Filha de 2 anos de Dallagnol é sócia em empresa da irmã dele
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Em setembro de 2020, através de vídeo no Youtube, o então procurador da República Deltan Dallagnol anunciou sua saída da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba. Vivia uma espécie de inferno astral, uma vez que já não contava com o outrora apoio irrestrito da cúpula da Procuradoria Geral da República.
Tanto que, três meses antes, em 20 de junho, a subprocuradora Lindora Araújo, braço direito do procurador-geral Augusto Aras, promoveu uma inesperada ‘visita de trabalho’ a Curitiba em busca de informações sobre a atuação da Força Tarefa. A visita gerou um conflito com os colegas paranaenses. Estes a acusaram de querer “copiar bancos de dados sigilosos das investigações de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificativa”.
Apesar desses conflitos claros e aparentes, ao se afastar da Força Tarefa que coordenava, Dallagnol recorreu a uma justificativa familiar. Trouxe para o olho do furacão sua filha mais nova, prestes a completar dois anos de idade. Alegou ter descoberto que a menina precisava de cuidados especiais dele e da esposa, a advogada Fernanda Mourão Ribeiro Dallagnol, motivo da sua decisão de afastar-se não apenas da coordenação, mas do grupo de trabalho em si:
“Há algumas poucas semanas eu e minha esposa identificamos sinais que nos preocuparam em nossa bebezinha”, disse. “É uma decisão que tomo como pai”, avisou ao anunciar seu afastamento da Operação Lava Jato, na tentativa de se distanciar da pressão que sofria não apenas de diversos setores da sociedade, mas também internamente no Ministério Público Federal (MPF). Eram questionamentos diretos sobre os métodos por eles usados em Curitiba. Fortaleceram-se, notadamente, após os vazamentos das conversas que mantiveram via o aplicativo Telegram.
Todas as preocupações do casal com a pequena pelo visto não impediram seus pais de envolvê-la em um episódio no mínimo inusitado. Nove meses depois, em 2 de junho passado, a menina tornou-se empresária.
Com apenas dois anos e meio, registrada no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Receita Federal (145.***.919-39) – algo que atualmente acontece quando do registro civil de qualquer criança -, ela se tornou sócia da empresa Chelsea Comércio de Confecções Ltda. (CNPJ 42.223.218/0001-55) registrada na Junta Comercial do Paraná com o NIRE 41209938564.
A filha do então procurador da República de Curitiba passou a ter pequena participação: 1% do capital social. Por ser menor, foi representada nos atos da empresa pela mãe, Fernanda Mourão. Quem aparece como dona de 99% das quotas e, portanto, administradora da loja, é a irmã de Deltan, Édelis Martinazzo Dallagnol.
A iniciativa é vista como inusitada até mesmo por ex-colegas de Dallagnol ouvidos pelo Blog, ainda que não exista crime ou ilegalidade em uma criança tornar-se sócia de uma empresa. “É, no mínimo estranho”, resumiu um procurador da República para quem Dallagnol deve ter uma explicação lógica, “pois ele não faria algo sem explicações em uma época em que já estava no olho do furacão”. “É esquisito”, diagnosticou outro ex-colega do pai da precoce empresária.
O Blog o questionou, através de sua assessoria, sobre os motivos que o levaram como pai autorizar a filha de dois anos de idade tornar-se empresária. Buscávamos uma explicação lógica como o ex-colega dele imaginou existir. Levamos em conta ainda a prática do ex-coordenador da Força Tarefa da Lava Jato de sempre defender a total transparência dos assuntos envolvendo seu trabalho. Notadamente em relação aos réus da operação, vítimas de inumeráveis vazamentos de informações confidenciais. Dallagnol, porém, parece não ter gostado do questionamento, tanto que se manifestou por meio de uma virulenta e raivosa “Nota de Repúdio” (leia abaixo).
Esquecendo que foi ele quem primeiro apelou à saúde da filha para justificar seu afastamento da Força Tarefa quando pressionado por todos os lados, considerou a questão “uma vergonhosa covardia promovida pelo ativismo de extremos, que tenta gerar conteúdo negativo para atingir a imagem de Deltan Dallagnol”. Acusa-nos ainda de um “ataque especulativo, desrespeitoso, injusto e, para quem o promove, vergonhoso”.
