Para “refundar” o país, grupo quer incluir palavra “amor” na bandeira nacional
Foto: Tiago Soban/Movimento Amor na Bandeira/Divulgação
Amor numa hora dessas? Pois é o que prega um grupo de brasileiros que sonha em modificar a bandeira nacional como primeiro passo para refundar o país e espalhar uma mensagem oposta ao ódio que tem marcado o debate político e dividido a sociedade.
A proposta de substituir a expressão “Ordem e progresso” por “Amor, ordem e progresso”, já discutida em outros momentos, será reapresentada nesta sexta-feira (19), Dia da Bandeira, como parte de um movimento que pretende angariar apoio à causa.
Argumentos teóricos, históricos, culturais e espirituais são usados para defender a ideia, agora encampada por uma turma de cerca de 20 pessoas que busca sensibilizar a opinião pública antes de tentar mobilizar o Congresso Nacional, onde uma alteração deveria ser discutida.
Os responsáveis dizem que a iniciativa é suprapartidária e quer ser o mais ampla possível, mas reforçam críticas ao chamado sequestro dos símbolos nacionais pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) e por apoiadores do presidente, com a apropriação do verde e amarelo e da bandeira.
O grupo de ativistas em prol da reformulação é diverso. Inclui gente próxima a causas sociais, culturais e ambientais, ao terceiro setor e a consultorias de empresas, principalmente de São Paulo. Alguns gravitam em torno de organizações cívicas e têm influência em redes sociais.
Outros foram ligados à ex-presidenciável Marina Silva e à Rede Sustentabilidade, mas o partido não integra a mobilização. Também há ex e atuais filiados de legendas como PV e PSB.
Em um encontro virtual às 19h desta sexta, pela plataforma Zoom, o recém-criado Movimento Amor na Bandeira tratará de tremular uma utopia que já foi abraçada em anos recentes por figuras como o ex-deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), o designer Hans Donner e o cantor Emicida.
Todos partem de uma justificativa concreta: o pensamento do filósofo francês Augusto Comte (1798-1857) que inspirou as palavras escolhidas para a bandeira em 1889, após a Proclamação da República, originalmente mencionava amor, mas a referência acabou cortada.
Do lema positivista “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”, de autoria de Comte, sobraram só as duas últimas concepções. O resgate do amor, na visão dos militantes da campanha, corrigiria um erro histórico e apontaria um novo rumo para o Brasil.
“O país que sonhamos precisa ser orientado pelo ‘amor como princípio'”, afirmam eles em um manifesto que acompanha um abaixo-assinado virtual.
“A negação do amor como princípio nos parece muito simbólica de uma grave lacuna na formação de nossos valores. Não há ordem que faça sentido sem amor, e não é possível fazer progresso com base numa ordem que vem da violência”, continua o texto.
“É verdade que não será uma mudança na bandeira que vai resolver nossos problemas”, pondera o movimento. “Mas a união de um povo em torno de uma causa que apresenta o amor como tema central é certamente um marco para uma gigantesca transformação.”
Segundo Eduardo Rombauer, que se apresenta como facilitador de desenvolvimento humano e é um dos articuladores do Amor na Bandeira, a intenção é provocar a sociedade antes de partir para questões burocráticas, como os trâmites políticos para aprovar uma lei com a mudança.
“O grupo está se formando como desdobramento dos movimentos que existiram no passado. A partir da crise e do que vivemos no 7 de Setembro [com as manifestações de tom golpista capitaneadas por Bolsonaro], sentimos um impulso para discutir esse tema”, diz ele, que já foi da Rede.
Os membros se aproximaram a partir das redes sociais e da identificação com publicações sobre o assunto, conta Rombauer. Um dos que vinham falando da proposta era Ricardo Cury, que é fundador da Abra (Academia Brasileira de Autoconhecimento) e se declara um espiritualista.
Cury postou o texto do manifesto para seus seguidores em setembro. Como forma de protesto político, começou também a promover sessões de meditação com o mote “amor, ordem e progresso”, descritas como uma “experiência transcendental” com o objetivo de “impactar a consciência coletiva”.
De acordo com Rombauer, os participantes são todos voluntários e têm buscado diferentes estratégias para difundirem a necessidade de “se estabelecer o amor como princípio de regeneração do país, já que qualquer trauma só se cura com amor”.
