Doria toca fogo no PSDB paulista por candidatura que não vai vingar
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Com as prévias presidenciais do PSDB indefinidas, o governador João Doria (SP) e seus aliados vêm questionando as regras adotadas pelo partido por, em sua avaliação, beneficiarem o rival Eduardo Leite (RS), algo que não se sustenta segundo dirigentes da sigla.
Ancorada em um problema de ordem tecnológica, a disputa política entre os governadores escalou. Aliados do gaúcho e mesmo parte da cúpula tucana passaram a rebater as desconfianças do paulista.
As acusações vão desde o uso de aplicativo em vez de urnas eletrônicas à contratação de uma fundação do Rio Grande do Sul para criar o aplicativo de votação.
No domingo (21), as prévias foram suspensas depois que a ferramenta, com 44,7 mil tucanos cadastrados, travou e apenas cerca de 3.000 conseguiram votar.
A Fundação de Apoio à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs), responsável pelo app, divulgou nota, nesta quarta (24), afirmando considerar “muito plausível a ocorrência de um ataque de hackers”.
O PSDB testa aplicativos de empresas privadas para concluir a votação e, até esta quinta (25), não havia previsão de um novo cronograma —o prazo prometido é domingo (28). As campanhas de Doria, Leite e Arthur Virgílio, ex-prefeito de Manaus e terceiro concorrente, pressionam pela conclusão do pleito.
A indefinição alimentou o que as campanhas têm chamado de “guerra de narrativas”. No domingo, em entrevista à imprensa, Doria afirmou que a Faurgs tem sede em Pelotas, cidade onde Leite foi prefeito e vereador.
A fundação, no entanto, fica em Porto Alegre. Consultada pela Folha, a entidade reforçou não ter ligação com Pelotas –nem unidades e nem projetos na cidade.
“O senador Arthur Virgílio e eu, desde o início desse processo, defendemos o uso de urnas eletrônicas. Processo transparente e legitimado, à prova de fraude. Por razões que nós desconhecemos, o partido adotou uma forma híbrida. Escolheu uma empresa para desenvolver um aplicativo, que circunstancialmente é de Pelotas, no Rio Grande do Sul, e outra parte adotando as urnas eletrônicas”, disse Doria à imprensa no domingo.
O deputado federal Daniel Trzeciak (RS), aliado de Leite que acompanhava a entrevista, protestou: “É mentira!”.
As falas do paulista, ligando a Faurgs a Pelotas, bastaram para que a militância que o apoia passasse a divulgar, nas redes sociais, a versão de que Leite recomendou ao PSDB a contratação da fundação, o que também não procede.
O PSDB diz que buscou diversas universidades públicas, incluindo USP, Unicamp e UFMG, mas somente a Faurgs topou desenvolver o aplicativo de votação num prazo apertado de 90 dias. A fundação enviou proposta com cronograma e orçamento, enquanto as demais não.
Na mesma entrevista à imprensa, no domingo, o prefeito de Jundaí, Luiz Fernando Machado, que é um dos coordenadores da campanha de Doria, deixou isso claro.
“O processo de chamamento foi feito para todas as instituições que teriam habilidades e qualificações para aprimorar ou fazer o aplicativo. A única fundação que se dispôs a fazer no tempo que foi dado foi a fundação já expressa”, disse ele.
“Antes de mais nada, quero deixar claro a todos aqui que a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e a Faurgs, consequentemente, não são em Pelotas. É uma mentira, mais uma que a gente vê sendo apresentada nas prévias do PSDB, entre tantas que estamos sendo vítimas. Ou no mínimo um desconhecimento”, disse Leite também no domingo.
Na época, o PSDB apostou em desenvolver um aplicativo próprio, ao custo de cerca de R$ 1,3 milhão, para que a ferramenta pudesse ser doada a outros partidos. Os tucanos pretendiam incentivar a realização de prévias em outras siglas e ganhar o crédito pela ação inovadora.
Com o fiasco da votação de domingo, o partido passou a buscar às pressas alternativas privadas que não poderão ser doadas. O uso do aplicativo da Faurgs, contudo, não foi descartado oficialmente.
Para auxiliares de Doria, existe ligação entre Leite e a Faurgs, embora não tenham apresentado comprovação disso. Questionada pela Folha, a campanha paulista enviou nota do coordenador, Wilson Pedroso, afirmando que a informação de que a Faurgs era de Pelotas estava “na própria imprensa quando as primeiras notícias vieram a público”.
“Agora o que é imperativo para o PSDB é encontrar uma solução o mais rápido possível para o término das prévias, em respeito aos filiados tucanos e à democracia”, disse.
Além da escolha da fundação gaúcha, Doria demonstrou contrariedade, nos últimos dias, com a própria opção do partido por um aplicativo no lugar de urnas eletrônicas. De fato, os problemas no aplicativo vinham sendo apontados pela campanha paulista há semanas a partir dos relatórios de auditoria da empresa de segurança cibernética Kryptus, contratada pelo PSDB.
