Bolsonaristas falaram sério sobre Bolsonaro evitar 3a guerra mundial

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Foto: ALAN SANTOS/PR

Homão da porra. Montado num cavalo branco, depois de caminhar sobre águas turvas e singrar mares bravios, o rei dos minions, comandante supremo do Vivendas da Barra e guerreiro implacável Jair Messias Bolsonaro marchou sobre os campos conflagrados da Praça Vermelha e nem precisou adentrar o Kremlin para evitar a terceira guerra mundial. O avião da FAB ainda não havia pousado em Moscou quando o presidente da Rússia anunciou a retirada de parte de suas tropas das fronteiras da Ucrânia. “Putin sinaliza recuo na Ucrânia; presidente Bolsonaro evita a 3ª Guerra Mundial”, alardeou o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles em imagem compartilhada em seu perfil no Instagram. No post, a informação vinha sobreposta a uma foto dos dois presidentes decorada com o logotipo da CNN. Instantes depois, uma nova manchete, dessa vez estampada na capa da Revista Time: “Prêmio Nobel da Paz 2022: Bolsonaro, o homem que poderá definir o futuro do Planeta. Com viagem à Rússia agendada, o Brasil tem papel fundamental na crise entre Rússia e Ucrânia”. Alvíssaras! Num estalar de dedos – e que dedos! – o mito faturava a honraria máxima dos visionários, dos abnegados, dos servos da Justiça. A imagem foi novamente postada por Salles, agora também no Twitter, pontualmente às 9h39. “Parabéns, Presidente!”, escreveu.

Ambos os posts, o que atribuía a informação à CNN e o que dava crédito à Time, espalharam-se pelas redes digitais feito rastilho de pólvora e alçaram a hashtag #BolsonaroEvitouAGuerra ao topo das citações no Twitter, com 140 mil ocorrências em menos de oito horas. Um desmentido publicado pela CNN às 10h07, afirmando que a primeira postagem do ex-ministro era falsa, que nada daquilo havia sido noticiado pelo canal, parece ter colocado lenha na fogueira. Moto contínuo, agências de checagem e telejornais foram instados a desmentir também a segunda notícia, incluindo, à noite, o Jornal Nacional. Agora, o entusiasmo de uns se somava à trollagem de outros. “Fake news”, carimbou a imprensa. “É só um meme; jornalista não sabe o que é ironia?”, rebateram bolsonaristas.

Sim, era meme. Sempre foi meme. O fato de ser um meme, no entanto, não serve de álibi nem deve ser utilizado como salvo conduto para sua veiculação, esquivando-se do dolo da desinformação. Hoje, vivemos num ambiente caracterizado pela escassez de letramento digital e de projetos de educação que tenham como proposta a democratização da linguagem das redes e a capacitação da população – em especial a parcela que não é nativa digital – para melhor lidar com as informações mediadas por novas tecnologias. Isso transforma as mídias sociais, sobretudo os aplicativos de mensagens, em terreno fértil para as chamadas fake news. Ao emular a sintaxe habitual dos meios de comunicação e empregar as logomarcas de canais munidos de credibilidade internacional, publicações aparentemente aleatórias como as de Ricardo Salles têm o condão de promover a confusão. Para uma parcela significativa do público-alvo dessas mesmas mensagens, possivelmente a que mais interessa por ser, em tese, a mais influenciável, é como jogar verde para colher maduro. Vai que cola.

Ao mesmo tempo, ambos os memes foram postados sem que os descritivos dos posts contivessem quaisquer elementos capazes de revelar que se tratava de uma piada, de uma brincadeira. É evidente que a boa ironia não pode vir ladeada por emojis, risos, kkkk, hahaha ou rsrsrs. Mas é também verdade que uma hipotética capa da Time acompanhada por um enunciado sintético e protocolar como “Parabéns, Presidente!” admite ambas as leituras, a séria e a jocosa, subterfúgio recorrente entre os que jogam verde e que, a qualquer momento, podem precisar responder em juízo. “Você não entendeu, não era assédio”, reage o homem assediador ao ser interpelado ou ter suas mensagens expostas publicamente. “Imagina, ela está perturbada, não está falando coisa com coisa”, insiste o machista abusador, numa prática conhecida como gaslighting. “Vocês são ridículos”, tuitou Ricardo Salles em resposta ao desmentido da CNN. E os iletrados digitais que se virem para navegar nos mares da web sem bater nos icebergs da desinformação.

Finalmente, há outros motivos para postagens como essas que extrapolam a ironia prosaica, o humorismo corriqueiro ou a desinformação deliberada. Trata-se, em última instância, de prospecção de mercado, para tomar emprestado um jargão econômico. Em linguagem militar, reconhecimento em força ou operação de reconhecimento. Por meio de táticas como soltar uma fake news disfarçada de ironia, o bolsonarismo testa seu poder de fogo: a recepção, os canais de difusão e a eficiência do conteúdo de suas mensagens. Quantas contas estão dispostas a reproduzir uma tag? Quantas contas vão além do compartilhamento e fazem a defesa do presidente? Quem são os soldados com a melhor mira, o maior alcance e a mais alta capacidade de interação? Que potencial têm suas redes de produzir notícias – o que antigamente chamávamos de factoides – e mobilizar jornalistas, interferindo de forma significativa na pauta do dia, da semana, do mês? No limite: que vantagens tudo isso traz para nosso candidato, ao colocá-lo em evidência e monopolizar o debate, relegando aos adversários os papéis de coadjuvantes?

Neste sentido, 140 mil tuítes com uma hashtag positiva em menos de oito horas não é de se jogar fora. Tampouco a enxurrada de análises, comentários e colunas de opinião – como esta – que vêm na esteira de um meme certeiro. O rebanho está on.

Uol 

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