Governo federal quer exames de Bolsonaro ocultos por um século
Foto: Hugo Barreto/Metrópoles
O Palácio do Planalto impôs sigilo de até 100 anos aos exames de anticorpos de Covid-19 feitos por Jair Bolsonaro. O presidente alega, sem base científica, que não se vacinará porque os resultados dos testes apontam que ele apresenta taxa de imunoglobulina suficiente para protegê-lo contra o coronavírus. A decisão reforça a suspeita de que o mandatário pode já ter se imunizado ou contraído a doença novamente, sem divulgar essas informações.
A Presidência afirmou à coluna, em uma resposta por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que a disseminação desses dados violaria “intimidade, vida privada, honra e imagem” de Bolsonaro. Para sustentar essa tese, o Planalto citou um dispositivo dessa norma, o qual garante o sigilo por 100 anos.
A LAI, contudo, proíbe que essas restrições sejam feitas com o objetivo de prejudicar uma apuração de irregularidades ou recuperação de fatos históricos importantes. Nessa lei de 2011, a publicidade é a regra. O sigilo, a exceção. Se Bolsonaro contraiu Covid-19 e ocultou essa informação de quem convive com o chefe de Estado, ele pode ter praticado crime.
No último dia 13, a coluna solicitou à Presidência o acesso aos testes de anticorpos feitos, durante a pandemia, pelo chefe do Executivo federal.
“No tocante à vacina, eu decidi não tomá-la mais. Eu estou vendo novos estudos, eu estou com o meu, a minha imunização está lá em cima, IgG está 991. Para que eu vou tomar uma vacina? Seria a mesma coisa que você jogar na loteria R$ 10 para ganhar R$ 2. Não tem cabimento isso daí”, disse o presidente à rádio Jovem Pan, referindo-se ao exame de anticorpos. O IgG é uma imunoglobulina, isto é, um anticorpo, que é produzido a partir do 14º dia do início dos sintomas da Covid-19.
Com essa declaração, Bolsonaro confirmou que não receberia o imunizante, desrespeitando protocolos básicos de saúde válidos em todo o mundo. Até então, o mandatário afirmava que seria o último brasileiro a ser vacinado contra a doença que matou 608 mil brasileiros até esta quinta-feira (4/11).
Também no dia 13, Bolsonaro havia dito a apoiadores no Palácio da Alvorada: “Eu não tomei vacina, estou com 991 (nível apontado pelo exame). Eu acho que eu peguei de novo (o vírus) e nem fiquei sabendo”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), especialistas e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) rejeitam essa tese de Bolsonaro, que foi acusado de nove crimes pela CPI da Pandemia no mês passado. Em nota técnica emitida em 31 de março, o órgão regulador alertou que testes de Covid-19 não indicam proteção vacinal.
“Não existe, até o momento, a definição da quantidade mínima de anticorpos neutralizantes – que evitam a entrada e a replicação do vírus nas células – para conferir proteção imunológica contra a infecção, reinfecção, formas graves da doença e novas variantes de Sars-CoV-2 em circulação. Por isso, os testes para diagnóstico não podem ser utilizados para determinar proteção vacinal”, escreveu a agência.
“Ainda não há embasamento científico que correlacione a presença de anticorpos contra o Sars-Cov-2 com a proteção à reinfecção”, acrescentou o documento. A entidade também divulgou comunicado sobre o assunto: “Atenção! A Anvisa alerta que os testes para diagnóstico de Covid-19 disponíveis no mercado não devem ser utilizados para atestar o nível de proteção contra o novo coronavírus após a vacinação contra a doença. Isso porque estes testes não têm essa finalidade”.
Em 2021, o Planalto impôs sigilo de 100 anos a documentos em pelo menos outras duas vezes. Foi assim com o cartão de vacinação de Bolsonaro e as idas dos filhos do presidente ao Palácio. O expediente também vem sendo adotado pelo Exército: em junho, a Força decretou o mesmo sigilo máximo ao processo administrativo de Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde e general da reserva que subiu em um palanque político com o presidente e foi absolvido internamente.
Em maio do ano passado, no início da pandemia, o Planalto foi obrigado pelo STF a divulgar os exames de Bolsonaro para a Covid-19. A Câmara também havia determinado a apresentação dos papéis.
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