Bolsonarismo investe em redes sem controle para espalhar notícias falsas

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Foto: @jairmessias.bolsonaro/Facebook

Jair Bolsonaro foi eleito há pouco mais de três anos beneficiado pelo desgaste do establishment político, após quatro vitórias eleitorais do petismo, um legado de ruína econômica e o furacão promovido pela Lava-Jato. O triunfo, porém, foi construído na forma quase experimental, mas eficiente, em que o bolsonarismo espalhou o seu discurso do “contra tudo o que está aí” por meio da replicação massiva de mensagens no Facebook e no WhatsApp, muitas delas contaminadas pelo discurso de ódio, pela pregação antidemocrática e pela divulgação de informações falsas. De lá para cá, muita coisa mudou, como a postura adotada pelas empresas de tecnologia e a criação de regras pela Justiça que dificultam o uso da internet para desvirtuar a disputa eleitoral. Mas uma coisa não mudou: a disposição do bolsonarismo de seguir usando a estratégia que o levou ao poder em 2018. O sinal mais eloquente está na dedicação crescente a outras ferramentas, como a rede social Gettr e o aplicativo de mensagens Telegram, que Bolsonaro — em posição de destaque em ambos—, seus filhos e apoiadores vêm se esforçando para divulgar neste período pré-eleitoral.

Após o sucesso de 2018, a obsessão bolsonarista pelas redes sociais só cresceu. De ferramenta eleitoral passou a ser instrumento de governo, de pregação política, de ataques a adversários, instituições e ao jornalismo profissional, e de difusão de desinformação e baboseira ideológica. Como reação, Bolsonaro e seguidores entraram na mira do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, com vários expoentes do ativismo digital colocados contra a parede, como o blogueiro Allan dos Santos, foragido há quase 100 dias, o ex-deputado Roberto Jefferson, preso desde agosto, e empresários como Luciano Hang, que teve a conta suspensa pelo Twitter na quarta 12. Além, é claro, dos filhos do presidente, principalmente Eduardo e Carlos, a quem sempre foi atribuído papel central na teia digital governista.

Bolsonaro não ficou de fora. O próprio presidente foi alvo de várias sanções nas redes sociais, a última delas em outubro, quando teve uma live removida pelo Facebook, Twitter e Instagram após dizer que a vacina contra a Covid-19 causa aids — o que, obviamente, não é verdade. O vídeo foi imediatamente postado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no Gettr, e lá está até hoje. Sem filtros, a rede foi criada em julho de 2021 por Jason Miller, ex-assessor de Donald Trump, seis meses depois de o ex-presidente americano ter sido banido do Twitter após usar a ferramenta para incitar a invasão do Capitólio por apoiadores radicais.

A expulsão de Trump serviu para alimentar uma retórica bastante popular na direita: a de que sofre perseguição ideológica das big techs. A deixa foi usada pelo Gettr, que se vende como uma “rede social baseada na liberdade de expressão e que rejeita a censura política e a cultura do cancelamento”. Ao anunciar sua entrada, Bolsonaro celebrou a “rede social alternativa para a ampliação de diversas fontes de informações que lamentavelmente são omitidas de forma proposital”. O amor foi recíproco, e o presidente foi escolhido “a personalidade do ano” pela plataforma. Em seis meses, ele já tem 554 000 seguidores, quase o mesmo que Miller (575 000).

Nesse mundo de ilusão da direita, passeiam os principais nomes do ativismo bolsonarista. Estão lá os filhos Flávio, Eduardo e Carlos, parlamentares como Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF) e assessores como Tercio Arnaud Tomaz e Filipe G. Martins, já apontados como cabeças do chamado “gabinete do ódio”, o birô digital do bolsonarismo. E gente como Steve Bannon, banido do Twitter por sugerir decapitar o médico Anthony Fauci, conselheiro da Casa Branca na luta contra a pandemia. Ex-estrategista eleitoral de Trump e guru de Eduardo, Bannon disse, em encontro recente com o deputado nos EUA, que, a exemplo de 2018, vai dar palpites na estratégia bolsonarista neste ano. “A eleição no Brasil é a segunda mais importante do mundo.”

