Namoro entre PMs e Bolsonaro subiu no telhado
Foto: Foco do Brasil/Youtube
A relação entre o presidente Jair Bolsonaro e os policiais militares sofreu abalos. Representantes da categoria que, há poucos meses, era vista como uma possível apoiadora do governo numa eventual ruptura democrática, tamanha a fidelidade, avaliam agora promessas não cumpridas. Apesar do apoio orgânico ao presidente, sobretudo entre os praças das corporações, eles estão dispostos a abrir diálogo com outros pré-candidatos ao Palácio do Planalto em 2022.
O programa de crédito habitacional lançado em setembro pelo governo para agradar o setor teve efeito contrário e virou nova fonte de reclamação da classe, que integra a base de apoio. A insatisfação se soma a outras, provocadas também por medidas que limitaram progressões e ganhos salariais principalmente para as tropas de fora de Brasília – a polícia do DF tem os maiores salários do País e conseguiu um reajuste em plena pandemia de covid-19.
O Habite Seguro, que visa facilitar a aquisição de imóveis por agentes da segurança pública com juro baixo, foi lançado, via medida provisória, em cerimônia no Palácio do Planalto que contou com a presença dos principais ministros do governo. A iniciativa foi elaborada para atender a uma demanda de associações de policiais. Dois meses depois, as mesmas entidades reprovam o programa por considerá-lo demasiado restritivo e avaliarem que não cumpre o propósito. As queixas já chegaram ao governo, que tenta contorná-las.
Escalado para receber as reclamações, em um encontro com representantes das polícias em Santa Catarina, no último dia 11, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, prometeu levá-las a Bolsonaro. Os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Anderson Torres, da Justiça, foram acionados para estudar providências.
As entidades estimam em 53% o déficit habitacional nas polícias, situação que empurra agentes de segurança para as periferias, e apontam que as exigências para adesão ao Habite Seguro o tornam menos atraente do que outros programas do governo, como o Casa Verde e Amarela. O plano habitacional está sendo considerado uma “barca furada”, segundo interlocutores das polícias com o governo, por entenderem que há mais marketing do que resultado. As reclamações aparecem também nas redes sociais de Bolsonaro.
Líderes das entidades representativas destacam que os militares e suas famílias entregaram milhões de votos a Bolsonaro, em 2018. Agora, reclamam um “reconhecimento” que ainda não veio em três anos de governo. Eles se queixam, principalmente: da carona na reforma da Previdência dos militares da União, em 2019, que os diferenciou de civis, mas não era o “plano A”; da lei complementar 173, que suspendeu promoções funcionais e ajustes nas remunerações durante a pandemia; da PEC emergencial com congelamento temporário de bônus; da perda de espaço com a extinção do Ministério da Segurança Pública; e da falta de prioridade com a proposta de mudança na Lei Orgânica das PMs no Congresso. Em paralelo, Bolsonaro possibilitou no passado reajuste de até 25% nos salários das polícias do Distrito Federal, onde estão os maiores vencimentos, a um custo anual de meio bilhão de reais.
O tratamento dispensado por Bolsonaro cria uma ameaça de debandada dos PMs, ao menos institucionalmente. “Vejo que as entidades vão ter que conversar com todos os candidatos. Na outra eleição, estava na onda do Bolsonaro e não quiseram ouvir, mas dessa vez tem que ouvir”, afirmou Leonel Lucas, sargento da PM do Rio Grande do Sul e presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais e Bombeiros Militares.
A disposição para ampliar o diálogo com políticos do campo de fora do bolsonarismo também está posto entre representantes dos praças. “Todas as reformas não vem do gosto da maioria. O governo sempre restringe algumas coisas”, afirmou o cabo da PM Wilson Morais, presidente da Associação de Cabos e Soldados de São Paulo. “Temos que ouvir os candidatos, independentemente de serem de partidos de esquerda ou direita.”
Para solicitar o crédito, o policial precisa estar apto junto a instituições financeiras (SPC/Serasa) e ganhar até R$ 7 mil. O auxílio financeiro para a entrada é limitado a R$ 12 mil. Foram reservados para o primeiro ano do programa R$ 100 milhões. Estima-se que o montante poderia atender a no máximo oito mil homens.
O governo não informou à reportagem o total de atendidos até o momento. A Caixa disse que os dados deveriam ser solicitados ao gestor do programa, o Ministério da Justiça. A pasta, porém, informou que ainda não tem um balanço porque o programa começou a funcionar de fato no início de novembro.
A exigência de “nome limpo” para conseguir o crédito é um dos principais gargalos. Pesquisas indicam que são mais de 80% os policiais com dívidas em Estados como o Rio e São Paulo. E os interessados devem submeter respostas de um questionário social aos seus comandantes diretos para solicitar o crédito à Caixa. “A revolta é muito grande. Criou-se uma expectativa com uma moradia. O pessoal vai na Caixa e não consegue. É mais fácil pegar o crédito pelo Casa Verde e Amarela”, disse o sargento Lucas.
PRINCIPAIS QUEIXAS
Extinção de ministério
A extinção do Ministério da Segurança Pública e o esvaziamento da Secretaria do Ministério da Justiça que se relaciona com as forças estaduais.
Reforma da Previdência
A ‘carona’ na reforma da previdência dos militares da União, em 2019. Embora tenham sido diferenciados de civis, não era o “plano A” dos policiais, que esperaram compensações que não vieram.
Suspensão de promoções
A lei complementar 173, que suspendeu promoções funcionais e ajustes nas remunerações durante a pandemia. Prejudicou benefícios como o quinquênio, abono incorporado ao salário a cada cinco anos de serviços.
Congelamento de salários
A PEC emergencial endossada pelo governo incluía os policiais militares na lista de servidores que poderiam ter salários congelados para viabilizar o auxílio emergencial.
Lei Orgânica das PMs
A falta de empenho e de prioridade da base do governo para aprovar a nova Lei Orgânica das PMs, que aumenta o poder das forças estaduais diante de governadores.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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