União Europeia pode de deixar de comprar carne e soja de desmatadores
Foto: Anthony Wallace/AFP
A Comissão Europeia propôs nesta quarta (17) proibir a importação de produtos do agronegócio considerados fortemente ligados ao desmatamento e à degradação florestal, entre eles algumas das commodities mais exportadas pelo Brasil, como soja e carne bovina.
A regra abrange inclusive o corte de árvores considerado legal na legislação do país de origem dos produtos. De acordo com a Comissão, isso se deve ao fato de que o desmatamento ilegal foi superado pela expansão de áreas agrícolas como a principal causa da destruição de florestas.
A União Europeia também teme que, ao fazer uma distinção entre o que é legal e ilegal, produza um incentivo perverso: o de levar países a alterarem suas legislações para ampliar a definição do que é desmatamento legal.
O texto deve entrar em conflito com o Código Florestal brasileiro, considerado um dos mais avançados internacionalmente, que estipula limites de reserva obrigatória em cada região.
Na Amazônia Legal, propriedades localizadas em áreas de florestas podem desmatar 20% da área; no cerrado, 75%, e em campos, 80%.
“O comércio internacional precisa seguir acordos internacionais e respeitar leis nacionais. O problema é que a falta de credibilidade do Brasil acaba abrindo brechas para avanços que podem ser protecionistas”, diz o ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura, Pedro de Camargo Neto.
Camargo Neto, que presidiu a Abipecs (associação da indústria produtora e exportadora de carne suína) e é agricultor e pecuarista, diz que os grandes exportadores brasileiros de carne e soja, entre outros, já rastreiam e certificam o que vendem na Europa.
Durante a COP26, que terminou no último sábado (13) em Glasgow, Muni Lourenço, presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), afirmou que apenas 2% dos produtores cadastrados pelo governo brasileiro desrespeitaram o Código Florestal.
A imagem brasileira, porém, é afetada pelo atraso na validação dos cadastros de produtor rurais (CAR), a leniência com grileiros de terras públicas, a fiscalização ambiental deficiente por parte da União e de alguns estados e a proteção de unidades de conservação e reservas indígenas, diz Camargo Neto.
Para a advogada Vera Kanas, sócia nas áreas de comércio internacional e agronegócios do escritório TozziniFreire, ao excluir a exigência de que o desmatamento seja ilegal a União Europeia torna a medida restritiva ao comércio mais fácil de aplicar.
“Se restringisse ao desmatamento ilegal, alguém teria que definir o que é “ilegal”. E o que fazer, por exemplo, com relação ao cacau colhido em área sobre a qual há discussão judicial, no Brasil, relacionada à legalidade do desmatamento?”, exemplifica.
Segundo Vera Kanas, medidas comerciais que discriminam países têm maior potencial de violação das regras da OMC (Organziação Mundial do Comérico). Já cirtérios em termos de produtos ou situações podem ser adotados “desde que sejam objetivos, flexíveis e proporcionais aos objetivos ambientais pretendidos”.
O projeto recém-apresentado fala em florestas e exclui áreas inundadas, como o Pantanal brasileiro, mas a Comissão afirma que a definição do que será considerado desmatamento será suficiente para proteger dois terços do que ainda resta de vegetação nativa no cerrado do país.
Além de soja e carne, a proposta se refere a óleo de palma, madeira, cacau e café, e produtos derivados, como móveis e couro. A lista pode ser ampliada no futuro para incluir, por exemplo, a borracha, segundo o comissário responsável por Ambiente, Oceanos e Pesca, Virginijus Sinkevicius .
O texto ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu (que reúne os líderes dos 27 membros), mas a tendência é que seja bem recebido.
O Parlamento Europeu já indicou que o projeto era prioritário e pode pressionar por regras mais duras. No caso dos Estados-membros, a proposta deve ser empurrada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que assume em janeiro a presidência rotativa do Conselho da UE.
