Folha minimiza crítica do The New York Times a Sergio Moro
Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
A candidatura de Moro vai provocar muitos engulhos antes de a mídia cair na real de que ele não tem chance. O jornal minimizou críticas pesadas do maior jornal do mundo, o The New York Times, ao ex-juiz. Confira, abaixo.
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São enganosas as publicações segundo as quais o jornal norte-americano The New York Times teria feito críticas ao ex-juiz federal Sergio Moro, acusando-o de corromper o sistema judicial e ser responsável pelo caos do Brasil.
Como verificado pelo Projeto Comprova, o jornal publicou, em fevereiro deste ano, um artigo do cientista político Gaspard Estrada com críticas à Operação Lava Jato, inclusive afirmando que ela se tornou um escândalo judicial e que contribuiu para o caos no Brasil. O texto representa, no entanto, a opinião pessoal do especialista, e não a posição institucional do Times. Apesar do artigo citar Moro como responsável por “iniciar” a Lava Jato, ele não é individualmente responsabilizado no texto pelos atos criticados.
Especialistas em redação jornalística entrevistadas pelo Comprova dizem que, ao contrário de uma notícia, que tem a função principal de informar, um texto de opinião busca defender um posicionamento. O gênero, porém, tem duas vertentes.
A primeira é o artigo de opinião, em que uma pessoa física emite uma opinião sobre algum tópico importante para a sociedade. Esse tipo de texto é assinado, indicando quem está emitindo aquela opinião, e frequentemente é escrito por pessoas que não trabalham para o jornal. Já a segunda é o editorial, não assinado ou assinado pelo próprio veículo, e representa as posições e visões institucionais do jornal.
No caso do NYT, o Comprova identificou que o jornal já publicou três editoriais mencionando Sergio Moro, sendo o primeiro deles de junho de 2016 e o último de janeiro de 2020. A visão do jornal norte-americano sobre o ex-juiz mudou com o tempo. Inicialmente tratado como um juiz que corajosamente enfrentou a corrupção no Brasil, o jornal diz que o vazamento de mensagens dos bastidores da operação mostram o que parece ser um “conluio ilegal” entre Moro e os integrantes da força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal. Mas não diz que o ex-juiz “corrompeu o sistema judicial” ou o responsabiliza “pelo caos que o Brasil vive”.
A reportagem tentou ouvir os dois perfis que publicaram o conteúdo verificado por meio do Facebook, mas nenhum deles respondeu até a publicação desta checagem. Um dos perfis fez uma postagem em um grupo público do Facebook de apoio ao ex-presidente Lula e o outro é uma postagem de uma página de apoio ao petista.
As postagens foram consideradas enganosas por retirarem o conteúdo de seu contexto original e usá-lo em outro, de modo que seu significado fosse modificado.
Primeiramente, buscamos no site do The New York Times todos os editoriais e artigos de opinião que o jornal publicou que tenham mencionado Sergio Moro. Na mesma página, buscamos entender como o jornal explica a diferença entre esses dois tipos de texto.
A partir daí, lemos o artigo do cientista político Gaspard Estrada, usado por um dos perfis para afirmar que o jornal americano teria dito que “Moro corrompeu o sistema judicial” brasileiro. Também lemos todos os editoriais citando o ex-ministro para saber o que o Conselho Editorial do Times escreveu sobre o ex-ministro da Justiça.
Por fim, entrevistamos duas especialistas para explicar a diferença entre editorial, artigo de opinião e notícia: Isaltina Gomes, doutora em linguística e professora de redação jornalística da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), e Marcelle Chagas, jornalista e mestranda em comunicação pela UFF (Universidade Federal Fluminense).
Uma busca na seção de Opinião do jornal The New York Times mostrou que eles publicaram três editoriais e nove ensaios de convidados (guest essays, no termo original) com os termos de busca “Sergio Moro”. Os editoriais que citam o ex-ministro foram publicados em 6 de junho de 2016 (A medalha de ouro do Brasil em corrupção, na versão traduzida para o português), em 12 de abril de 2018 (“Lula” está na prisão e a democracia brasileira está em perigo) e, o mais recente deles, em 21 de janeiro de 2020 (Brasil chama reportagem de Glenn Greenwald de crime).
Já os artigos de opinião saíram nos dias 23 de janeiro de 2018 (A democracia do Brasil empurrada para o abismo, por Mark Weisbrot); 10 de abril de 2018 (Testando a democracia do Brasil, por Carol Pires); 5 de julho de 2019 (Para onde você vai quando os cruzados anticorrupção estão sujos?, por Vanessa Barbara); 14 de agosto de 2018 (Lula: Há um golpe de direita em andamento no Brasil, por Luiz Inácio Lula da Silva); 26 de dezembro de 2019 (Por que as ruas do Brasil estão tão calmas?, por Vanessa Barbara); 24 de janeiro de 2020 (A guerra contra a verdade de Bolsonaro, por Petra Costa); 4 de agosto de 2020 (Exército de trolls vai às ruas no Brasil, por Patrícia Campos Mello); 21 de agosto de 2018 (Por que Lula deveria ter a chance de concorrer à Presidência, por Jorge G. Castañeda); e 26 de fevereiro de 2021 (A Operação Lava Jato não foi uma bala de prata, por Gaspard Estrada).
