TV Brasil vira TV Bolsonaro com audiência ZERO
Foto: Reprodução
Durante a campanha de 2018, o então candidato a presidente Jair Bolsonaro prometeu privatizar ou extinguir a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), estatal criada em 2007 no governo Lula para ser a “BBC brasileira”, alusão ao grupo britânico que é referência em comunicação pública no mundo. A empresa, no entanto, virou alvo de críticas de aparelhamento político, o que a afastava do propósito de manter distância do governo de turno e, com isso, conquistar credibilidade. Face mais visível do conglomerado (que inclui rádios e uma agência de notícias), a TV Brasil, chamada pejorativamente por Bolsonaro na campanha de “TV do Lula”, não só continuou a dragar milhões de reais do contribuinte, como alcançou patamares inéditos de personalismo.
Motivos não faltam para chamá-la agora de “TV do Bolsonaro”. De janeiro a outubro de 2021, a programação de São Paulo, Rio e Brasília foi interrompida 177 vezes para veicular eventos ao vivo com o presidente, que totalizaram 7 292 minutos no ar (121 horas). Entre as aparições estão a famigerada live de julho, na qual, durante duas horas, Bolsonaro fez ataques infundados ao sistema eleitoral, além de inaugurações de obras e eventos militares ou religiosos (veja o quadro). Homenagens a atletas, cerimônias de promoção de oficiais e de entrega de espadim a cadetes responderam por 26 aparições. Com evangélicos foram sete, como os aniversários da Assembleia de Deus em Belém e Roraima e a consagração de pastores do Amazonas — foram quase quatro horas de eventos religiosos. Além do tom oficialesco, a programação com Bolsonaro na TV é reveladora das prioridades do presidente. Houve somente três aparições para tratar de Covid-19. Mais: o governo gastou com essas entradas 14,6 milhões de reais de janeiro a outubro, ante 1,8 milhão repassado durante todo o ano para campanhas públicas, como a de vacinação. As interrupções da programação são pedidas pela Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República por meio de ordens de serviço que determinam horário e local da cobertura, com base em um contrato firmado entre o governo e a EBC em 2019.
A “TV do Bolsonaro” só se tornou possível por uma decisão da atual gestão. Uma portaria da EBC, de abril de 2019, unificou a NBR, que fazia a cobertura oficial do governo, e a TV Brasil. Sob a justificativa de otimizar gastos, misturou-se o canal estatal com o público. Assim, a ideia de criar uma emissora nos moldes da BBC — que tem linha editorial independente do governo que a sustenta — perdeu de vez o sentido, já que o que caracteriza a comunicação pública é o foco no cidadão, e não no governante. “Transmitir eventos como sessões da Câmara é um fator de transparência quando há uma matéria sendo discutida. Tem uma diferença muito clara para uma solenidade de entrega de medalha”, afirma a pesquisadora Cláudia Lemos, presidente da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública).
A emissora ainda tem ganhado notoriedade pelas polêmicas em que se envolve, como a compra da novela Os Dez Mandamentos, da TV Record, por 3,2 milhões de reais, e o “abraço especial” que o narrador de uma partida entre Brasil e Peru mandou para Bolsonaro em 2020. Naquele ano, funcionários da EBC fizeram um dossiê com 138 episódios que classificaram como “denúncias de censura e governismo” na cobertura da estatal, envolvendo temas como violência policial, direitos LGBT e problemas com o auxílio emergencial.
Enquanto isso, a privatização prometida por Bolsonaro segue distante. A EBC custa 88,5 milhões de reais por ano para o governo e recebe 222 milhões de reais da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública. Ainda assim, dá um prejuízo anual de 550 milhões de reais — o que dificulta a sua venda. Em novembro, finalmente o BNDES finalizou um mapeamento de empresas para elaborar os estudos para a desestatização, um modesto primeiro passo. Nada mudou também nos últimos anos em termos de audiência, que continua a mesma da grade colocada no ar pela “TV do Lula”: zero.
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