Corte anticorrupção proposta por Moro é inconstitucional e politizada
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
A criação de uma corte nacional anticorrupção, proposta pelo ex-ministro e presidenciável Sergio Moro (Podemos) no final de semana, não tem previsão constitucional, segundo juristas ouvidos pelo UOL. Para eles, não cabe ao Executivo sugerir a formação de novos tribunais e a ideia teria viés político.
À reportagem, especialistas em direito constitucional criticam que a medida não é prioridade no Brasil hoje e que a criação de uma nova corte seria desnecessária. Já Moro diz que a proposta seria “construída com a sociedade”.
Em entrevista ao Correio Braziliense neste final de semana, o ex-juiz da Lava Jato sugeriu, ainda de forma embrionária, a criação de um novo tribunal federal, com os recursos já existentes no Judiciário, para “aprimorar o combate à corrupção”.
“A ideia é utilizar as estruturas já existentes e atrair para a corte nacional anticorrupção os melhores servidores e os melhores magistrados do Judiciário, por meio de um processo seletivo que leve em conta, com procedimentos de devida diligência, não só a integridade dessas pessoas, mas também o comprometimento com o combate à corrupção”, disse o ex-ministro de Justiça e Segurança Pública.
Novo tribunal é desnecessário e inconstitucional
Juristas ouvidos pelo UOL dizem que a proposta teria de ser melhor explicada, mas, superficialmente, não só não veem a necessidade da criação de um novo tribunal nacional como explicam que, com os dispositivos atuais, é um projeto inconstitucional, que não cabe do Executivo propor.
O Judiciário já é preparado para julgar casos de corrupção. Leis contra a corrupção já existem e já vigoram. Não vejo necessidade de um novo tribunal, a estrutura atual já é capaz de aplicar essas leis. Por isso, me aarece uma ideia arriscada e descabida. Não tem previsão na Constituição.”
Flávio de Leão Bastos, professor de Direito Constitucional do Mackenzie
Na visão dele, o Judiciário “pode e deve ser melhorado sempre”, mas “não é criando um novo tribunal que isso vai ser resolvido”.
“Há poucos juízes para muitos processos, temos outras prioridades no país. O povo brasileiro tem outras demandas mais urgentes. Quando ele fala num tribunal novo, por esta perspectiva, ao meu ver, incorre na inconstitucionalidade”, diz Bastos.
Sylvia Steiner, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional e pesquisadora sênior da Escola de Direito da FGV-SP, concorda. Para ela, a proposta é “inconstitucional, eleitoreira e sem sentido”.
Se é para criar tribunais especiais para crimes graves, vamos criar para violência policial, feminicídio, latrocínios, estupros, etc? É uma proposta inconstitucional, eleitoreira e oportunista. Simples assim.”
Sylvia Steiner, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional
Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional e coordenador do projeto “Supremo em Pauta” da FGV-SP, diz que, dessa forma genérica, é difícil cravar a constitucionalidade, mas levanta duas hipóteses: ou Moro se referiu à criação de uma nova Vara, como da Família, o que seria mais simples, ou pensa num novo tribunal federal, com maior risco de inconstitucionalidade.
Nos dois casos, no entanto, destaca o especialista, não cabe ao Executivo fazer esta proposta.
“Pode ser uma simples Vara especializada na Justiça Federal, como tem de Família ou de Falência. Mas, mesmo assim, esbarra em problemas de operacionalização. Essas são normas e iniciativas que têm de vir do próprio Judiciário, não do Executivo. Não depende dele”, afirma Glezer.
Em caso da criação de um novo Tribunal Federal, seria preciso recorrer ainda ao Congresso, por meio da aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional). Além disso, a forma de escolha proposta pelo ex-ministro, com um processo seletivo à parte, que esbarre na “integridade do magistrado”, também enfrentaria problemas legais, segundo Glezer.
Para ter um processo seletivo para essas varas precisaria haver uma modificação na Constituição, porque a regra geral é o concurso público. Há regras ali de distribuição de vaga para evitar, também, uma violação do princípio do Juízo Natural. Ninguém escolhe quem é o juiz que vai julgar seu caso e o juiz não escolhe quem ele vai julgar. Compatibilizar algo assim não é trivial, simples.”
Rubens Glezer, constitucionalista da FGV-SP
Bastos aponta ainda que a forma de escolha proposta por Moro, ainda não muito bem explicada, poderia incorrer em um “tribunal político”.
“Há esse risco. Quando ele fala em atrair os melhores quadros, atrair como? Não tem como garantir ao longo dos anos que os mesmos vícios que temos hoje, por parte de uma minoria [desqualificada]. A maioria do Judiciário já é completamente qualificado. Por isso, vejo como uma proposta desarrazoada e fora de contexto das necessidades do povo brasileiro”, avalia o constitucionalista do Mackenzie.
Proposta seria construída com a sociedade, diz Moro
Ao UOL, Moro não detalhou mais a proposta, mas defendeu que a questão de verificar a “integridade do magistrado” tem base em “modelos já testados e recomendados por organizações internacionais” e que a proposta será “construída com a sociedade”.
“Due diligence [diligência prévia] de integridade não é uma questão subjetiva, pois verifica-se o histórico profissional, a existência de processos e o compromisso com questões jurídicas relevantes para o combate à corrupção”, declarou o ex-ministro, por mensagem de texto, via assessoria.
Ex-juiz da Lava Jato, o combate à corrupção tem sido a principal bandeira da sua pré-campanha desde que se filiou ao Podemos, no mês passado, e lançou sua candidatura ao Planalto.
“A proposta será construída com diálogo com a sociedade e com os três Poderes. Não haverá inconstitucionalidade”, afirmou o presidenciável.
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