A chegada do Gettr segue a trilha de outras plataformas que a direita tentou emplacar. Foi assim com o Parler, que foi banido do Google e da Apple depois da invasão do Capitólio e só voltou após promover mudanças na moderação de conteúdo. O caminho já havia sido aberto pelo Gab, desenvolvido com o mesmo propósito, mas que também foi removido das lojas de aplicativos em razão da promoção de discursos de ódio. Não é por acaso que viceja nessas redes o receituário anticomunista e antiglobalista, ataques raivosos a adversários e, entre outras teorias alucinadas, campanhas antivacinação — Bia Kicis, por exemplo, faz lives em série para questionar a imunização de crianças contra a Covid-19 e celebra a “liberdade” dada pelo Gettr. Carla Zambelli é outra que usa a conta para promover questionamentos à vacinação. Bolsonaro, por ora, só posta as realizações do governo e, eventualmente, provocação a desafetos.

Embora a pregação no Gettr seja para convertidos, ela tem um propósito: manter mobilizado o núcleo duro da militância. Depois, entram os aplicativos de mensagens, nos quais são repercutidos os conteúdos postados na rede. O Telegram vem sendo ocupado pelo bolsonarismo para ser o “WhatsApp sem freios” de 2022. O serviço criado pelos russos Pavel Durov e Nikolai Durov permite até 200 000 pessoas em grupos (o concorrente aceita 256). Depois de estar no centro das discussões sobre disparos em massa em 2018, o WhatsApp limitou o envio de publicações. Já o Telegram permite que os administradores dos canais atinjam toda a sua audiência com um clique. Essa funcionalidade também é explorada pela oposição, mas Bolsonaro é o político global com mais adeptos: 1 milhão, ante 47 000 de Lula e 19 000 de Ciro Gomes, por exemplo. Embora não seja popular como o WhatsApp, o Telegram está em 53% dos celulares do país, segundo pesquisa Mobile Time/Opinion Box. “Se você transmite um conteúdo no Telegram e a pessoa replica para grupos de WhatsApp, há aumento exponencial de visibilidade”, diz João Guilherme Bastos dos Santos, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).

As potencialidades do Telegram já chamam a atenção da Justiça Eleitoral. O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, pediu à plataforma, no dia 16 de dezembro, por ofício, uma reunião para discutir formas de cooperação contra a desinformação. Até hoje, a resposta não veio. Mas no documento o ministro mostra estar atento à divulgação de teorias de conspiração e informações falsas sobre o sistema eleitoral por meio do aplicativo. “Essas empresas não têm representação no Brasil e qualquer propaganda não poderá ser alcançada pela Justiça”, alerta a procuradora eleitoral Neide Cardoso de Oliveira, do MPF-RJ, para quem o uso de aplicativos nessa condição poderá ser considerado propaganda irregular. A advogada eleitoral de Bolsonaro, Karina Kufa, contesta. “O que a lei proíbe é o uso de provedores estrangeiros para hospedar sites de candidatos ou partidos, o que não é o caso”, diz. No cenário de polarização que se avizinha, especialistas acham inevitável que a discussão chegue aos tribunais. “A falta de representação da empresa e a relutância em cumprir ordens judiciais podem levar ao debate sobre a suspensão dos serviços nas eleições”, diz o advogado Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio).

Sob a gestão de Barroso, o TSE aprovou uma série de resoluções para conter a propagação de mentiras. Nas eleições deste ano, o tribunal estará sob o comando de Alexandre de Moraes, conhecido pela mão pesada com que conduziu o inquérito das fake news, quando mandou prender apoiadores do presidente. Ele, aliás, também determinou no dia 7 de setembro, quando o bolsonarismo foi às ruas, que o criador do Gettr, Jason Miller, que visitou Bolsonaro e foi a um evento da direita, fosse ouvido pela Polícia Federal no aeroporto de Brasília, mostrando que já está de olho na rede.

Bolsonaro também está atento. Enquanto amplia os seguidores no Telegram e no Gettr, se preocupa em não perder as suas contas tradicionais. Na segunda-feira 10, mandou um recado a quem acha que ele pode acabar como Trump. “Me banir das redes sociais é jogar fora das quatro linhas. Qual é a acusação contra mim? Que fake news tenho praticado nas minhas mídias? Não existe”, disse, cometendo mais uma fake news. Não bastasse tudo isso, no dia 21 de fevereiro Trump lançará a sua própria rede, a Truth Social, que certamente atrairá o bolsonarismo. A batalha eleitoral nas redes, ao que parece, está só começando.

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