há vários motivos para explicar a má situação de Bolsonaro nos estados. As relações distantes — e, por vezes, tumultuadas — que manteve com boa parte dos governadores explicam em parte as dificuldades. Políticos e analistas apontam ainda a alta taxa de impopularidade, a imprevisibilidade de Bolsonaro e sua família e as conveniências eleitorais dos pragmáticos partidos do Centrão: PL, PP e Republicanos — estes dois também têm “infiéis” em suas bases, sobretudo no Nordeste. “Bolsonaro é quem aderiu ao Centrão, e não o contrário. Isso gera uma fragilidade que afeta o processo eleitoral, à medida em que ele se torna caudatário do bloco, não só na articulação política, mas também na eleitoral”, diz o cientista político Cláudio Couto, da FGV. Ao contrário de Dilma, que também sofreu com defecções de aliados em alguns estados, Bolsonaro não tem um partido coeso para se escorar e está buscando guarida exatamente em um aliado conhecido por não ser confiável. Com pouco tempo para definir onde se abrigará para 2022 e com escassas opções viáveis fora do Centrão, pode não restar ao capitão outra alternativa que não seja dançar conforme a música de Valdemar Costa Neto e sua turma. Talvez, pela primeira vez, Bolsonaro sinta então saudade de Gustavo Bebbiano, o articulador de sua campanha em 2018.

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