Legalização de jogos de azar divide bancadas da Bíblia e da Bala
Foto: iStock/Getty Images
Uma batalha entre as bancadas da Bíblia e da Bala está marcada para hoje na Câmara, em novo capítulo de um enredo político que já completou 80 anos sem epílogo: a legalização de jogos.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), destacou a “urgência” na votação de um projeto que libera em todo o país o jogo do Bicho, cassinos, bingos, loterias e apostas eletrônicas ou analógicas.
O requerimento de celeridade não tem autoria explícita, na pauta da sessão das 18 horas há somente um registro de duas palavras sobre a procedência: “Dos líderes”.
Os deputados têm uma semana repleta de decisões relevantes, como a do Orçamento da União que, entre outras coisas, vai determinar o tamanho do financiamento público para as eleições de 2022.
Não há justificativa transparente para “urgência” na votação, às vésperas da temporada eleitoral, de uma proposta de lei que está em tramitação há 30 anos.
O texto original foi apresentado em 1991 pelo então deputado Renato de Mello Vianna (MDB-SC), ex-prefeito de Blumenau. Foi reciclado em 16 projetos substitutivos até cinco anos atrás, consolidados sob o título “Marco Regulatório dos Jogos”.
É tema que une a bancada da Bíblia, de maioria evangélica, numa guerra aberta com a bancada da Bala, onde se concentram políticos com origem nas polícias, nas Forças Armadas e na militância do armamentismo, apoiados por representantes de corporações dos segmentos de turismo, imóveis e de equipamentos eletrônicos.
Parlamentares evangélicos, de frações neopentecostais, tratam a legalização do jogo como tabu, assim como drogas ou aborto. Na busca de acordo, líderes da bancada da Bala passaram a acenar aos da Bíblia com a possibilidade de liberar tudo, menos os bingos que têm maior potencial de difusão em bairros pobres.
Não há tendência majoritária perceptível no plenário da Câmara. Porém, o lobby pela legalização dos jogos assegurou uma convergência de interesses de forças adversárias na eleição de 2022.
Tem apoio explícito do governo Jair Bolsonaro, cuja afinidade com empresas de jogos é antiga. Na campanha de 2018, por exemplo, Bolsonaro se reuniu com Sheldon Adelson, financiador do Partido Republicano e dono da holding de cassinos Las Vegas Sand. O candidato entrou pela cozinha do Copacabana Palace, no Rio, para encontrar o bilionário Sheldon, que morreu em janeiro aos 87 anos.
Redes americanas de cassinos, como a Las Vegas Sand criada por Sheldon, mantêm uma disputa por hegemonia no mercado global de jogos com grupos asiáticos, como o Shun Tak, fundado pelo falecido chefão do jogo em Hong Kong e Macau e hoje operado por sua filha, Pansy Ho.
Na confluência de interesses sobre a liberação do jogo no país, um mercado de faturamento estimado em R$ 25 bilhões por ano, Bolsonaro e aliados operam no Congresso em sintonia com uma fatia da oposição.
A bancada do PT, por exemplo, contribuiu com pelo menos um dos textos alternativos ao projeto apresentado em 1991. A do Podemos sugeriu uma reserva de mercado nacional nos sistemas de jogos eletrônicos, com bloqueio de acesso às plataformas de empresas estrangeiras.
Está prevista a criação de um organismo estatal, uma agência autônoma, para regulamentar, controlar, fiscalizar e licenciar até 31 “cassinos em resorts integrados” por Estado, com limite nacional a cinco estabelecimentos por empresa.
É discutível a “urgência” da Câmara para votar o fim da proibição de jogos decretada há 80 anos, e a partir de um projeto de legalização que vagueia na Casa há 30 anos e nove meses. Mas há uma notável coincidência no calendário de 2022.
No próximo 3 de julho se completam 130 anos de existência do jogo do bicho, criado pelo barão João Batista Viana Drummond para sustentar um zoológico em Vila Isabel, no Rio. É o domingo de inverno em que começam as convenções dos partidos para formalizar as chapas na disputa eleitoral de outubro. No jogo, como na política, é recomendável deixar prognósticos para o final, como ensinava Ananias, antigo zagueiro-filósofo pernambucano.
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