Ex-prefeito emedebista afronta famílias das vítimas da Boate Kiss
Foto: Juliano Verardi/TJ-RS/Divulgação
Familiares e sobreviventes da tragédia na boate Kiss abandonaram hoje a plateia do Tribunal do Júri após declarações do ex-prefeito de Santa Maria Cezar Schirmer (MDB), que atualmente ocupa o cargo de secretário de Planejamento e de Assuntos Extraordinários na Prefeitura de Porto Alegre.
Ele é a 25ª pessoa a ser ouvida no julgamento, em andamento há oito dias na capital gaúcha.
No depoimento, o político desqualificou a investigação da Polícia Civil.
“O inquérito foi feito pela imprensa. Não foi feita uma investigação sóbria, discreta, respeitosa com as famílias. Parecia que era um desejo de envolver a prefeitura de qualquer forma e eu me refiro só à prefeitura, não quero falar de outras questões ou de outras naturezas. De muitos pontos de vista essa investigação foi medíocre e espetaculosa. (…) Um inquérito quando morre uma pessoa, quando é assassinado alguém, leva seis meses, em torno disso, um pouco mais, um pouco menos. Esse inquérito levou 55 dias.”
O ex-prefeito disse que cerca de 150 servidores da prefeitura foram chamados para depor e que foram tratados com “imenso desrespeito e grosseria”, além de reclamações de truculência policial.
Acho que faltou coragem, isenção, respeitabilidade, competência aos responsáveis pelo inquérito, fizeram inquérito movido pelo noticiário da imprensa e de outras circunstâncias de natureza política. O inquérito é muito ruim, doutor. Desculpe fazer essa afirmação.” Cezar Schirmer, ex-prefeito de Santa Maria
Os familiares e sobreviventes começaram a sair da sala após o político dizer que a prefeitura não tinha responsabilidade na tragédia, o que já havia sido dito por Schirmer minutos antes.
“Havia um esforço desde o começo no sentido de ‘falta mais gente no julgamento’, isso eu ouvi até semana passada, várias vezes. Isso era uma narrativa para responsabilizar 50, 30, 20 para reduzir a responsabilidade individual desse ou daquele, óbvio. Eu compreendo, como advogado, eu sou bacharel em direito, que é uma estratégia de defesa. Eu respeito, é o direito do defensor, não estou criticando o advogado, estou só dizendo que essa foi a narrativa criada desde o começo, e desde o começo eu ouço insinuações que eu deveria estar aqui não como testemunha, mas como réu.”
“Eu não fiz nada doutor, nada, nada, nada, absolutamente nada doutor que pudesse comprometer a mim e nenhum servidor da prefeitura agiu de tal forma que tenha contribuído para o que aconteceu naquela noite, que foi um incêndio, apenas isso, com vítimas fatais e eu lastimo tudo muito que ocorreu. Até hoje isso me entristece muito”, complementou Schirmer.
Cerca de 15 pessoas deixaram a plateia do júri. No grupo estava Yara Rosa, que perdeu o filho na tragédia. Nas mãos, ela carregava uma estátua de Nossa Senhora Aparecida. “Os nossos delegados, as pessoas de Santa Maria, eles deram o sangue para fazer, as provas, todas, todas, e ele agora está desmentindo. Não existe essa possibilidade. Nós tivemos muito mais apoio da polícia do que da prefeitura. Fui até Brasília, onde pais foram e nunca tivemos apoio.”
Em coletiva de imprensa, o primeiro presidente da AVTSM (Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria) Adherbal Ferreira também criticou as declarações de Schirmer.
O inquérito, que ele se referiu que foi inquérito muito rápido, mas ele teve muita consistência sim, apontou todos aqueles que, de alguma forma, tinha alguma ligação, alguma responsabilidade. Agora, na hora de responder, todo mundo é inocente, ninguém tinha nada a ver. O prefeito está tentando mais uma vez abraçar os funcionários públicos e isso é muito ofensivo para nós.” Adherbal Ferreira, presidente de associação de vítimas
Já o diretor jurídico da associação, Paulo Carvalho, salientou que laudo de um arquiteto, feito em 2009, não recomendava o funcionamento da Kiss.
“Esse laudo está no inquérito, foi entregue, deveria ser entregue, não importa, diretamente ao prefeito e ao comandante do Corpo de Bombeiros. Se eles não viram, é um laudo que deveria preservar vidas. Se ele não leu, ele se omitiu. E, se leu, ele prevaricou, porque ele deveria ter tomado atitude. É isso só que nós queremos. Agora que fossem julgados, que fossem levados por improbidade administrativa”, disse.
“Agora vem aqui falar isso para os familiares e colocar de medíocre o que foi feito, ofendendo aos policiais e de uma certa forma ofendendo os familiares. Isso é técnico, não é campanha de ódio, da mídia, a mídia reportou o que estava lá.”
Quase nove anos após a tragédia, quatro réus são julgados por 242 homicídios simples e por 636 tentativas de assassinato —os números levam em conta, respectivamente, os mortos e feridos no incêndio. Devido ao tempo de duração e estrutura envolvida, o júri é considerado o maior da história do Judiciário gaúcho.
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