Começam a aparecer erros na obra do metrô que ruiu
Foto: Divulgação/Governo de São Paulo
Embora ainda não se saiba o que causou o rompimento da tubulação de esgoto que abriu uma cratera em uma obra da linha 6-laranja do metrô de São Paulo, um engenheiro do metrô paulista e o presidente do Instituto de Engenharia afirmaram ao UOL que a máquina usada na escavação —tuneladora, ou tatuzão— estava perto demais da galeria de esgoto.
Segundo um dos engenheiros consultados, o tatuzão deveria passar a mais de 20 metros de distância da galeria (e não 3 metros como ocorreu). Outra opção seria a concessionária Acciona, responsável pela obra, ter protegido o entorno da tubulação por escoramento ou injeção de concreto.
A hipótese de que o tatuzão tivesse atingido a galeria de esgoto foi levantada inicialmente pelos bombeiros, mas foi desmentida pelo secretário de Transportes Metropolitanos, Paulo José Galli, logo em seguida.
Mestre em Planejamento Urbano pela USP (Universidade de São Paulo) e engenheiro civil do Metrô-SP, Nestor Tupinambá calcula em 22 metros a distância que o tatuzão deveria guardar da galeria de esgoto durante a escavação.
“Não trabalhei nessa obra, mas nossa experiência indica que era preciso uma distância maior da galeria para evitar dano ao solo”, afirmou Tupinambá, que também é diretor do Seesp (Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo).
Tem de haver uma distância de duas vezes o diâmetro da máquina. Se ela tem 11 metros de diâmetro, tem de haver 22 metros de distância na vertical para preservar.” Nestor Tupinambá, engenheiro civil
“A engenharia mostra que quanto maior a máquina, maior a deformação do solo”, explica. “Ela deforma o solo à sua volta conforme anda. Não é só na área de 11 metros de diâmetro do tatuzão, mas uma área um pouco maior, tanto à frente quanto acima do túnel.”
Ele afirma que em qualquer obra do metrô os engenheiros fazem um “controle de recalque, uma tradição”.
“O recalque relaciona a passagem da máquina com a deformação da superfície. Pode ser um alerta se, em três dias, o terreno desceu um centímetro, por exemplo. Os engenheiros analisam e decidem se o trajeto continua, para ou muda o traçado.”
“São muitas leituras espalhada por toda a superfície. Aquilo vai te avisando com antecipação o que está acontecendo no solo”, afirma.
Três metros de distância [entre tubulação e tatuzão] é pouco. Com certeza movimentou o solo e a galeria da Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo] não foi feita para isso. E não era função da Sabesp fazer um reforço ali.” Nestor Tupinambá, engenheiro civil
Procurada, a Secretaria de Transporte, a Acciona e a Sabesp não responderam até esta publicação. O tema foi tratado na tarde de ontem em entrevista coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes.
“A gente ainda está estudando as causas [do acidente], ela segue em estudo, mas nossa equipe desde o primeiro momento tentou mitigar o problema”, afirmou Lucio Mateucci, diretor da Acciona.
Ele disse que “a nossa tuneladora estava escavando, chegando a aproximadamente um metro e oitenta da chegada do túnel [o poço de ventilação e saída de emergência] e a aproximadamente três metros do interceptor de esgoto [a tubulação que se rompeu]”.
“Havia um tratamento para essa chegada, com duas linhas de enfilagem que protegia a chegada dessa tuneladora para qualquer problema”, afirmou. “Houve um carreamento de solo e posteriormente veio a disposição do esgoto que estava no interceptor e acabou carreando todo esse material para dentro do fosso.”
O secretário Galli saiu em defesa da Acciona. “Não é [pouca distância entre o tatuzão e a tubulação de esgoto da Sabesp]. Foram feitas as contenções pela empresa. Existem os projetos, a companhia sabia que existia o interceptor, fez as medidas para que não houvesse problema, mas teve”, declarou.
“Os engenheiros da Acciona estão fazendo todo metrô em Quito [capital do Equador]. Fazem metrô no mundo inteiro. Com todo respeito, sabem de metrô igual a nossos técnicos do Metrô. A responsabilidade técnica é deles e responderão por isso, estão assumindo todo processo. São gabaritados”.
Embora o ideal fosse a distância de 22 metros entre o tatuzão e a galeria, Tupinambá diz que seria muito caro mudar o traçado e que “o melhor tratamento seria uma injeção de concreto em volta da galeria do esgoto, como fizemos na linha 5-lilás”.
Ao contrário da construção da linha 6-laranja, que é feita pela iniciativa privada, o Metrô de São Paulo construiu toda a linha 5-lilás para só depois privatizá-la. O engenheiro, que participou do projeto, lembra de três galerias de esgoto bastante antigas no traçado do tatuzão.
“O Metrô injetou cimento em toda a volta das galerias”, diz. “Tivemos esse cuidado porque sabíamos que quando o tatuzão passasse por ali, o solo iria mexer. Graças à intervenção, nada aconteceu.”
Presidente do IE (Instituto de Engenharia), o engenheiro civil Paulo Ferreira concorda que o tatuzão deveria passar a uma distância maior da galeria.
“O acidente foi consequência de uma avaliação inadequada. O metrô sabia que ali passava uma obra da Sabesp, não havia dúvida sobre a posição”, disse.
“Com o tatuzão a três metros de distância, vai ter repercussão, desestabilização do terreno em volta”, diz Ferreira. “A pressão no terreno pode mudar o percurso da água no interceptor do esgoto, que fica acima.”
Ele explica que a galeria é feita de concreto, um material rígido que pode ter se rompido em razão da proximidade da máquina.
“A galeria deve ter dado uma movimentada, apareceu uma trinca e veio a avalanche”, avalia. “Com água não precisa de muito: ela rompe o resto. Eram 2.500 litros de esgoto por segundo.”
A sugestão do presidente do IE também é “consolidar o terreno em volta da galeria de esgoto com injeção de concreto”.
“Ou abre as laterais e faz um escoramento com perfis metálicos para que aquele tubo de concreto não se movimente. Essa injeção de concreto consolidaria o terreno, seria prudente, correto.”
Houve uma certa negligência na avaliação da obra. Subestimaram o risco.” Paulo Ferreira, presidente do Instituto de Engenharia
Ontem o Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito civil para investigar as causas do desabamento. Em nota, informou que também busca apurar “a extensão dos danos urbanísticos e ambientais decorrentes do incidente”.
O órgão comunicou que “a Sabesp e a CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] deverão prestar esclarecimentos, respectivamente, sobre a rede de esgoto e ordenação do trânsito na região”.
Na manhã de ontem, o Diário Oficial do Estado publicou a constituição do comitê criado pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos e a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente que irá apurar as responsabilidades sobre o incidente e monitorar o cumprimento das providências.
Na entrevista de ontem, o governador João Doria (PSDB) afirmou que a Acciona arcará com todo os custos da reforma.
Ela [Acciona] assumiu a responsabilidade sobre custos da obra, recuperação física do espaço e medidas da prefeitura para melhorar o fluxo na região” João Doria, governador de São Paulo
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