Trump e Obama viraram alvo de ficção realista sobre negacionismo

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Foto: Netflix/Divulgação

Dois cientistas descobrem que um cometa do tamanho do Monte Everest segue a todo vapor rumo à Terra. Se não for desviado de sua rota, em seis meses trará consigo a total extinção das espécies do planeta. O assunto é sério, mas não parece que é quando cai nos ouvidos da presidente dos Estados Unidos, que ri dos cientistas e abafa o caso para não desviar o foco das eleições que se aproximam. Controverso, o filme Não Olhe para Cima, da Netflix, bebe da realidade em uma sátira sobre o descaso das autoridades e da humanidade para com a ciência e, especialmente, para os perigos das mudanças climáticas. Com a chegada da pandemia, o projeto do diretor Adam McKay ficou ainda mais relevante, evidenciando as ameaças advindas da ignorância e da ganância por poder e dinheiro. McKay, que tem no currículo os ótimos A Grande Aposta e Vice, não aponta exatamente o dedo para as personalidades que inspiraram seus personagens. Até porque, todos ali representam um clima histórico que não se reduz aos tipos vindos dos Estados Unidos — há muito da realidade brasileira lá, por exemplo. Algumas associações, contudo, são óbvias. Confira abaixo as referências do longa à vida real.

Engajado em causas de preservação ambiental e uma das celebridades mais vocais em relação ao aquecimento global, Leonardo DiCaprio transita há tempos entre cientistas da área por causa da fundação de proteção ambiental que leva seu nome. O ator disse que seu personagem, Randall Mindy, é uma “sólida representação” dos diversos cientistas que tentam há décadas alertar sobre as mudanças climáticas. Mindy, porém, em determinado ponto do filme, se rende às necessidades midiáticas e à fama, com o discurso de que está tentando passar a mensagem de maneira clara ao mundo — suas tentativas frustradas, porém, remetem ao trabalho do infectologista Anthony Fauci que, durante a pandemia, se mostrava calmo diante dos absurdos ditos pelo então presidente Donald Trump, em pronunciamentos feitos ao lado do médico. Já Kate Dibiasky, vivida por Jennifer Lawrence, é uma alusão direta à ativista sueca Greta Thunberg, transformada em meme nas redes sociais por negacionistas. A jovem, aliás, foi até alvo de uma piada de Trump, que disse que Greta precisava de um tratamento para aplacar seu nervosismo.

Ex-apresentadora de TV, envolvida em escândalos sexuais, negacionista e sedenta por poder e dinheiro, a presidente Janie Orlean, vivida por Meryl Streep, é uma alusão mais do que óbvia a Donald Trump. Grande representante dos movimentos anticiência, Trump fez diversos comentários absurdos sobre o aquecimento global e sobre a Covid-19 – ele chegou a dizer que a pandemia era uma mentira, feita para derrubá-lo da presidência. Assim como Trump, Orleans desfaz dos cientistas, acha que tudo é uma grande conspiração contra ela e abusa do nepotismo ao nomear o próprio filho (vivido por Jonah Hill) para o cargo de Chefe de Gabinete da Casa Branca – qualquer semelhança com as ações de outros presidentes no mundo não é mera coincidência. A personagem, aliás, não é apenas um Trump de saias. Estão ali diversas referências a outros ex-presidentes americanos, no intuito de apontar a apatia destes líderes em relação ao aquecimento global. Assim como Orlean, George W. Bush também tentou emplacar uma apoiadora inexperiente em uma cadeira na Suprema Corte. A postura bélica do ex-presidente republicano, que deu início à era da Guerra contra o Terror, que atacou o Afeganistão e o Iraque, ainda é inspiração para as cenas em que Meryl Streep encarna a salvadora da Pátria em um discurso dramático e de pouco efeito diante das Forças Armadas. Nem Barack Obama se livrou de alfinetadas. O hábito de fumar escondido é um dos “pecados” dos ex-presidente. É dele também os excessos de se unir a celebridades e a preferência por profissionais de universidades famosas em detrimento dos que não saíram de Harvard, por exemplo.

Vivido pelo ótimo Mark Rylance, o CEO de uma empresa de tecnologia Peter Isherwell remete ao poder descontrolado, com toques de complexo de deus, conquistado por nomes como Mark Zuckerberg, criador do Facebook, e Elon Musk, CEO da Tesla. No filme, Isherwell inicialmente é uma caricatura de Steve Jobs ao apresentar um novo smartphone que impede seus usuários de sentir tristeza. Em seguida, ele abraça uma mistura de Zuckerberg com Musk ao entrar no mundo da política e exaltar as ações dos algoritmos, que reúnem as informações pessoais de todos os usuários de redes sociais do planeta. Mas é o CEO da Tesla que se sobressai entre as referências. Musk é não só um entusiasta da exploração comercial do espaço, assim como Isherwell, mas também vem oferecendo quantias absurdas à diversos países na busca por matérias-primas para as baterias de seus carros elétricos, sendo o lítio um dos minerais mais importantes para essa produção. No filme, a destruição do cometa é interrompida por Isherwell, quando ele descobre que o corpo celeste que vem aí é rico em minérios necessários para a evolução da tecnologia.

Uma “notícia” compete pela atenção das pessoas enquanto os cientistas tentam avisar que o mundo vai acabar em seis meses: a separação de duas celebridades. Vivida por uma inspirada Ariana Grande, a cantora e influenciadora Riley Bina é garantia de audiência, especialmente quando fala de sua relação conturbada com o namorado ioiô. Na vida real, Ariana também fala abertamente sobre seus ex-namorados, ex-noivos, e atuais. A jovem, então, aceita de bom grado o humor autodepreciativo para criticar os excessos das redes sociais e do barulho que se faz por assuntos fúteis. O auge da participação da personagem é quando ela percebe que o negacionismo não lhe cai bem, afinal, já é possível ver a olho nu o cometa no céu. Ela, então, passa a apoiar os cientistas com shows lotados e músicas temáticas no típico ativismo de sofá – ou melhor, de holofote – promovido por celebridades.

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