Segundo o próprio jornal, os ensaios de convidados são artigos de opinião para defender uma ideia, em busca de enriquecer o debate público e ajudar os leitores a entender o mundo. O Times descreve a seção como “um espaço para pessoas que não são jornalistas e que não têm nenhuma ligação institucional frequente com o Times falarem diretamente com os leitores”. Qualquer pessoa pode submeter textos para serem publicados como ensaios. O jornal promete ler e revisar todos os textos submetidos.
Os artigos publicados nessa seção trazem a palavra “opinião” escrita no topo da página. O nome e a profissão do autor também são mostrados antes do texto. Já os editoriais trazem o termo “editorial” no cabeçalho e são assinados pelo Conselho Editorial do jornal.
O atual conselho editorial do New York Times é formado por 13 jornalistas. Três deles são especialistas em assuntos internacionais: Alex Kingsbury, Serge Schmemann e Farah Stockman. “O conselho não fala pela redação ou pelo Times como um todo. Em vez disso, em meio às vozes individuais conflitantes da editoria de Opinião, visa a fornecer uma visão consistente e independente do mundo com base em valores institucionais testados pelo tempo”, descreve o próprio veículo.
Uma das postagens verificadas pelo Comprova traz o link para o artigo mais recente com menção a Moro publicado pelo jornal, em fevereiro de 2021. Nele, o cientista político Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe da universidade francesa Sciences Po, especializado em América Latina, diz que a Lava Jato “se vendia como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história do Brasil”.
Ele também diz que “o imenso capital político e social acumulado por Sergio Moro, o célebre juiz que iniciou a Lava Jato, e pelos procuradores tem se evaporado nos últimos anos”. Além disso, também afirma que “em vez de ajudar a erradicar a corrupção, conseguir maior transparência na política e fortalecer a democracia, a famosa operação contribuiu para o caos que o Brasil vive hoje”.
Em resumo, o artigo diz que a Operação Lava Jato contribuiu para o caos, se tornou o maior escândalo judicial do país, e sinaliza que Moro iniciou a operação, mas não diz diretamente que foi o ex-juiz o responsável por corromper o sistema judicial ou instalar o caos.
No texto, o autor fala em violações do processo judicial cometidas pelos promotores e “violação do princípio jurídico de não ser juiz e parte ao mesmo tempo”, cometida por Moro, ao afirmar que ele julgou e construiu a acusação contra o ex-presidente Lula.
Estrada diz ainda que, após a divulgação das conversas via Telegram entre Moro e os procuradores da Lava Jato, a força tarefa da operação passou a apresentar números no intuito de defender seus resultados, mostrando quantas pessoas foram presas ou condenadas, por exemplo. “No entanto, para conseguir isso, os promotores caíram em violações do devido processo sem reduzir a corrupção”, afirma.
O autor do artigo acrescenta ainda que, mesmo após a revisão pela Polícia Federal de parte dos diálogos divulgada pela imprensa, a mando de Moro, as conversas “confirmam que essa operação perverteu a Justiça, violou o estado de direito no Brasil e foi fator fundamental na construção da distopia que o país vive, com uma crise política exacerbada e com o segundo lugar mundial de mais mortes pela pandemia”.
Em entrevista ao Comprova, a professora de jornalismo Isaltina Gomes explica que a diferença entre editoriais e artigos de opinião está ligada a quem é a pessoa que emite aquela posição. Segundo ela, não há diferenças estruturais de texto. “A diferença fundamental é em termos de assinatura. O editorial é a opinião formal do jornal. Em geral, não é assinado e a responsabilidade pelo que é dito é do jornal, enquanto empresa. O artigo é assinado e representa a opinião daquela pessoa física”, detalha.
A professora ainda chama atenção para o fato de que, enquanto alguns colunistas são pessoas contratadas pelo jornal para emitir opiniões e análises, outros artigos são escritos por autores externos, que publicam de forma voluntária, sem ter nenhum vínculo com o veículo. Isaltina diz não acreditar que um jornal publicaria um artigo de opinião que fosse frontalmente contra os seus valores.
Segundo a professora da UFPE, a notícia busca relatar fatos e, ainda que ela possa demonstrar um viés, na escolha de entrevistados ou na abordagem de um determinado assunto, seu objetivo é trazer informações. Já o texto opinativo relaciona essas informações em busca de defender uma posição.
Ao Comprova, a jornalista Marcelle Chagas também explicou a diferença entre artigo e notícia. “O artigo de opinião expressa, como o próprio nome diz, a opinião de alguém sobre um determinado assunto”, disse. “Já a notícia é produzida através da apuração de fatos que podem ter mais de um relato sobre o mesmo acontecimento. Garantido assim que a notícia seja divulgada da forma mais isenta possível”.
Segundo Marcelle, o artigo de opinião e a notícia jornalística, por estarem dentro de um espaço consolidado como produtor de fonte de informação confiável, impactam o leitor e ajudam a moldar a opinião da sociedade.
