Bolsonaro põe servidores públicos em pé-de-guerra

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Foto: Isac Nóbrega/PR

Ao assegurar o reajuste de R$ 1,9 bilhão aos policiais federais no Orçamento de 2022, o presidente Jair Bolsonaro agradou uma parcela importante de seu eleitorado, particularmente os 45 mil servidores que integram a corporação. Em compensação, o gesto provocou a ira de diversas outras categorias de servidores, que também cobram reajustes.

Também integrantes da elite do funcionalismo público, auditores da Receita Federal começaram a entregar cargos de chefia assim que o Orçamento do próximo ano foi aprovado. Era uma reação aos cortes orçamentários estabelecidos no Fisco.

A categoria também promete paralisar os trabalhos. Uma assembleia está prevista para hoje. De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita (Sindifisco Nacional), mais de 500 auditores pediram desligamento de funções, entre delegados, chefes de divisão, chefes de equipes e substitutos e servidores da fiscalização e gestão de crédito tributário.

O presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, destaca que a Receita sofre com cortes orçamentários há anos, mas que a situação se intensificou durante o governo Bolsonaro. “O ministro Paulo Guedes dá os parabéns e só. E, agora, estamos em um momento mais agudo. Acho que é um combo de ingredientes que acabaram por incendiar a Receita Federal”, disse ao Correio.

“Grave demais”
O mais recente acordo salarial da Receita data de cinco anos, e o último reajuste ocorreu em 2019. O órgão também está sem concurso desde 2014. Segundo Cabral, a gota d’água foi excluir os auditores para beneficiar os policiais. “O ingrediente que apimentou e mexeu com os brios de todo mundo aqui é que esse corte de orçamento foi feito para propiciar o reajuste da segurança”, afirma.

“Ninguém é contra a valorização da carreira A ou B, mas cortar o recurso de funcionamento do órgão que arrecada para viabilizar o reajuste isoladamente de um outro cargo foi algo grave demais”, pondera.

Em resposta às críticas, os servidores da segurança listam suas necessidades. O diretor da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (Fenaprf), Raphael Casotti, cobra demandas da classe em busca de reestruturação. “Temos lutado há muito tempo pela reestruturação da carreira. É uma melhor definição das atribuições, uma construção de uma carreira mais forte”, destacou.

“Tivemos uma sinalização pública do presidente da República de que esse pedido seria atendido, mas não temos ainda nem um projeto de lei ou medida provisória. Nada concreto. Estamos, ainda, no aguardo”, complementou.

Servidores de órgãos como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); Fundação Nacional do Índio (Funai); Agência Brasileira de Inteligência (Abin); além de carreiras médicas e ligadas à Previdência, também cobram reajustes.

Campanha
Além de incluir o reajuste dos servidores no Orçamento de 2022, o presidente tenta garantir que pautas ligadas aos militares sejam aprovadas. No início do mês, deputados aliados se articularam para impor regime de urgência ao projeto que cria a Lei Orgânica das Polícias Militares.

O professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fábio de Sá e Silva explica que os gestos do governo representam a tentativa de cooptar uma instituição que poderá agir politicamente contra adversários de Bolsonaro nas urnas. “O presidente faz por uma mistura de retórica, celebrando policiais como heróis na luta contra o crime, e por meio de políticas, como quando criou linha de crédito imobiliário especial para esse segmento”, aponta.

“O resultado é que, segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não apenas o bolsonarismo é hegemônico entre policiais, mas cerca de 20% desses chegam a apoiar Bolsonaro em suas proposições mais radicais, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF)”, observa Silva.

Entrevista com o deputado Professor Israel: “É uma medida desesperada”

Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil), o deputado Professor Israel Batista (PV-DF) avalia que os pedidos de exoneração de centenas de ocupantes de cargos de confiança da Receita Federal são apenas uma das várias crises que o Planalto deve enfrentar por ter privilegiado os policiais federais com reajustes de salários. Leia trechos da entrevista ao Correio.

