Mendonça tem Deus na boca e Bolsonaro no coração
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Qual André Mendonça se apresentará ao Supremo Tribunal Federal para ocupar a vaga aberta há quatro meses com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello?
O que foi sabatinado durante quase 8 horas na Comissão de Constituição e Justiça do Senado? Ou o que discursou depois da aprovação do seu nome pelo plenário do Senado?
O da sabatina preocupou-se em dizer tudo o que a direita, a esquerda e o centro queriam ouvir. Quando não deu calou-se sob a desculpa de que não comentaria o que talvez viesse a julgar.
“Na vida, a Bíblia. No Supremo, a Constituição”, afirmou o sabatinado. “Fora da democracia nada é possível.” “Não se pode criminalizar a política.” “Delação premiada não é prova”.
Loas à CPI da Covid-19 que “apontou erros, má gestão e desvios de conduta”, observou. “Defenderei o direito constitucional do casamento entre pessoas do mesmo sexo.”
Verdade que ao mencionar a democracia derrapou ao defender que a brasileira foi conquistada sem violência e sangue, desculpando-se em seguida ao saber que sua declaração repercutira mal.
O André Mendonça do discurso da vitória foi o “terrivelmente evangélico” indicado por Bolsonaro. Depois de rezas e cânticos, cercado por pastores, finalmente tirou a máscara.
“A primeira reação é dar glória a Deus. É um passo para um homem, um salto para os evangélicos”. “Um menino de uma cidade do interior, que saía com a Bíblia na mão, se supera.”
“Respiro porque Deus permite.” “Não podia com uma história tão difícil, nas minhas caminhadas por esse Senado, abrir mão dos meus princípios e valores.” “Deus seja louvado!”
Agradeceu aos brasileiros que pagam impostos por tê-lo ajudado a se formar em teologia e em direito. A Bolsonaro agradeceu só uma vez, de passagem. Exaltou a família como instituição.
“Queremos dizer ao povo brasileiro que o povo evangélico quer ajudar este país. Não somos melhores nem piores. Devo tudo da minha vida a Deus. Amo quem me amou primeiro (Deus).”
Mendonça deve sua nomeação aos evangélicos que cobraram de Bolsonaro o pagamento da promessa de indicar um deles para ministro do Supremo. Bolsonaro não suou a camisa por ele.
Mas antes como ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), e mais tarde como ministro da Justiça, Mendonça comportou-se como um serviçal exemplar do presidente da República.
Improvável que deixe de ser ao vestir a toga. Ao mestre, o que ele mandar. Manda quem pode, obedece quem tem juízo, e Mendonça já demonstrou que juízo não lhe falta.
Como advogado-geral da União, em abril do ano passado, entrou na Justiça contra medidas de isolamento social adotadas por estados e municípios para combater a pandemia.
Pediu ao Supremo que autorizasse operações policiais em universidades públicas e privadas para a apuração de “irregularidades eleitorais”. Foi quando disse:
“Professores precisam ter um comportamento imparcial. […] Seja professor de direita ou de esquerda, que não atue como militante, sem carga ideológica.”
Enquanto ministro da Justiça, com base na Lei de Segurança Nacional, Mendonça abriu investigações contra profissionais da imprensa que haviam criticado Bolsonaro.
Abriu investigação contra os responsáveis por outdoors com a inscrição de que o presidente valeria menos do que “um pequi roído”, expressão que significa algo sem importância.
E justificou a montagem de um dossiê sigiloso sobre 579 pessoas, na maioria policiais e agentes de segurança apontadas como antifascistas. Ora, crime é ser fascista, antifascista, não.
Todo ministro recém-chegado ao Supremo paga pedágio ao presidente que o nomeou. Kassio Nunes Marques está na fase de pagar pedágio. A maioria dos ministros, depois, deixa de pagar.
Há que se ver a quem Mendonça se sentirá mais devedor. Bolsonaro vai passar talvez mais rapidamente do que ele imagina, mas os evangélicos só aumentam em número.
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