Preocupação com o “futuro bem-estar”
Ao referir-se à participação da filha menor em uma sociedade, o ex-procurador apresentou uma explicação no mínimo risível. Consta da “Nota de Repúdio”, na qual ele não viu problema em expor o nome da menor, que o Blog se reserva ao direito de não divulgar, de forma a tentar reservá-la:
“O fato é que a irmã de Deltan, Édelis Martinazzo Dallagnol, 44 anos, solteira e sem filhos, propôs a participação de sua sobrinha de três anos na sua empresa, de nome CHELSEA COMERCIO DE CONFECCOES LTDA, por meio de 1% de suas quotas. A tia entende que esta seria uma forma de contribuir pessoalmente com o futuro e bem-estar da criança, em razão de sua condição específica de saúde. Tudo absolutamente dentro da lei.”
É difícil acreditar que a justa preocupação de familiares com o futuro de uma criança especial justifique incluí-la como sócia de uma empresa. Mais ainda quando a participação da mesma na sociedade limita-se a 1% das quotas, o que hoje está avaliado em R$ 2,5 mil.
Ainda que se admita que a empresa – no caso, uma loja de revenda de vestuário infanto-juvenil – venha a ser bem sucedida, é inevitável o questionamento se isso realmente contribuirá com “o futuro e bem-estar da criança”, como diz a nota.
O questionamento aumenta na medida em que se tem conhecimento de que a irmã de Deltan – “solteira e sem filhos” – abriu uma segunda empresa, administradora de outra revenda Hering, sem se preocupar em colocar a sobrinha como sócia para “contribuir pessoalmente com o futuro e bem-estar da criança, em razão de sua condição específica de saúde.”
Na mesma data da abertura das duas empresas da irmã do ex-procurador, seus pais – Vilse Salete Martinazzo Dallagnol e Agenor Dallagnol – constituíram outras duas empresas com o mesmo objetivo: administrar revendas da Hering de vestuário infanto-juvenil. Eles, porém, não tiveram a preocupação em contribuir com “o futuro e bem-estar da criança, em razão de sua condição específica de saúde”. Nas duas empresas a neta de Vilse e Agenor não constam da sociedade.
Caso idêntico, ajuda efetiva
É mais do que justificável a preocupação de familiares de crianças que necessitem de cuidados especiais com o futuro das mesmas. Em especial com a sobrevivência delas quando lhe faltarem os pais ou mesmo avós. O questionável é achar que a participação em uma sociedade que pode ou não dar certo é a melhor garantia do seu bem-estar. Não nos parece. E falamos isso com base em fatos reais.
Vejamos o caso de J.F.C.A., nascido em setembro de 1947, considerado uma pessoa especial. Coincidentemente, ele também tinha uma tia solteira, sem filhos e que ainda por cima era sua madrinha de batismo. Da mesma forma que a irmã do procurador, ela se preocupou com o bem-estar futuro do sobrinho/afilhado. E tomou providências efetivas para que ele não ficasse desamparado. Sem, contudo, o incluí-lo em uma sociedade com apenas 1% das quotas.
Em 1975, aos 28 anos dele, ela colocou em seu nome o apartamento onde morava com a mãe (avó de J.F.) com reserva de usufruto para si. Assim, até sua morte, em dezembro de 1988, ela usou do imóvel que doara ao sobrinho. Após isso, graças às cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, o imóvel efetivamente lhe proporcionou uma renda extra às pensões deixadas por seus pais.
J.F. jamais ficou desamparado por seus familiares. Residiu com os pais enquanto estes eram vivos. Depois, com os irmãos ou apoiado por estes que lhes garantiram toda a assistência necessária até os seus 69 anos, quando faleceu inesperadamente. No ano da sua morte (2016), o apartamento estava avaliado em R$ 595 mil. Ou seja, 238 vezes os R$ 2.500,00 registrados, em julho passado, como quota da filha menor do ex-procurador na empresa de sua tia.
