Como morreu Olavo de Carvalho

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Foto: Alan Santos/AFP

Olavo de Carvalho, morto nesta segunda-feira (24) aos 74 anos nos Estados Unidos, não gostava de ser chamado de ideólogo ou guru e costumava reagir com seu vocabulário típico, recheado de palavrões e expressões chulas, quando era associado a estes termos.

Não há maneira melhor, no entanto, de descrever a influência do escritor e filósofo sobre o governo de Jair Bolsonaro e a chamada “nova direita”, que surgiu com força avassaladora no cenário nacional em meados da década passada.

“Olavo tem razão” virou slogan em camisetas e faixas encontradas em manifestações de pessoas vestidas de amarelo, ou nos suvenires vendidos em eventos conservadores pelo Brasil, estampando de canecas a chaveiros.

A influência descomunal vinha da personalidade carismática de Olavo, que tinha a agressividade retórica como método e sobretudo do reconhecimento de liberais, conservadores, nacionalistas e proto-fascistas, de que ele foi um pioneiro.

Dez anos antes da explosão destra, Olavo já pregava solitário contra a dominação cultural da esquerda nas universidades, nos meios científico e artístico, na religião e na imprensa.

Em anos posteriores, quando vociferar contra ideias progressistas passou a ser moeda corrente, o velho guru foi elevado à condição de visionário.

O fato de ter morrido como referência para milhões de pessoas culmina uma trajetória pessoal improvável. Nas suas primeiras cinco décadas de vida, Olavo era uma figura que oscilou entre o obscuro e o folclórico.

Nascido em Campinas (SP) em 1947, interessou-se por filosofia desde a adolescência. Nunca teve uma carreira acadêmica formal, o que o levou a ser acusado por detratores, ao longo da vida, de não merecer ser chamado de filósofo.

O único curso formal de filosofia que fez foi na PUC do Rio de Janeiro, mas não chegou a completá-lo. Tornou-se autodidata e recorreu a professores particulares, conforme narrou na biografia oficial que consta de seu site.

“Não tendo encontrado, na época, cursos universitários de boa qualidade sobre os tópicos que eram de seu interesse, abdicou temporariamente dos estudos universitários formais e buscou professores particulares e conselheiros qualificados que o orientassem”, diz o site.

Durante toda a vida, foi um entusiasta do ensino domiciliar, livre da influência esquerdista que via no sistema formal.

Aos 18 anos, começou a colaborar com veículos de imprensa, numa relação que duraria décadas, o que não evitaria que, na fase final da vida, atacasse de forma dura e frequente a mídia.

Trabalhou como redator, repórter, copy desk (função hoje extinta) e colunista na Folha, Jornal da Tarde, O Globo, Zero Hora e publicações menores.

A partir da década de 1970, ampliou sua área de interesse, antes restrita à filosofia e ao jornalismo, para outros campos, como lógica, retórica, gramática e, para deleite de seus detratores, astrologia.

Aos que o ridicularizavam por guiar-se pelos corpos celestes, Olavo respondia que o estudo da astrologia existe há milênios e que é parte indissociável da formação cultural da humanidade.

Como ocorre com frequência na direita, ele recebeu seu batismo político na esquerda. Na juventude, chegou a flertar com o Partido Comunista Brasileiro e ter uma breve militância contra a ditadura, logo abandonada.

Segundo ele, o comunismo era inconciliável com sua crença da preponderância do individual sobre o coletivo.

Na autodefinição de seu site oficial, a tônica da obra de Olavo é “a defesa da interioridade humana contra a tirania da autoridade coletiva, sobretudo quando escorada numa ideologia ‘científica’”.

Depois do momento em que se desiludiu com a esquerda, passou a dedicar-se à desconstrução do mais importante formulador do socialismo científico, Karl Marx.

Graças em grande medida a Olavo, popularizou no debate público brasileiro o conceito do “marxismo cultural”, criado pela direita americana com contornos de teoria conspiratória.

Segundo esta linha de raciocínio, a esquerda, derrotada na Guerra Fria, manteve-se ativa mudando o campo de batalha da política para as ideias.

Assim, controlaria desde escolas primárias a universidades, além de veículos de comunicação, laboratórios, editoras e estúdios de cinema, entre muitos outros centros formadores de opinião.

A defesa do socialismo teria se transmutado em manifestações identitárias, defesa dos direitos humanos, ambientalismo e o malfadado “globalismo”, uma suposta tentativa de impor a culturas nacionais valores progressistas ditados por uma elite intolerante.

