Possível novo presidente do Chile é cópia de Bolsonaro
Foto: Pablo Sanhueza
Não é sem motivo que o líder da ultradireita José Antonio Kast é chamado de “Bolsonaro chileno” por boa parte da mídia e de analistas políticos em seu país. Também não seria inadequado se Jair Bolsonaro fosse denominado o “Kast brasileiro”. Os dois são almas gêmeas, espelho ideológico um do outro. Ambos totalitários. Kast vai para o segundo turno da eleição presidencial no Chile com pouco mais de dois pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado, o esquerdista Gabriel Boric. Apesar de a diferença ser exígua, o representante da extrema direita já é, no entanto, praticamente tido como vencedor, uma vez que Boric – também extremista, pelo pólo oposto, e xérox na vocação ditatorial – dificilmente conseguirá conquistar eleitores de centro que se abstiveram no primeiro escrutínio. Nesse ritmo, o “Bolsonaro chileno” deverá se tornar mesmo ser o mais alto mandatário, rompendo o mainstream que governou os chilenos desde a redemocratização do país, em 1990.
Se houve redemocratização, então é porque existiu um regime não democrático anterior — a inferência é lógica. E assim foi, ao longo de dezessete anos, desde 11 de setembro de 1973 quando o então general-chefe do Exército, Augusto Pinochet, liderou um golpe de Estado contra o presidente legitimamente eleito, Salvador Allende, morto no bombardeio do Palácio de La Moneda. A ditadura instaurada por Pinochet foi uma das mais brutais na história da humanidade, mas Kast dele se orgulha: “se Pinochet estivesse vivo, votaria em mim”. Eis importante e perigoso ponto de aproximação com Bolsonaro, que também elogia Pinochet, e, igualmente, é nostálgico do golpe militar dado no Brasil em março de 1964, apeando do poder o presidente civil João Goulart. No Chile, estima-se que cerca de quatro mil opositores do regime tenham sido assassinados e pelo menos quarenta mil pessoas sofreram em sessões de torturas. O guitarrista, compositor e cantor Vitor Jara, ídolo mundial, teve as mãos massacradas a coronhadas antes de ser assassinado. No Brasil nada foi diferente, e é bom, no que tange ao nosso País, que também se individualize um caso para que ninguém se iluda com o capitão do Planalto. Uma jovem, chamada Aurora, que se opunha à ditadura, teve o crânio esmigalhado por uma “coroa de ferro” nas dependências de órgão da repressão, que em determinado período foi comandado pelo torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem Bolsonaro tece loas. Como se pode notar, não sem razão falou-se que Bolsonaro e Kast enxergam-se, reciprocamente, um refletido no outro. Quem minimamente conviveu com os dois, diz que são desprovidos do sentimento de empatia.
O candidato Kast concentra seu eleitorado na faixa etária mais avançada, de bom poder aquisitivo, contrária às manifestações populares de 2019 e que torce o nariz à nova constituição que está sendo escrita para enterrar a dos tempos da ditadura. Fica explicado, assim, porque ele fez questão de encerrar a sua campanha com discurso exaltando Pinochet. Estiveram no ato, também, muitos jovens com bonés nos quais se lia o nome de Donald Trump, grande ídolo do bolsonarismo. Kast viu-se longamente aplaudido ao falar bem da ditadura, e tais aplausos lançam ao ar da história uma questão: o que pretende essa gente que bate palmas? Quer ver outro Vitor Jara? Quer ver outra Aurora? Essa equação é bastante intrincada sociologicamente, e simplificá-la só beneficia aqueles que jamais devem ser beneficiados, ou seja, os radicais. A democracia liberal, passo a passo, foi-se firmando em diversas nações após o final da “guerra fria”. Em algumas ela começou acertando, em outras, não. Isso é historicamente compreensível, principalmente onde não houve tempo para dar à população aquilo que prometera — o que não quer dizer, em hipótese alguma, que a extrema direita, a direita, a esquerda e a extrema esquerda sejam capazes de dar alguma coisa de bom. Nada disso! Nem significa que se deva abrir mão da democracia.
Ocorre atualmente o fenômeno que o sociólogo norte-americano Larry Diamond denominou “recessão democrática”. Aos poucos, a democracia liberal foi sendo vitimada pelos discursos populistas dos demagógicos salvadores da pátria. José Antonio Kast e Jair Bolsonaro, Viktor Orbán, Aleksandr Lukashenko e Donald Trump são algumas personificações de tal populismo. Já que Bolsonaro e Kast possuem tantas afinidades, a essa altura é natural uma pergunta: foram eles apresentados pessoalmente? Sim. Kast veio ao Brasil para visitar o capitão em 2018, e as famílias tornaram-se amigas. Na época, ele presenteou Bolsonaro com o livro “El Ladrillo”, base da política econômica ensinada nas faculdades chilenas no regime ditatorial. Bolsonaro não é chegado à leitura. Preferiu a camisa da seleção de futebol chilena, que ele também ganhou.
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