Em tempo: J.F. era não apenas o irmão mais velho do editor deste Blog, mas também seu padrinho e com ele residiu por alguns anos após o falecimento de nossos pais. Sempre com o apoio de todos os irmãos, cunhadas, sobrinhos e demais parentes, que jamais apelaram para a sua condição de pessoa necessitada de cuidados especiais para justificarem o que quer que fosse a proveito que não fosse dele.
Das empresas dos Dallagnol
Paralelamente ao fato inusitado – “estranho”, “esquisito” -, de transformarem uma criança de dois anos em empresária, a rede de lojas de revenda dos produtos Hering abertas pela família Dallagnol provoca outras espécies de questionamentos, tal como já reportado por Luís Nassif em A expansão repentina dos negócios da família Dallagnol.
O primeiro deles pode ser a motivação que os levou, num dado momento – junho de 2021 – criarem quatro empresas para a revenda de roupas infanto-juvenis. Três delas em Curitiba e uma em São José dos Pinhais, cidade vizinha. Mas a criação das mesmas guarda outros mistérios.
Ao que tudo indica as lojas já existiam como franquias da Hering para revenda de roupas infanto-juvenil. Isto é certo com a loja Hering Kids, hoje administrada pela empresas Sunray Comércio e Confecções. Na Junta Comercial do Paraná a Sunray foi registrada, em junho passado, em nome de Vilse Salete e Agenor, os pais de Édelis e Deltan. Ela está instalada no piso L1, do Shopping São José, na Rua Dona Izabel A Redentora, em São José dos Pinhais.
No mesmo endereço, até 21 de janeiro de 2021– segundo registros da Junta Comercial – funcionava a sede da empresa Kidscenter Comércio de Confecções, cujo objeto social era o comércio varejistas de artigos do vestuário e acessórios. Criada em janeiro de 2013, pertencia a Soeli Maria Teodoro Gabriel. Em janeiro passado foi vendida a Norberto Felipe Bruns, de 36 anos. Na alteração contratual o endereço da sede da loja mudou para o Top Executive Center, em Curitiba (Avenida República Argentina, 2056, conj. 55, 3º andar). Ou seja, o ponto foi passado, tal como por telefone admitiu uma das vendedoras da loja.
Bruns aparece ainda como antigo proprietário de outras três revendas da Hering, como a Kidsculture Comercio e Confecções. Ela tinha sede na Rua Professor Pedro Viriato Parigot de Souza, 600, Mossungue. Trata-se do Shopping Barigui, em Curitiba. Neste mesmo endereço hoje funciona a franquia da Hering administrada pela Chelsea, a empresa aberta em junho por Édelis em sociedade com a sua sobrinha.
Outra revenda da Hering que pertencia a Bruns era a Kidswear Comercio De Confecções, então localizada na Rua Presidente Kennedy, 4121, Piso L2 Loja 2029. Ali fica o Shopping Palladium, onde hoje está instalada a loja de roupas infanto-juvenil da Hering administrada pela empresa Breakout Comércio de Confecções. A empresa, pelos registros da Junta Comercial, foi aberta em nome de uma única sócia: Édelis.
Por fim, Bruns tornou-se proprietário de outra administradora de revenda da Hering, a Menswear Comercio de Confecções, que funcionava no Shopping Muller (Avenida Candido De Abreu, 127 – Loja 72, Centro Cívico, Curitiba). Hoje, no local funciona a franquia administrada pela empresa Cherish Comércio de Confecções que na Junta Comercial aparece em nome da mãe de Édelis e Deltan, Vilse Salete.
Todas essas empresas da família Dallagnol foram criadas em um mesmo dia, 2 de junho. Pelos dados disponíveis, elas passaram a administrar revendas da Hering já existentes. Certamente assumiram os pontos e, provavelmente, os estoques, sem guardarem relação com as administrações passadas, de responsabilidade de Bruns.
As empresas dos Dallagnol guardam ainda outra peculiaridade. Foram abertas pela família com um capital social de R$ 110 mil, cada uma. Mas, em julho, todas sofreram aumento desta capital social. Na Chelsea, onde a filha de Deltan é sócia da tia, o capital social subiu para R$ 250 mil. A menor, portanto, teoricamente aportou R$ 2.500,00. Nas demais, o aumento foi maior: R$ 350 mil.
