Atitude do Telegram expõe falta de controle de redes pela legislação brasileira
Foto: Reuters
O Telegram ignora há cerca de seis meses uma determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) para retirar do ar publicação de Jair Bolsonaro (PL) com informações falsas sobre as urnas eletrônicas.
A decisão, do ministro Alexandre de Moraes, deu-se no inquérito que apura a responsabilidade do presidente no vazamento de dados sigilosos de investigação sobre um ataque hacker à Justiça Eleitoral.
O caso expõe na prática a dificuldade das autoridades brasileiras em lidar com o Telegram, que está na mira do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Em agosto passado, Moraes ordenou que uma publicação de Bolsonaro sobre a suposta vulnerabilidade das urnas fosse apagada do aplicativo. O texto, porém, segue no ar até hoje.
Outras redes sociais, como o Twitter e o Instagram, cumpriram a decisão do ministro e derrubaram o conteúdo. O Telegram nem sequer se manifestou no inquérito.
“O sistema eleitoral foi invadido e, portanto, é violável”, escreveu o presidente na mensagem que ainda consta em seu canal na plataforma.
Atualmente com sede em Dubai, nos Emirados Árabes, o Telegram se vangloria do fato de não colaborar com autoridades, ainda que seja alvo de decisões judiciais.
Como mostrou a coluna Painel, da Folha, investigadores na esfera cível e criminal que atuam em apurações sobre disseminação de fake news, discurso de ódio e desinformação não veem muita saída além do bloqueio do Telegram no Brasil.
As autoridades vêm tentando contato com a empresa, sem sucesso, o que torna inviável aplicar multas ou outras sanções em caso do descumprimento de ordens judiciais, como foi a de Moraes de agosto do ano passado.
Com pouca moderação e uma estrutura propícia à viralização, o serviço de comunicação é uma das preocupações do TSE para as eleições de 2022.
A dificuldade de alcançar o Telegram, que não tem sede nem representante legal no país, está inserida em um debate sobre os desafios de tornar legislações nacionais efetivas em um mercado de serviços na internet cada vez mais globalizado.
Nesse cenário, as opções seriam: aceitar o crescimento desenfreado de uma plataforma que não atende aos contatos do Judiciário brasileiro ou bloquear o Telegram até que a empresa passe a dialogar.
Nas últimas semanas, a corte eleitoral subiu o tom nas críticas ao serviço de comunicação e não descarta a medida mais drástica, que é o bloqueio.
A possibilidade do bloqueio do Telegram, como mostrou a Folha em recente reportagem, gera preocupação de parte dos especialistas na área, dadas as possíveis consequências da medida, que está inserida em um complexo debate não só da perspectiva legal como técnica.
Por outro lado, o Telegram não responde às autoridades, tampouco a pedidos da imprensa.
O presidente do tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, encaminhou um ofício ao presidente do Telegram com o objetivo de formalizar uma cooperação que vise o combate à desinformação. Não houve resposta até o momento.
Para Barroso, serviços de comunicação com papel relevante no pleito do segundo semestre não podem operar no país sem representação jurídica adequada, responsável pelo cumprimento da legislação nacional e das decisões judiciais.
O Telegram é atualmente um dos canais de comunicação prediletos de Bolsonaro, usado para divulgar ações de sua administração. Conta hoje com mais de um milhão de seguidores.
Na semana passada, Bolsonaro disse a apoiadores que o governo está “tratando” sobre o caso do aplicativo. “É uma covardia o que estão querendo fazer com o Brasil”, disse o presidente ao ser provocado sobre o tema.
Procurado pela Folha, o Palácio do Planalto ainda não se manifestou sobre o assunto.
O Telegram está na mira de ao menos duas apurações, uma na Polícia Federal e outra no MPF (Ministério Público Federal).
A mensagem de Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas, que ainda aparece no aplicativo, tem links que direcionam os leitores para arquivos do inquérito da Polícia Federal aberto após invasão cibernética a sistemas da Justiça Eleitoral em 2018.
Foi com base nesse material que ele e aliados encamparam, durante uma transmissão online, a tese de que o sistema eleitoral é suscetível a fraudes, suspeita rebatida pelo TSE. A polícia disse a Moraes que viu crime do presidente no vazamento dos dados dessa apuração.
Os links não funcionam mais porque os arquivos foram apagados de outras bases onde estavam hospedados. Essa providência, contudo, não foi do Telegram.
Foi usada uma rede social chamada “Brasileiros”, construída a partir da plataforma de código aberto Mastodon, para armazenar os documentos anexados.
Embora seja de agosto de 2021 e sobre um assunto tido como superado por ministros do STF e do TSE — a alegação de que o resultado das urnas eletrônicas é manipulável—, a publicação ainda disponível no Telegram é um exemplo dos desafios no combate à desinformação.
Além de Bolsonaro, outros pré-candidatos, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT), também contam com canais no aplicativo. O petista conta atualmente com 47 mil seguidores e Ciro, 19 mil.
A corte eleitoral já firmou parcerias com quase todas as principais plataformas tecnológicas e entende que exceções, caso do Telegram, não são desejáveis.
Na volta do recesso do Judiciário, informou o TSE, Barroso pretende discutir internamente com os ministros as providências possíveis. Ele conversa com seus sucessores no comando do tribunal, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
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