Diretor-geral da PF finge ser apartidário
Foto: Reprodução
Sob pressão e suspeita de ingerência política nas trocas de delegados de cargos-chave, o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino disse ao Estadão que a PF “não pode ser envolvida na disputa política, eleitoral e ideológica, pois é uma instituição de Estado, não de governo, respeitada e admirada pela sociedade”.
O presidente Jair Bolsonaro já é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por interferência política na PF, depois da denúncia do então ministro da Justiça Sérgio Moro, e da decisão de Bolsonaro de demitir o diretor-geral à época, Maurício Valeixo. Maiurino, porém, garante: “O presidente nunca me pediu nada e não interferiu em nada, muito menos em processos de investigação”.
E o diretor insiste: “Desafio qualquer delegado a dizer e a provar que, na minha gestão, algum deles recebeu orientação para agir de uma forma ou de outra numa investigação, para proteger ou perseguir alguém. Isso seria um absurdo, um crime grave”.
“Meu partido é o Brasil. Sou um democrata, defendo o Brasil e sou fiel ao meu pai, que teve destaque como policial militar e é um exemplo na minha vida”, disse Maiurino. Ele argumenta que a PF “não pode falhar, porque isso desacreditaria o sistema persecutório brasileiro”.
Maiurino defende que as investigações sejam “silenciosas, criteriosas, eficientes, eficazes, para produzir provas robustas para o Judiciário poder condenar os culpados”. E critica o excesso de exposição: “Policial não pode usar a imprensa para virar celebridade, isso contamina a investigação e gera impunidade”.
Apesar da contundência do diretor-geral, a PF vem sendo mais e mais suspeita de promover mudanças em superintendências, diretorias e quadros-chave, curiosamente atingindo delegados que atuavam de alguma forma em ações e operações envolvendo personagens próximas a Bolsonaro, sejam familiares, parlamentares ou blogueiros.
Conforme mostrou o Estadão, desde o início do governo foram pelo menos 20 trocas polêmicas.
Já caíram, por exemplo, três mulheres que chegaram perto do processo de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que está nos Estados Unidos com visto vencido e é acusado de usar as redes sociais para atacar a Constituição, os Poderes constituídos e a democracia. A extradição foi pedida pela própria PF e autorizada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
São elas: Silvia Amélia Oliveira, do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), e Georgia Diogo, assistente internacional, ambas do Ministério da Justiça, e Dominique de Castro, da Interpol.
A conclusão em Brasília é de que não se trata de pura coincidência, mas a cúpula da PF tem reagido dizendo que Silvia Amélia é delegada cedida ao Ministério e, portanto, subordinada ao ministro Anderson Torres, ele próprio delegado federal de carreira; Georgia tinha função administrativa no ministério e não é sequer da PF; já Dominique não tem cargo comissionado nem poder de mando.
Segundo a PF, Dominique tinha função burocrática, e quem encaminhou oficialmente o pedido de extradição de Allan dos Santos foi o chefe da Interpol Brasil, delegado Rodrigo Carnevalle, até porque “decisão judicial não se discute, se cumpre”. Logo, não haveria sentido em afastá-la por causa de Allan dos Santos. Ela, porém, enviou mensagem aos colegas dizendo se sentir “injustiçada”.
A fila de delegados alvos da “nova PF” é grande e tem até “curiosidades”. O delegado Antônio Marcos Lourenço foi afastado do Comando de Operações Táticas da PF, a unidade de elite, ou o “BOPE da PF”, depois de ser responsável pela segurança do Supremo no tenso 7 de Setembro deste ano, quando se temia até a invasão da corte por bolsonaristas.
Entre os colegas, conta-se que Bolsonaro perguntou quem era o responsável pelo STF e, quando responderam que se tratava de Lourenço, o mandatário não gostou. O delegado foi o primeiro chefe da sua segurança na campanha de 2018 e gritou com agentes que permitiram que o então candidato pusesse cabeça e tronco para fora do carro, o que é temerário e irregular. Bolsonaro desautorizou a bronca e disse que só ele decidia o que fazia.
O delegado Alexandre Saraiva caiu no Amazonas ao investigar o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por… crimes ambientais. Carla Patrícia foi afastada em Pernambuco após investigação atingindo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).
Denis Calli caiu um mês e meio depois de assumir a Superintendência de São Paulo. Ricardo Saadi foi alvo do boato de que investigava o deputado Hélio Negrão (PSL-RJ), próximo de Bolsonaro. Não era verdade, mas ele caiu da Superintendência do Rio. No DF, Hugo Barros, muito respeitado, foi trocado por Vitor Cesar dos Santos, muito polêmico. Ele é do Rio, onde Bolsonaro faz política.
O delegado Felipe Leal incluiu o próprio diretor-geral nas investigações sobre a interferência política na PF. Confrontado com a situação, Alexandre de Moraes apoiou Maiurino e afastou Leal, mas acaba de trancar o processo contra ele por “abuso de poder”. Sempre acusado de “radicalizar”, o ministro decidiu “maneirar” nesse caso.
E, por fim, Fernando Moraes Chuy caiu da Divisão Antiterrorismo, depois de dizer, na Câmara, que a nova lei sobre terrorismo, se aprovada, poderá ser usada contra entidades e movimentos sociais. A proposta é do líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), que não dá um passo sem aval do presidente. Na versão da PF, porém, Chuy caiu por “divergências com o chefe imediato”.
A cúpula da PF nega qualquer influência política nessas mexidas e alega que toda corporação promove alterações de equipe rotineiramente, destacando, inclusive, que é normal o diretor-geral, como qualquer pessoa em posição de comando, optar por trabalhar com profissionais que já conhece e com quem tem afinidade.
Alastra-se a percepção, porém, de que essa dança de cadeiras tem menos a ver com Maiurino e mais com Bolsonaro e Anderson Torres, o ministro da Justiça. Há boatos, inclusive, sobre a queda do próprio Maiurino, porque o presidente nunca engoliu a decisão do Supremo de impedir a posse na PF do delegado Alexandre Ramagem, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Maiurino é o quarto diretor-geral da PF no governo Bolsonaro.
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