Bolsonaro pode pôr negacionista no comando da Anvisa

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Foto: Carolina Antunes/PR

O presidente Jair Bolsonaro (PL) busca nomes para integrar a cúpula da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e reagir à disputa com o chefe do órgão regulador, o contra-almirante Antonio Barra Torres.

A ideia é indicar para o cargo de diretor, que ficará vago em julho, alguém com perfil alinhado ao governo e favorável às bandeiras negacionistas de Bolsonaro, como Hélio Angotti, médico pró-cloroquina que comanda atualmente a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde.

O nome foi colocado sobre a mesa em conversas de integrantes do governo favoráveis ao kit Covid. A proposta agradou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que deseja afastar Angotti da pasta, sem entrar em atritos com o médico, segundo integrantes do governo.

A indicação do presidente Bolsonaro precisa ser aprovada pelo Senado, e o secretário encontra resistências no centrão. Integrantes desses partidos dizem que as chances de Angotti chegar à Anvisa são pequenas.

Seguidor do escritor Olavo de Carvalho, Angotti é um dos líderes do núcleo pró-cloroquina do Ministério da Saúde, também integrado pela secretária Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”.

Na última sexta-feira (20), ele rejeitou diretrizes de tratamentos do SUS que contraindicavam medicamentos como a hidroxicloroquina. O texto havia sido elaborado por especialistas e aprovado pela Conitec, comissão ligada à Saúde que avalia tratamentos da rede pública.

Para justificar a rejeição da diretriz, Angotti assinou nota que contraria entidades científicas ao apontar eficácia e segurança comprovadas da hidroxicloroquina para a Covid. O mesmo texto diz que a vacina não apresenta essas características.

Esse texto gerou reação e repúdio de especialistas e integrantes da própria Anvisa.

Procurados, Saúde, Planalto e Angotti não se manifestaram sobre as discussões para indicação à Anvisa.

Interlocutores do centrão afirmam que o ideal é indicar alguém de perfil mais discreto, que consiga a aprovação no Senado sem ruídos, em vez de tentar alimentar a briga com a Saúde.

Barra Torres foi decisivo em aprovar ou vetar nomes sugeridos dentro do governo para a agência, mas não irá participar das discussões sobre a próxima vaga. Integrantes do governo dizem que essas indicações despertam interesses do governo, Congresso e do lobby do setor.

A aposta da ala política do governo é que a indicação poderia servir no máximo para constranger Barra Torres e agradar apoiadores do presidente.

Antes aliado de Bolsonaro, o presidente da Anvisa passou a liderar decisões que desagradam o mandatário, como o aval para uso de vacina da Covid em crianças.

Bolsonaro ameaçou expor nomes de servidores da agência e sugeriu que havia interesses na aprovação dos imunizantes. Em resposta, Barra Torres cobrou retratação do presidente.

Os diretores da Anvisa têm mandatos de cinco anos. A vaga que abrirá em julho é ocupada hoje pela médica Cristiane Jourdan, que tenta a recondução com base em brechas da nova lei das agências.

Jourdan foi militante da fosfoetanolamina, a “pílula do câncer” e, antes de entrar na Anvisa, chegou a compartilhar publicações em defesa do tratamento precoce.

Na agência, não defendeu publicamente medicamentos sem eficácia e apoiou reações do órgão regulador aos ataques de Bolsonaoro. As chances de Jourdan conseguir novo mandato são consideradas também pequenas por integrantes do governo.

Integrantes do centrão afirmam que é cedo para escolher um nome para a indicação, ainda que a sabatina no Senado possa ocorrer antes de julho. Uma autoridade do governo que acompanha as discussões lembra que diversas sugestões às agências foram feitas precipitadamente e não prosperaram.

Barra Torres, por exemplo, foi o quarto indicado para a mesma vaga —os dois primeiros nomes foram apresentados ainda pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).

Em 2021 o governo ainda desistiu de duas sugestões à Anvisa, entre elas Roberto Dias, que acabaria mais tarde exonerado do cargo de diretor de Logística do Ministério da Saúde, em meio a apurações sobre supostas irregularidades na compra de vacinas.

Todos os cinco diretores atuais da Anvisa foram indicados por Bolsonaro, ainda que a agência hoje seja vista pelo mandatário como inimiga política.

​As especulações sobre a indicação de Angotti chegaram à Anvisa. Integrantes do órgão consideraram a ideia uma provocação, pois o secretário tem posições diferentes daquelas defendidas pela atual cúpula da agência em temas como vacinas e medicamentos para a Covid.

Angotti tem boa relação com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Ambos participaram de viagem do governo à Israel, em 2021, para conhecer um spray nasal anti-Covid. O secretário também esteve em transmissões nas redes sociais ao lado do presidente Bolsonaro.

Ao entrar no governo, em março de 2021, Queiroga tentou, mas não conseguiu retirar Angotti do primeiro escalão da Saúde.

O ministro também relatou incômodo com intervenções do secretário no debate sobre tratamentos do SUS. Isso porque Queiroga indicou o médico e professor da USP Carlos Carvalho, contrário aos fármacos ineficazes, para coordenar o grupo de especialistas que apresentou o parecer à Conitec.

Mas Angotti aponta possíveis conflitos de interesse neste grupo e pediu para a Comissão de Ética da Pública da Presidência investigar o parecer que contraindica o kit Covid, além de ter rejeitado o texto.

Ele tenta ainda exonerar a servidora Vania Canuto do comando da Conitec, pois ela votou a favor das diretrizes elaboradas por especialistas. Como mostrou a Folha, o secretário sugere a nomeação do biólogo Regis Bruni Andriolo ao cargo.

Desde que chegou ao comando da Saúde, Queiroga modulou o discurso e tem investido na pauta bolsonarista para se agarrar ao cargo. Ele passou a evitar o tema do kit Covid, ainda que admita a colegas que não vê benefícios no uso desses medicamentos.

Folha  

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