Ele admite, no entanto, que é preciso um trabalho de convencimento para que “as pessoas que acreditam na causa percam o medo de divulgá-la”, seja por receio de aderirem a uma iniciativa coletiva ou de se somarem a algo que pode ser visto como um posicionamento político-eleitoral.
Na visão de Duda Alcântara, integrante do grupo, a recuperação do amor como elemento central pode apontar caminhos no ambiente do poder. “É para botar [o sentimento] na bandeira, mas também nas nossas discussões políticas”, diz ela, filiada ao PSB e ex-dirigente da Rede.
A arquiteta urbanista e ativista social afirma que os elementos que identificam a pátria viraram bode expiatório neste “momento polarizado e de divisão do país”.
“O verde e amarelo passou a ser símbolo de uma só ideologia, e não de todos os brasileiros, e a nossa bandeira foi sequestrada. O que queremos é que ela volte a ser de todos, com um acréscimo fundamental, que é o amor, mostrando que é nesse sentido que devemos caminhar.”
O escritor Gustavo Tanaka, também entusiasta da iniciativa, afirma que qualquer transformação dependerá de ação individual. “Acredito que [resgatar o amor] possa ser a grande missão da atual geração”, diz ele, que trabalha com temas como autoconhecimento e masculinidade.
“A minha expectativa não é mudar a bandeira do Brasil nos próximos dois anos, mas que as pessoas reflitam sobre isso cada vez mais, para mudar a consciência do povo brasileiro. Acredito nessa mudança. Só não sei ainda como será compartilhar essa ideia com pessoas que pensam diferente de mim.”
Detrator de Bolsonaro, Tanaka relata ficar incomodado com a forma como a bandeira é utilizada pelo presidente e seus seguidores. A campanha, afirma o escritor, vem para “despertar uma reação em todos que se sentem assim, para que cada pessoa assimile que esse é um movimento dela”.
Autor de um projeto de lei de 2003 que propôs a adoção do lema “Amor, ordem e progresso”, o ex-deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), hoje vereador no Rio de Janeiro, diz que “só um movimento de fora para dentro do Congresso é que pode fazer uma proposição como essa andar”.
O projeto do ex-petista até tramitou na Câmara dos Deputados, mas, na ausência de pressão externa robusta, acabou emperrando. Na época, o então senador Eduardo Suplicy (PT-SP), atualmente vereador em São Paulo, engrossou o apoio à medida e dedicou discursos ao tema —sem sucesso.
Alencar ainda conseguiu o desarquivamento do projeto em três ocasiões (2007, 2011 e 2015). Novamente, o texto não foi adiante.
“A discussão sempre travava, e a razão era a mais pragmática possível: diziam que daria muito trabalho acrescentar uma palavra, ainda que de quatro letrinhas apenas. Que teria que trocar muitas bandeiras país afora, gastar dinheiro”, lembra ele, que vê como positiva a nova articulação pela mudança.
“É importante que seja algo suprapartidário, um querer da sociedade. Meu texto está lá e pode ser desengavetado. Nesta quadra de tanto ódio e intolerância que atravessamos, isso no mínimo daria um debate interessante. A ordem sem amor é opressiva, e o progresso sem amor é excludente.”
A proposta de readequação da bandeira também ganhou visibilidade em 2017, graças a Hans Donner, o artista que por décadas assinou a identidade visual da TV Globo. Ele endossou a inclusão da palavra “amor” e mostrou um protótipo com o uso de tons de verde e amarelo em degradê.
O lançamento foi no Fórum do Amanhã, evento em Tiradentes (MG) que tinha Rombauer como um dos organizadores. A campanha de Donner não prosperou, apesar da repercussão na época —a cantora Anitta, ao comentar o tópico, disse que só o vocábulo “amor” já seria mais que suficiente na bandeira.
Recentemente, Emicida tem falado em defesa da intervenção no pavilhão nacional. “Acredito que o amor precisa voltar para o centro da bandeira nacional. Essa é nossa urgência número um. Estamos aqui por causa do ódio e todas as pontes que ele destrói”, disse ele em junho à revista Marie Claire.
Em julho, o rapper —que será convidado pelo Amor na Bandeira para ajudar a divulgar o movimento— afirmou ao Podpah Podcast: “A gente chegou no lugar aonde chegou por um triunfo do ódio, tá ligado? Ódio, separatismo, pensamento fascista. Qual é o antídoto para o ódio? É o amor”.
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