Para juristas, Bolsonaro ainda pode ‘consertar’ falta a depoimento
Foto: Marcos Correa
O presidente Jair Bolsonaro não compareceu à Superintendência da Polícia Federal em Brasília nesta sexta-feira, 28, para prestar depoimento no inquérito que apura vazamento de investigação sigilosa sobre um ataque hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral em 2018, desobedecendo a uma decisão do ministro Alexandre de Moraes.
Juristas ouvidos pelo Estadão afirmam que o nível de severidade de uma eventual sanção ao presidente Bolsonaro dependerá de sua capacidade de dialogar com Moraes. Porém, os advogogados divergem sobre a possibilidade de haver uma condução coercitiva do mandatário.
Por estar na condição de investigado pelo inquérito do Supremo, Bolsonaro não pode “apenas” faltar à oitiva ou se manifestar por escrito, possibilidade que é facultada às testemunhas.
Em agravo ao Supremo apresentado nesta sexta-feira, ministro-chefe da AGU, Bruno Bianco, pediu que o presidente não fosse ouvido até que o plenário se reúna para julgar determinação. A Corte, no entanto, só voltará do recesso forense do Poder Judiciário na próxima terça-feira, 1º.
Na avaliação dos advogados ouvidos pela reportagem, bastaria o registro do agravo no sistema do Supremo para bloquear o comparecimento de Bolsonaro à PF. No entanto, Moraes rejeitou o pedido do governo e manteve o depoimento de Bolsonaro à PF.
Segundo a advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a oitiva poderia ser remarcada se o presidente apresentasse uma justificativa plausível ao ministro. Ele poderia alegar, por exemplo, estar impedido de comparecer ao local devido aos seus compromissos oficiais, dado que a agenda pública de um chefe do Executivo tende a ser lotada.
Bolsonaro, contudo, tinha apenas dois compromissos marcados para esta sexta-feira, embora haja a ressalva de que um deles estava previsto para às 15h, uma hora após o horário marcado para o depoimento.
Vera ressalta que Moraes já demonstrou flexibilidade ao prorrogar de 15 para 60 dias o prazo concedido a Bolsonaro para que ele se manifestasse sobre data, local e horário de preferência, o que não aconteceu. Como chefe do Executivo, ele tem a prerrogativa de definir tais condições para seu depoimento.
Segundo Vera, a punição mais branda que poderia ser adotada contra o presidente seria o enquadramento no artigo 330 do código penal, que trata de desobediência à ordem legal de funcionário público. Contudo, ela avalia essa possibilidade como improvável.
Para o advogado criminal Pedro Beretta, sócio da Hofling Sociedade de Advogados, o desdobramento mais plausível é que Bolsonaro e Moraes atendam ao princípio da razoabilidade e resolvam a questão de forma discreta. “Podem chegar a um consenso e determinar qual a melhor forma de o presidente prestar esclarecimentos”, afirma.
O advogado descarta a possibilidade de o ministro expedir um mandado de condução coercitiva contra o presidente. Ele pondera, contudo, que, como já houve a prorrogação do prazo, seria “de bom grado” que Bolsonaro apresentasse uma justificativa convincente ao Supremo.
A condução coercitiva foi considerada inconstitucional pelo STF em 2018. À época, os ministros da Corte entenderam que a prática viola uma série de direitos, como o respeito à dignidade e à liberdade de ir e vir. Há uma ressalva, porém. Em situações excepcionalíssimas e quando a presença do investigado é imprescindível para a elucidação dos fatos no âmbito do inquérito, o magistrado responsável pelo caso pode, sim, expedir um mandado.
Vera elucida que a interpretação sobre a excepcionalidade da conjuntura ficará a critério de Moraes. Como já houve intimação prévia, o ministro pode determinar condução coercitiva, embora seja consenso entre os especialistas que essa ação não seria razoável. “A despeito dessa possibilidade, há a questão do respeito e deferência ao cargo de presidente da República”, afirma ela, acrescentando que a condução seria constrangedora levando em consideração a importância do cargo.
O advogado criminalista Davi de Paiva Tangerino, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), foi às redes nesta quinta-feira se manifestar contrariamente à determinação de Moraes. Segundo ele, a situação lembra a condução coercitiva sofrida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no âmbito da Lava Jato, considerada por ele inadequada. “A determinação do ministro Alexandre não me parece correta. Bolsonaro tem o direito ao silêncio. Deveria exercer mais vezes, aliás”, publicou.
Interpretação diferente tem o criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP, que defendeu a atitude de Moraes como apropriada. Ele aponta a inércia presidencial em agendar o depoimento como justificativa para que o ministro tenha determinado o comparecimento presencial e argumenta que o chefe do Planalto não tem salvaguarda para não prestar esclarecimentos. “A menos que — e pode ser que esse seja o caso, diante dos fatos que estão sendo apurados — ele se valha do direito ao silêncio para não produzir provas contra si mesmo.”
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