Finalmente o país vai conhecer parlamentares do Orçamento Secreto
Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
O site da Câmara começou a publicar nomes e ofícios de parlamentares que solicitaram repasses de emendas de relator-geral do Orçamento neste mês. A medida vem após aprovação de resolução do Congresso sobre o tema, mas atende apenas em parte à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a divulgação dos autores desses pedidos de emendas.
Apesar da exigência do STF, em alguns casos aparecem apenas os nomes de prefeitos, e não dos parlamentares solicitantes dos repasses que formam a base do orçamento secreto, revelado pelo Estadão.
Os documentos que começaram a ser publicados incluem também ofícios do relator-geral do Orçamento de 2021, o senador Márcio Bittar (PSL-AC), com as solicitações que encaminhou ao governo. Não é apresentada, no entanto, nenhuma fundamentação para as indicações, apenas registros de demandas. O relator-geral não explica, por exemplo, os critérios para destinação de valores. Em alguns casos, Bittar atendeu diretamente prefeitos do Maranhão, da Bahia e secretarias estaduais do Tocantins e do Paraná, quando seu Estado natal e base eleitoral é o Acre, sem informar qualquer razão.
Em uma planilha editável disponibilizada no site, é possível ver que o líder do Progressistas, o deputado Cacá Leão (BA), decidiu a destinação de R$ 45 milhões, quase três vezes acima dos valores que qualquer parlamentar tem direito a indicar por meio de emendas individuais, identificadas no Orçamento com o código RP-6.
No caso de Leão, serão R$ 40 milhões para pavimentação de ruas, a ser executada pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), e outros R$ 5 milhões para a compra de máquinas pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). As ações serão divididas entre 14 municípios baianos. Os ofícios de Cacá Leão são dos dias 9 e 10 deste mês.
Esses R$ 45 milhões destinados ao líder do Progressistas – partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL) – representam a maioria dos R$ 75,5 milhões que o relator-geral do Orçamento, senador Marcio Bittar (PSL-AC), informou à Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso a respeito das indicações ao Ministério do Desenvolvimento Regional.
Os demais repasses, R$ 30 milhões, foram basicamente destinados a pedido de deputados do PSD, partido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ao todo, 33 deputados do PSD, de Pacheco, puderam indicar recursos do Ministério do Desenvolvimento Regional e de outras pastas. Entre eles, o líder do partido na Câmara, Sérgio Brito (BA), e os deputados Diego Andrade (MG), Charles Fernandes (BA), José Nunes (BA), Marx Beltrão (AL), Paulo Magalhães (BA), Otto Alencar Filho (BA), Cezinha de Madureira (SP), Neucimar Fraga (ES), Francisco Junior (GO), Stefano Aguiar (MG), Júnior Ferrari (PA), Júlio César (PI), Reinhold Stephanes Junior (PR), Jones Moura (RJ), Expedito Netto (RO), Ricardo Guidi (SC) e Fábio Mitidieri (SE).
O relator-geral do Orçamento de 2022, Hugo Leal (PSD-RJ), é outro integrante do partido que indicou RP9. No caso, pediu R$ 1,5 milhão para ações na Saúde no Rio de Janeiro e R$ 500 mil para ação do Ministério da Cidadania em Petrópolis-RJ.
“De acordo com o previsto no art. 69-A, §1º, da Resolução nº 1/2006 – CN, inserido pela Resolução nº 2/2021 – CN, envio, anexo documentos que serão enviados para o Ministério do Desenvolvimento Regional, Ministério da Cidadania, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Fundação Nacional de Saúde e Fundo Nacional de Saúde, com as indicações de beneficiários de emendas RP9 ‘Emendas de Relator Geral’, bem como os documentos que baseiam a indicação, para que seja dada a devida publicidade”, escreveu o relator-geral do orçamento de 2021, Márcio Bittar, em um dos ofícios, datado desta terça-feira, 14. Além dos citados ministérios, Bittar enviou indicações para as pastas da Defesa e do Ministério da Saúde.
O Estadão procurou o deputado Expedito Netto (PSD-RO), que anteriormente havia dito não trabalhar com emendas de relator-geral. Questionado se fez indicações recentemente, afirmou que não. Apesar da resposta, um ofício assinado por ele, no último dia 9, mostra que indicou R$ 1 milhão em pavimentação para o município Ministro Andreazza (RO) e outro valor de R$ 1 milhão, dividido entre Theobroma, Espigão do Oeste e Vilhena, todos do Tocantins. Ao receber o ofício da reportagem via WhatsApp, admitiu ter feito a indicação. “Confirmo”, resumiu-se a dizer no aplicativo de mensagens, e não respondeu às novas perguntas sobre a mudança de versão.
O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, aparece solicitando repasse para o município alagoano de Coité do Noia, sendo R$ 950 mil para ação na Saúde. Integrante do partido dele, a deputada Celina Leão (Progressistas-DF) teve, de uma tacada só, aprovação do relator-geral para transferir mais do que a cota anual de emendas individuais. Ela indicou R$ 20 milhões para realização de eventos, capacitação e custeio no Ministério da Cidadania.
Além dos partidos dos presidentes da Câmara e do Senado, o líder do Podemos – pelo qual Sérgio Moro concorrerá à presidência da República – enviou um ofício que mostra estar manejando verbas do orçamento secreto. Igor Timo (Podemos-MG) pediu o remanejamento de R$ 6 milhões do Instituto de Desenvolvimento do Norte e do Nordeste de Minas Gerais e da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, para que fique tudo no governo de minas para ações relacionadas a segurança alimentar.
O fundador da associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, afirmou ao Estadão que a publicação de solicitações deve ter total transparência e vir acompanhada dos critérios para a seleção dos repassses. “Os critérios são essenciais. O que fará o relator se, por hipótese, todos os municípios solicitarem recursos? Quais seriam os atendidos?”, perguntou Castello Branco.
Segundo ele, a Comissão Mista de Orçamento precisa estabelecer requisitos, limites, parâmetros ou critérios mínimos necessários para prevenir distorções e preservar o equilíbrio federativo na distribuição dos recursos. “Da forma como estão sendo distribuídos os recursos, o Congresso não está reduzindo desigualdades, e sim ampliando-as”, disse o economista. “É essencial que o STF exija, além da transparência, parâmetros sócio econômicos e critérios técnicos para a distribuição desses recursos, como já determina a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021, no artigo 86.”
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