Oficialmente, no contrato social das empresas Sunray e Cherish consta como administradora de ambas a sócia Vilse Salete, mãe de Deltan e de Édelis. Mas no seu perfil no Linkedin Édelis se apresenta como gestora da rede de lojas Hering Kids no Paraná, relacionando os quatro empreendimentos da família Dallagnol.
Como já se disse, não existe crime ou ilegalidade em uma criança tornar-se sócia de uma empresa. Normalmente, segundo alguns operadores do Direito procurados pelo Blog, inclusive ex-colegas de Dallagnol no Ministério Público Federal (MPF), isto ocorre com vistas à questão sucessória na empresa. Mas se tratando de tia e sobrinha, não há esta questão no caso específico. Também não se pode falar em “laranja”, uma vez que não há tentativa de esconder renda ou algo parecido.
As compras do casal Dallagnol
A referência a Dallagnol estar “no olho do furacão” feita por um ex-colega dele do MPF não decorre apenas dos episódios envolvendo a Lava Jato. Sem dúvida, seu inferno astral começou com as transcrições das conversas que o então procurador travou com colegas e juízes através do Telegram. Os diálogos escancararam a parcialidade na perseguição ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros réus daquela operação. Fatos que são corroborados pelos diversos processos do caso que pouco a pouco estão sendo anulados, ou modificados.
Mas o inferno astral também tem relação com as recentes revelações sobre os gastos que o ex-procurador e seus familiares estão tendo, como noticiado, inicialmente, por Joaquim de Carvalho, no Brasil 247.- Exclusivo: Dallagnol comprou apartamento de luxo por valor abaixo do de mercado.
Foi ele quem revelou que Dallagnol adquiriu, em 2018, o imóvel que ocupa todo o terceiro andar do Plymouth Hill’s, na Rua Manoel Eufrásio, 235, em área nobre de Curitiba, o bairro Juvevê. Com área construída privativa de 393 metros quadrados o apartamento, além das áreas comuns possui três vagas na garagem, No total, o então procurador, na época coordenador da Lava Jato, comprou quase 600 metros quadrados do prédio.
Ele pagou pelo imóvel que pertencia à tia do seu colega do MPF Diogo Castor de Mattos R$ 1,8 milhão como relatou Carvalho. Segundo a reportagem, um ano antes, apartamento no mesmo prédio tinha sido vendido por R$ 2,37 milhões. Um imóvel no mesmo condomínio estava sendo vendido na época da publicação — dois anos e seis meses após a compra feita por Dallagnol — por R$ 3,1 milhões.
Mas a família Dallagnol não se contentou com apenas este imóvel de 393 metros quadrados exclusivos. No dia 12 de julho passado, ainda segundo publicação de Carvalho no Brasil247, a esposa de Dallagnol arrematou um segundo apartamento no mesmo edifício Plymouth Hills. Pagou R$ 1,8 milhão em um leilão judicial. Uma compra que pode ser questionada, como o fez Nassif no texto: Exclusivo: novas revelações sobre Dallagnol, das 10 Medidas contra a corrupção, por Luis Nassif.
Ao arrematar este segundo imóvel no prédio onde já residia, pelas revelações de Carvalho, a advogada Fernanda Mourão recorreu ao pseudônimo Sofimora. Como tal se comprometeu a pagar 59 prestações de R$ 33.500,00, além do sinal dado no mesmo valor. Ou seja, adquiriu o imóvel pelo preço de R$ 2,010 milhão, através de leilão judicial. Nada mal quando se sabe que o apartamento estava avaliado em R$ 2,6 milhões.
Curiosamente, quatro meses depois, seu marido pediu demissão do Ministério Público Federal onde seu salário bruto – R$ 33.689,11- era próximo do valor destas prestações. Sem nenhum outro benefício e com todos os descontos legais, em outubro passado, Deltan recebeu líquidos em sua conta bancária R$ 23.369,49. Com isto não pagaria a prestação do novo imóvel. Hoje, sem remuneração oficial, é inevitável o questionamento de como o casal irá honrar esta dívida. O Blog fica aberto para qualquer explicação que os Dallagnols queiram dar em nome da transparência que Deltan sempre defendeu. Uma transparência que lhe será cobrada dos eleitores, caso ele decida mesmo ingressar na vida política partidária.
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