Pensadores como o italiano Antonio Gramsci (1891-1937) e os expoentes da Escola de Frankfurt, propagadores da noção de hegemonia cultural, entraram na linha de tiro da direita olavista.

A partir da segunda metade da década de 1990, os escritos de Olavo se tornam mais políticos, e seus livros ganham popularidade na medida em que a maré ideológica começa a virar para a direita.

Sucedem-se títulos como “O Jardim das Aflições” (1995), “O Imbecil Coletivo” (1996) e “O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Se Tornar Um Idiota” (2013), todos livros de cabeceira para a nova direita.

Em 2005, Olavo decidiu se mudar para os EUA, segundo ele em protesto contra a chegada ao poder do PT. Instalou-se em uma casa num subúrbio no estado da Virgínia e passou a adquirir maneirismos de um americano, como a prática do tiro e o uso de botas e chapéu.

De lá, por vídeo, criou um curso online de filosofia que, segundo estimativas de amigos, formou mais de 20 mil pessoas, tornando-se uma de suas principais fontes de renda. Entre seus alunos estiveram diversas autoridades que depois comporiam o governo de Jair Bolsonaro.

A onda conservadora que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e à eleição de Bolsonaro dois anos depois, definiu Olavo como seu farol ideológico.

Olavismo, olavista e olavete passaram a ser termos de uso corrente, da mesma forma que lulismo ou malufismo já foram.

Seus alunos e discípulos formaram a chamada “ala ideológica” do governo, que incluía ministros como Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Ricardo Vélez e Abraham Weintraub (ambos da Educação), assessores como Filipe Martins, parlamentares como Bia Kicis e os próprios filhos do presidente.

Ciosa de seu espaço no Executivo, essa ala destacava-se pela combatividade, e não apenas direcionada a opositores internos do governo. Um alvo corriqueiro do filósofo e de seu séquito eram os militares, acusados de “positivismo”, ou sejam de serem pragmáticos e não-ideológicos.

Ao longo da primeira metade do governo, os olavistas acumularam sucessos ao provocar a saída de figuras indesejadas, como os ministros Gustavo Bebianno e Carlos Alberto dos Santos Cruz.

Mas, num sinal de desgaste e dos acenos que Bolsonaro passou a fazer a lideranças da política tradicional, também acumularam derrotas, como as demissões de Weintraub e Araújo.

Sua vida pessoal era igualmente agitada. Teve oito filhos, de diversos relacionamentos. Na década de 1980, chegou a se dizer muçulmano durante um período.

Heloísa, sua filha mais velha, diz que essa suposta conversão foi apenas um subterfúgio do pai para ter três mulheres simultaneamente, algo permitido pela religião.

Rompida com o pai, ela o acusou numa carta aberta de 2017 de abandono intelectual, por não tê-la enviado à escola quando criança.

A falta de freios e a liberalidade com a verdade também lhe renderam dores de cabeça. Após acusar Caetano Veloso de pedofilia, foi processado e condenado a pagar uma indenização de R$ 2,9 milhões ao cantor e compositor. Sem dinheiro, deixou a dívida pendente e foi socorrido por amigos e alunos.

As posições questionando o aquecimento global e a gravidade da pandemia lhe renderam punições das grandes plataformas de tecnologia, que suspenderam rotineiramente suas contas.

Pressionada, a empresa de pagamentos Pay Pal, pela qual Olavo recebia o dinheiro dos alunos de seus cursos, encerrou sua conta, agravando seus problemas financeiros.

Também chegou a flertar com o terraplanismo, embora tenha dito que estava apenas mencionando enigmas sobre a trajetória retilínea de feixes de laser que a ciência não conseguia explicar.

Minimizou durante anos os perigos do tabagismo, e estava sempre com um cigarro entre os dedos em vídeos e lives. Decidiu parar de fumar quando suas crises respiratórias se agravaram, no final de 2020.

Olavo estava hospitalizado na região de Richmond, na Virgínia, nos Estados Unidos. No comunicado em que informou a morte, a família não revelou a causa.

Ele recebeu o diagnóstico de Covid-19 no dia 15 de janeiro, segundo administradores do grupo do Telegram que reúne os seguidores do ideólogo bolsonarista.

A mensagem sobre o diagnóstico para a doença foi compartilhada depois de Olavo cancelar por duas semanas consecutivas as lives que transmitia para os assinantes pagos de seu curso online.

Folha  

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