Bolsonaristas já cogitam “plano B” caso o “mito” seja defenestrado
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters/VEJA
Três movimentos independentes _ do presidente do Banco Central, do presidente da Câmara e do ministro das Relações Exteriores _ indicam que personalidades do bolsonarismo se preparam para um plano de B de uma vida sem Bolsonaro. Ainda não é um desembarque, mas um indicativo de que parte da tripulação do bolsonarismo tem botes salva-vidas para a possibilidade de o navio bater em um iceberg
Em entrevista com palavras escolhidas com cuidado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse à jornalista Miriam Leitão que o mercado já está precificando uma vitória de Lula da Silva.
“O mercado passou a ser menos receoso da passagem de um governo para outro porque provavelmente um governo (Lula), que representava um risco com medidas mais extremas, está se movimentando para o centro”, disse Campos Neto, se referindo aos gestos do ex-presidente em montar uma aliança com Geraldo Alckmin.
Em outro gesto para acalmar os ânimos, o presidente do BC afirmou que ficará no cargo até o fim do mandato (em 2024, no meio do próximo mandato presidencial). “Farei tudo que estiver ao meu alcance para isso, exatamente para a gente ter certeza de que solidificou a representatividade que o Banco Central ganhou exatamente para atravessar o ciclo político com autonomia. Isso é bom para este governo e qualquer governo que venha”, disse.
Ao Valor, o presidente da Câmara, Arthur Lira, fez digressões sobre a relação do Congresso com um eventual governo Lula. Na entrevista, Lira mostra impaciência com a resistência de Bolsonaro com as vacinas: “Se o presidente se convencer de que ele contribuiu muito nisso tudo (na compra e distribuição de vacinas para a população), o que ele pensa para ele em si tem que ficar guardado para ele (ou seja, falar menos). Bolsonaro sempre disse que seria o último da fila (para se vacinar). Acho que a fila já rodou e minha opinião é que ele já deveria ter optado por se vacinar”.
Lira ainda minimizou a importância do ministro Paulo Guedes: “Guedes é como ele é, todo mundo sabe como ele é. É o Guedes. Ele vai continuar trabalhando, é responsável por muita coisa boa e, também, por alguns embates”.
Para o presidente da Câmara, é natural que o ministro da economia seja hierarquicamente inferior ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira: “Todo governo tem que ter uma hierarquização. O presidente da República, o ministro da Casa Civil e depois os outros ministros. O ministro da Economia tem que ser ouvido, é figura-chave com relação aos projetos econômicos, mas ele não pode ter a palavra final”.
Por fim, Lira indicou as prioridades das votações da Câmara e, embora algumas sejam de interesse do governo, ele excluiu as pautas de costumes que Bolsonaro prometeu aos líderes evangélicos.
Dragado para a crise Rússia-Ucrânia, o Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota oficial desvinculando as votações do Brasil nos organismos internacionais com as declarações de solidariedade de Bolsonaro a Putin. “As posições do Brasil sobre a situação da Ucrânia são claras, públicas e foram transmitidas em repetidas ocasiões às autoridades dos países amigos e manifestadas no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, justifica a nota da assessoria do ministro Carlos França.
O presidente Bolsonaro da entrevista e Arthur Lira é um aliado a quem eles defendem, mas não alguém que defina o seu futuro político. O Bolsonaro das declarações de Campos Neto e da nota de Carlos França é um superior hierárquico e que eventualmente deixará de ser. Nos três casos, existe vida para além de Bolsonaro.