Ela pondera, no entanto, sobre a ausência de uma educação midiática que ensine sobre os diversos meios de informação. “Ainda existem poucas atividades de letramento midiático para auxiliar os atores sociais a entenderem essas mensagens informacionais transmitidas em diferentes formatos”, analisa.
A leitura sobre os três editoriais publicados pelo New York Times com citações a Sergio Moro mostra que o olhar do jornal sobre a figura do hoje ex-juiz mudou substancialmente com o passar dos anos.
O primeiro editorial foi ao ar em 6 de junho de 2016, logo após Michel Temer (MDB) assumir a presidência do Brasil interinamente, depois do afastamento da então presidente Dilma Rousseff (PT). Naquela época, Moro foi citado no texto porque o jornal decidiu destacar dois trechos de um artigo que ele havia escrito em maio de 2016 para a revista Americas Quarterly. O juiz foi citado porque supervisionava as investigações do caso da Petrobras, que, segundo o editorial, havia acabado de culminar no afastamento de Dilma.
“‘Esquemas de corrupção sistêmica são prejudiciais porque afetam a confiança no Estado de Direito e na democracia’, escreveu Sergio Moro, o juiz federal que supervisionou a investigação da Petrobras, em um ensaio no Americas Quarterly no mês passado, acrescentando: ‘Crimes que são descobertos e comprovados devem, respeitando o devido processo, ser punidos'”, destacou o NYT.
O segundo editorial a mencionar Moro é de 12 de abril de 2018, cinco dias após o ex-presidente Lula se entregar à Polícia Federal para cumprir pena por sua condenação na Operação Lava Jato. Embora o editorial afirme que Lula está na prisão e a democracia brasileira está em perigo, o juiz da Lava Jato não é tratado com suspeição. Para o jornal, ele liderou corajosamente a operação contra o petista.
“Juízes como Sergio Moro, que corajosamente liderou a acusação na Operação Lava Jato, demonstraram que o Brasil tem instituições e meios para enfrentar até os mais poderosos – e mais populares – dos malfeitores”, diz um trecho do editorial.
Já o terceiro editorial a mencionar o ex-juiz foi publicado em 21 de janeiro de 2020 e dá outro tratamento a Moro. O texto critica como no Brasil o trabalho de jornalismo investigativo de Glenn Greenwald e da equipe do The Intercept Brasil —que denunciou as trocas de mensagens entre Moro e os promotores da Operação Lava Jato— foi tratado como se fosse crime.
Para o NYT, o país decidiu atacar o mensageiro, em vez da mensagem. O editorial menciona as suspeitas de corrupção do próprio ex-juiz na condução da operação. Isso aparece no texto quando o editoral diz que as mensagens vazadas “pareciam mostrar um conluio ilegal” entre Moro e os promotores e que elas sugeriam que Moro tinha violado a lei brasileira.
O texto diz que os artigos de Greenwald “revelaram uma verdade dolorosa sobre os que estão no poder” e que “perfurar a imagem heroica do Sr. Moro foi obviamente um choque para os brasileiros e prejudicial para o Sr. Bolsonaro”.
Atualmente, em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre as eleições de 2022, as políticas públicas do governo federal e a pandemia que tenham viralizado nas redes sociais. Juntos, os conteúdos verificados tiveram mais de 1,1 mil interações no Facebook.
As publicações se enquadram no tema eleições, já que Moro, recém-filiado ao Podemos, é um dos pré-candidatos à Presidência da República em 2022. Segundo as pesquisas de intenção de voto, a corrida presidencial está sendo liderada pelo ex-presidente Lula (PT), cuja condenação por Moro na primeira instância foi posteriormente anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ver indícios de parcialidade no julgamento, e pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de quem Moro foi ministro da Justiça até deixar o governo acusando o atual chefe do Planalto de tentar intervir na Polícia Federal.
O Projeto Comprova mostrou recentemente ser falso que o Washington Post tenha publicado uma manchete elogiando o presidente Jair Bolsonaro e também que o surfista brasileiro Italo Ferreira tenha pedido a prisão de Lula em entrevista ao New York Times.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
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CARTA AO LEITOR
O Blog da Cidadania é um dos mais antigos blogs políticos do país. Fundado em março de 2005, este espaço acolheu grandes lutas contra os grupos de mídia e chegou a ser alvo dos golpistas de 2016, ou do braço armado deles, o juiz Sergio Moro e a Operação Lava jato.
No alvorecer de 2017, o blogueiro Eduardo Guimarães foi alvo de operação da Polícia Federal não por ter cometido qualquer tipo de crime, mas por ter feito jornalismo publicando neste Blog matéria sobre a 24a fase da Operação Lava Jato, que focava no ex-presidente Lula.
O Blog da Cidadania representou contra grandes grupos de mídia na Justiça e no Ministério Público por práticas abusivas contra o consumidor, representou contra autoridades do judiciário e do Legislativo, como o ministro Gilmar Mendes, o juiz Sergio Moro e o ex-deputado Eduardo Cunha.
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