Moro usa STF para não revelar ganhos em consultoria
Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles
Com base em entendimentos do STF (Supremo Tribunal Federal), a defesa da empresa Alvarez & Marsal tem emperrado tentativa do TCU (Tribunal de Contas da União) de obter, oficialmente, informações sobre os rendimentos de Sergio Moro durante o período em que esteve contratado pela consultoria.
O ex-juiz da Lava Jato assinou contrato para trabalhar como consultor do braço investigativo da Alvarez & Marsal em novembro de 2020, sete meses após deixar o Ministério da Justiça do governo Jair Bolsonaro.
Esse contrato foi encerrado em outubro de 2021, antes de ele se filiar ao Podemos com a intenção de se candidatar à Presidência da República.
O mistério sobre o valor do salário de Moro na empresa virou tema de questionamentos de opositores e deve se tornar uma arma contra ele na campanha eleitoral.
Desde o início, a ida de Moro para a Alvarez & Marsal é motivo de controvérsia, já que a empresa foi nomeada judicialmente para administrar a recuperação judicial de firmas que foram alvos da Lava Jato.
Enquanto o ex-juiz ainda trabalhava para a consultoria, o TCU abriu um processo, sob a relatoria do ministro Bruno Dantas, para apurar se houve suposto conflito de interesse na atuação de Moro.
Esse processo foi iniciado após representação do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, que queria saber se houve prejuízos aos cofres públicos a partir de prática ilegítima de “revolving door” –quando políticos ou servidores viram lobistas ou consultores na área em que atuavam.
Em documentos enviados ao TCU, a Alvarez & Marsal expôs que, até dezembro de 2021, recebeu ao menos R$ 42,5 milhões em honorários de empreiteiras investigadas pela Lava Jato ao administrar seus processos de recuperação judicial: a Galvão Engenharia, a OAS e empresas do Grupo Odebrecht.
As empresas alvo da Lava Jato foram responsáveis pela maior parte do lucro da consultoria na área de recuperação e falência no Brasil. Só com a Odebrecht e a Atvos (braço agroindustrial da empreiteira), a consultoria recebe honorários médios de cerca de R$ 1,1 milhão mensais.
No mesmo despacho no qual determinou que a Alvarez & Marsal revelasse essas quantias, Bruno Dantas também ordenou que a companhia apresentasse “toda documentação relativa ao rompimento do vínculo de prestação de serviços com o ex-juiz Sergio Moro, incluindo datas das transações e valores envolvidos”.
Mas a defesa da Alvarez & Marsal se recusou a apresentar esses dados com base em decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal.
Um dos precedentes apontados é do plenário de 2008 e foi relatado pelo então ministro Menezes Direito. Outro é da segunda turma, de 2012, relatado por Joaquim Barbosa. Um terceiro, de 2015, teve como relator Luiz Fux, atual presidente da Corte.
Para a defesa, as decisões apontam que o TCU não pode requisitar informações que causem quebra de sigilo bancário em relações privadas.
“[A legislação] não conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes para determinar a quebra do sigilo bancário”, diz a decisão de Menezes. “O legislador conferiu esses poderes ao Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às Comissões Parlamentares de Inquérito, após prévia aprovação”.
“Embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enumeradas no artigo 71, II, da Constituição Federal, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa determinação na lei específica que tratou do tema”, acrescentou.
Já a decisão de Fux flexibiliza o entendimento e diz que “o sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos”.
“Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos”, continuou Fux.
O TCU, apesar do nome, não faz parte do Poder Judiciário. É um órgão de controle externo do governo federal e auxilia o Congresso no acompanhamento da execução orçamentária e financeira do país.
Ao negar os dados ao TCU, a Alvarez & Marsal diz que os contratos com Moro foram firmados por outras empresas do grupo (os braços de disputas e investigação nos Estados Unidos e no Brasil) e que havia cláusulas de confidencialidade que ficaram vigentes após o distrato.
“A apresentação destes contratos por empresa terceira encerra verdadeira quebra de sigilo de informações privadas, providência que se encontra além dos poderes conferidos a essa E. Corte de Contas, conforme decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal”, afirmou a empresa.
Segundo o Supremo, continua a empresa, o TCU só “pode quebrar sigilos de operações financeiras que envolvam recursos públicos, o que jamais seria o caso dos autos, uma vez que, aqui, demandou-se a apresentação de contratos celebrados entre empresas privadas e um consultor privado, sem qualquer vinculação com o erário”.
Moro foi procurado pela Alvarez & Marsal em meio a uma série de contratações de ex-autoridades que tinham acesso a dados de investigações, incluindo um ex-agente especial do FBI (a polícia federal americana), um ex-funcionário da NSA (agência de segurança nacional dos EUA) e um ex-vice-chefe da autoridade de regulação prudencial do Reino Unido.
O processo no TCU a respeito de Sergio Moro rendeu, no último mês, trocas de acusações. O setor técnico do órgão não viu conflito de interesses e se manifestou contra a representação e defendeu a atuação da Lava Jato a respeito da Odebrecht.
O procurador que foi sorteado para atuar no caso, Júlio Marcelo de Oliveira, também acusou o colega Lucas Furtado de atuação indevida no processo.
Furtado respondeu que sua atuação “se encontra respaldada nos regulamentos internos”, que não havia suspeição no seu caso, mas que deveria ser avaliada a de Júlio Marcelo, por supostamente ser “amigo do responsável em análise (ex-juiz Sérgio Moro)”.
Procurado pela reportagem, Moro afirma que nunca prestou “nenhum tipo de trabalho para empresas envolvidas na Lava Jato”. “Isso foi deixado claro, a meu pedido, no contrato que assinei com a renomada consultoria norte-americana”, afirmou, por meio de nota.
“Nos meses em que estive na empresa, trabalhei com compliance e investigação corporativa, ou seja, ajudando e orientando empresas a construir políticas para evitar e combater a corrupção.”
Ele afirma que a Alvarez & Marsal foi nomeada por um juiz para atuar na recuperação de créditos da Odebrecht e nunca trabalhou nesse departamento da empresa.
“Portanto, os argumentos de que atuei em situações de conflito de interesse não passam de fantasia sem base”, acrescentou.
A Alvarez & Marsal informou que tem sete unidades de negócios, que atuam de forma independente.
“Em projetos de reestruturação, a Alvarez & Marsal presta serviços para devedores, credores ou atua como administrador judicial, tendo participado dos principais processos de recuperação judicial do país desde o início da operação brasileira, assim como outras consultorias desse segmento”, informou.
A empresa também afirma que é o juízo do processo que define a nomeação e os honorários de um administrador judicial, que está sujeita à análise de credores, Ministério Público e demais partes envolvidas.
Ela diz que prestou todos os esclarecimentos solicitados pelo TCU “de forma tempestiva e colaborativa” e que a área técnica demonstrou não haver nenhum tipo de conflito.
“Vale esclarecer, mais uma vez, que Sergio Moro foi contratado para compor o time global de Disputas e Investigações (DI), unidade que não teve resultado incrementado por conta de projetos de reestruturação.”
A Odebrecht afirmou que a Alvarez & Marsal foi escolhida pelo juiz encarregado da recuperação judicial e que ninguém a recomendou para a empreiteira “pelo simples fato de que não compete à empresa escolher o administrador judicial”.
OAS e Galvão Engenharia não se manifestaram.
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