Qual sua opinião sobre a opção do governo de conceder reajuste apenas a policiais federais?
O governo faz um aceno a uma base de apoio no serviço público, que é a base da segurança pública. Ele vinha perdendo o apoio dessa base, e agora ele tenta reconquistar de qualquer forma, aprofundando a ruptura que outras categorias do serviço público estão tendo com o governo. É uma medida desesperada, é uma tentativa de manter a base da segurança pública ao lado do governo, mas demonstra um imenso desprezo pelo serviço público de uma maneira geral.

Por quê?
Várias categorias estão com os salários congelados há muito tempo; têm sofrido um conjunto de assédios morais por parte do governo. Nós temos essas demissões dos servidores da Receita, com pedidos de exoneração de cargos de confiança. Mas é preciso lembrar que, nos últimos dois meses, isso se tornou uma constante.

Quais são os outros exemplos?
Só para citar alguns exemplos, é bom lembrar do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), é bom lembrar da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); é bom lembrar, agora, do papel de resistência que os servidores da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tiveram que fazer em relação ao governo, então nós estamos muito preocupados com a forma de atuação do governo. Eles não deveriam prestigiar uma categoria em detrimento de outras.

O que seria mais correto?
Deveria haver a apresentação de uma política governamental de preservação do poder de compra dos salários dos servidores. É isso que nós, como Servir Brasil, defendemos. Essa política tem que ser publicizada e discutida com a sociedade.

O reajuste é mais uma iniciativa do presidente para interferir politicamente na Polícia Federal?
Primeiro, é importante dizer que o interesse eleitoral é evidente, apesar de representar uma face do serviço público, e tem um impacto na formação de opinião dos servidores da segurança pública. Então, não é de se descartar. O interesse eleitoral está no campo de pessoas que lidam com a área de segurança pública. E quando qualquer parte da segurança pública é atingida, beneficia uma narrativa de defesa do presidente em relação a essa área, especificamente. Agora, esse ponto que você traz tem sido muito discutido no Congresso.

Quais foram os impactos na PF?
As intervenções do presidente na Polícia Federal causaram um impacto negativo nas associações de representação da Polícia Federal, entre delegados e agentes. Causaram impacto negativo nos policiais e delegados mais experientes, pois há uma sensação de que foram alijados das funções de confiança, em favor de delegados e policiais menos experientes, mas que tinham vínculo com a família do presidente. Esse aumento (salarial) seria uma forma de, desculpa o termo, de limpar a barra. Há dois grupos da PF que permanecem insatisfeitos: as associações representativas, e eu acho que o presidente faz um aceno para elas, e os agentes e delegados mais experientes.

Acha que 2022 será um ano de crises entre o governo e os servidores públicos?
Certamente que sim. Nós, da frente do serviço público, do Servir Brasil, vamos arguir os candidatos à presidência pedindo a eles que apresentem à sociedade seus planos para a preservação do poder de compra. Mesmo que não haja um aumento para as categorias, elas querem uma maior clareza sobre a política salarial do governo em relação ao serviço público.

Em suma: os servidores querem uma satisfação.
Queremos planejamento, queremos capacidade de programação, previsibilidade, e queremos que o governo dê uma resposta às diversas categorias do serviço público diante do fato de que o Brasil vive um processo inflacionário muito grave.

A opção do governo de privilegiar apenas uma categoria de servidores enfraquece a proposta de reforma administrativa?
A proposta de reforma administrativa se enfraqueceu profundamente por causa da inconsistência do texto apresentado pelo governo. É óbvio que, quando o governo faz um aceno para uma categoria e, simplesmente, ignora as demandas de outras categorias, ajuda a galvanizar um movimento de rejeição a qualquer proposta que advenha deste governo. Certamente, o próximo ano, se o governo continuar agindo dessa forma, vai ser um ano de mobilização das categorias e de união das categorias que não são beneficiadas por esse aceno contra as propostas e contra o próprio governo, é importante lembrar.

Correio Braziliense

 

 

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