Para rebater Doria, tucanos lembram que, além da Faurgs e da Kryptus, empresa que nasceu na Unicamp, também participaram da elaboração do app, como consultores, um técnico ligado à USP e outro ligado ao Porto Digital do Recife.
Na avaliação da direção da sigla, embora as urnas sejam o método mais seguro, não havia, na prática, a possibilidade de viabilizar a votação por meio delas. Mesmo se o cálculo fosse o de dez cidades para cada urna, seriam necessários mais de 500 pontos de votação pelo país e contratos com os 27 tribunais regionais eleitorais.
O PSDB teria que arcar com custos de logística e segurança, operações que, nas eleições nacionais, contam com a ajuda das Forças Armadas, por exemplo. Além disso, as próprias campanhas não teriam condições de fiscalizar todos os locais de votação.
Nos bastidores, aliados de Leite criticam Doria pelo que consideram reduzir o Brasil aos Jardins, em São Paulo, desconhecendo a complexidade de realizar eleição nos confins do Brasil.
No entanto, para fazer um aceno à Justiça Eleitoral e homenagear a urna eletrônica, alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro, o partido optou por utilizar as urnas ao menos em Brasília, para políticos com mandato que quisessem votar presencialmente.
A questão operacional foi determinante para a escolha do aplicativo, mas, nos bastidores, dirigentes do partido também entendem que só a votação pelo celular poderia ser isonômica e alcançar todos os tucanos do país. Caso a votação fosse presencial, Doria levaria vantagem.
Em São Paulo, o PSDB é mais organizado e mobilizado, além de já ter realizado duas prévias anteriores –que Doria venceu. Os paulistas teriam condições de levar filiados para a votação, enquanto estados apoiadores do gaúcho não.
A questão da preponderância de São Paulo também orientou a escolha da sigla pela votação em que filiados e mandatários têm peso diferente. Em uma derrota para Doria, a executiva nacional do partido aprovou a regra com base no princípio de equilíbrio federativo –e não para beneficiar Leite, segundo líderes tucanos.
Para eles, a votação de mesmo peso transformaria o PSDB num partido de São Paulo e não daria chance aos rivais de Doria nas prévias.
Leite tem mais adesão entre os tucanos com mandato, enquanto São Paulo tem 25% dos 1,3 milhão de filiados do PSDB. Entre os filiados mobilizados, ou seja, aqueles que se cadastraram no app para votar, a vantagem de São Paulo saltou para 62%, o que tornaria a realização de prévias desnecessária se a regra fosse a de que cada voto conta igualmente.
Pela votação em grupos estabelecida pelo PSDB, São Paulo larga com um peso de 35%, o que não impossibilita, na prática, a vitória de Leite ou Virgílio. Entre apoiadores de Doria, porém, a eleição com pesos, assim como o uso de app da Faurgs, é vista como manobra a favor de Leite.
Doria e Virgílio já afirmaram considerar que o modelo ideal é de prévias é o de que filiados e políticos tenham o mesmo poder de votos.
De acordo com aliados de Doria, as desconfianças de que as prévias estariam desenhadas de modo a favorecer Leite se confirmaram quando o presidente e o coordenador da comissão de organização das prévias, senador José Aníbal (SP) e ex-deputado Marcus Pestana (MG), entregaram os cargos um dia antes da votação e anunciaram apoio a Leite.
Na ocasião, Pedroso, coordenador da campanha de Doria, afirmou que “as raposas estavam dentro do galinheiro”.
“Desde o início das prévias, a campanha de João Doria defendia que as eleições se dessem via urnas eletrônicas nos colégios eleitorais do PSDB em todo o Brasil. E também defendia igualdade no peso dos votos do filiado: ou seja, um filiado, um voto. Mas cedeu a todas as decisões da comissão das prévias, presidida pelo senador José Anibal e coordenada por Marcus Pestana, que optaram por votação por aplicativo e por atribuir pesos diferentes a cada grupo de filiado”, disse Pedroso à Folha por meio de nota.
Entre tucanos que compõem a executiva do partido, as desconfianças não fazem sentido. A votação por grupos, argumentam, foi aprovada pela executiva após ser proposta pela comissão, que também era composta por membros das campanhas de Doria e Leite.
Já a decisão a respeito das urnas partiu da direção do PSDB, assim como a contratação da Faurgs. A comissão de prévias não tinha poder deliberativo, mas tinha suas decisões em geral respaldadas pelo presidente do PSDB, Bruno Araújo.
Em resposta, Pestana afirmou à coluna Mônica Bergamo: “A certificação da minha idoneidade são 38 anos de vida pública”. Aníbal afirmou que o atacam “de forma injuriosa” depois de terem perdido na votação das regras das prévias e no que considera uma tentativa de fraude –a filiação extemporânea de 92 prefeitos e vices que acabaram excluídos da votação.
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