A partir da aprovação, empresas e Estados-membros terão um ano para criar as estruturas necessárias para implementá-lo. Independentemente desse prazo, a data a partir do qual será contado o desmatamento é 31 de dezembro de 2020: ou seja, as empresas de comércio exterior terão que provar que as commodities e produtos não estão ligados a terras desmatadas ou degradadas a partir do começo deste ano.
A Comissão afirma que não haverá proibição de qualquer país ou mercadoria. “Os produtores sustentáveis continuarão a conseguir vender os seus produtos para a UE.”
Os países ou regiões serão classificados como de risco baixo, padrão ou alto de produzir commodities ou produtos ligados ao desmatamento ou em desacordo com a legislação do país produtor, o que elevará o controle.
O Parlamento Europeu havia solicitado à Comissão que incluísse nas condições que levam à proibição das importações o respeito aos direitos humanos e às terras indígenas. Segundo a Comissão, o fato de que os produtos precisam respeitar as leis nacionais deve cumprir em parte esse papel.
De acordo com a justificativa do projeto, a expansão de terras agrícolas destinadas a produzir commodities que a União Europeia importa é hoje o principal motor do desmatamento e da degradação florestal.
Segundo a FAO (agência das Nações Unidas para alimentação e agricultura), 420 milhões de hectares de floresta, uma área maior do que a União Europeia, foram desmatados entre 1990 e 2020.
Quando descontada a área de reflorestamento ou regeneração florestal, a perda foi de 178 milhões de hectares, ou três vezes a superfície da França.
“A UE é parcialmente responsável por esse problema, e quer responder ao forte apelo dos cidadãos europeus para liderar o caminho para resolvê-lo”, afirmou a Comissão. Em consulta pública, a proposta foi aprovada por 1,2 milhão de pessoas.
O vice-presidente executivo do Green Deal europeu, Frans Timmermans, disse que as novas regras atendem a uma preocupação dos europeus para promover o “consumo sustentável”.
A defesa do ambiente e a crise climática é considerada uma das questões mais importantes pelos europeus, segundo a mais recente pesquisa Eurobarómetro, divulgada no semestre passado.
A proposta prevê que o combate ao desmatamento, com multas às companhias que desrespeitarem a proibição, será acompanhado de incentivos aos produtores para que preservem florestas intactas.
O desmatamento é no Brasil a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa (que causam aquecimento global): responde por 55% do problema.
O setor agropecuário costuma argumentar que mais de 90% da destruição florestal é provocada por atividades ilegais, mas a decisão da UE de incluir qualquer desmatamento em suas novas regras pode ser um complicador.
A proposta da Comissão estabelece regras de “due diligence” (auditoria), pelas quais exportadores dos produtos com risco de ligação com desmatamento e degradação florestal devem garantir que eles são livres de desmatamento e legais (de acordo com as leis do país de origem) sejam permitidos no mercado da UE.
As empresas de comércio exterior serão obrigadas a coletar as coordenadas geográficas do terreno onde as mercadorias que colocam no mercado foram produzidas.
Essa rastreabilidade estrita visa garantir que a fiscalização de cada país da UE seja capaz de controlar que apenas produtos livres de desmatamento entrem no mercado comum europeu.
A lista de garantias e a rigidez da fiscalização vão variar de acordo com o risco do país ou região de origem.
As empresas terão de apresentar uma declaração a um sistema de informação europeu confirmando que exerceram com êxito a fiscalização/auditoria e que os produtos que colocam no mercado cumprem as regras da UE.
A declaração também fornecerá informações essenciais para o monitoramento, ou seja, as coordenadas geográficas da fazenda ou plantação onde as commodities foram cultivadas.
O não cumprimento de qualquer um dos dois requisitos resultará na proibição de colocar esses produtos no mercado da UE.
Além da proposta para desmatamento, a Comissão apresentou regras para transporte de resíduos e para uso do solo na UE.
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