Fogo amigo é entrave ao projeto político de Lula
Foto: Carla Carniel/Reuters
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve avanços no esforço de construir uma frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro (PL), mas tem adiante obstáculos como desconfianças na área econômica, antipetismo, entraves partidários e um previsível massacre na campanha.
Hoje favorito da corrida presidencial, ele tem dito que não quer ser o candidato do PT ou da esquerda unicamente, mas de “um movimento” com alcance maior, incluindo forças sociais. Entra nessa conta a escolha do ex-tucano Geraldo Alckmin como vice, já apalavrada, mas ainda por ser concretizada.
As movimentações para convencer o universo político e o eleitorado de que seria o único capaz de liderar uma articulação que vá da esquerda à direita não bolsonarista envolvem também conversas de Lula com outrora rivais, como quadros históricos do PSDB, e líderes de partidos como de MDB e PSD.
Se no discurso petista o selo de candidato da unificação nacional já está grudado e não sai mais, fora das projeções otimistas —que martelam a possibilidade de vitória no primeiro turno— outros fatores se impõem.
Bolsonaro e aliados deixam claro que vão jogar pesado na desconstrução de Lula e seu arranjo. Falam em desenterrar escândalos de corrupção da era petista e explorar a derrocada econômica do fim do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff.
“O Lula está escondidinho, mas vamos relembrar tudo o que ele fez no verão passado”, diz o deputado federal e vice-presidente nacional do PL, Capitão Augusto (SP). “Aliança em torno dele? Se fosse um nome diferente, até poderia se pensar. Mas a rejeição dele é muito alta.”
No cálculo do bolsonarista, a campanha desidratará Lula, mas não a ponto de tirá-lo do segundo turno. “E aí vamos ver. A esquerda ainda tem uma força no Brasil, mas nunca será a maioria”, afirma.
Na pesquisa Datafolha de dezembro, o petista teve taxa de rejeição de 34%, mesmo percentual de João Doria (PSDB), com quem empata na segunda colocação. Bolsonaro tem a maior, com 60%.
“Só os petistas mais otimistas mesmo para acreditarem que dá para ganhar no primeiro turno”, alfineta o dirigente do PL. “Lava Jato, petrolão, a desastrosa gestão da Dilma… Vamos fazer questão de recordar tudo isso. Não creio que o discurso do Lula vá muito longe além da esquerda.”
O antipetismo, apesar de ter refluído, será reavivado com a aproximação do pleito, na ótica de Capitão Augusto.
Até mesmo o ex-governador Márcio França (PSB), próximo de Lula, tem feito prognóstico nessa linha. Ele usa as dificuldades que o PT poderá encontrar como argumento para defender sua candidatura ao Governo de São Paulo, em detrimento de abrir mão para o petista Fernando Haddad.
França, que foi vice de Geraldo Alckmin no governo, sustenta ser um nome mais palatável ao eleitor de perfil conservador, principalmente no interior do estado, que seria mais suscetível à retórica anti-PT. O apoio pleiteado por ele é um dos empecilhos na negociação da federação PSB-PT.
Obstáculos no caminho de Lula também são apontados na chamada terceira via, que tenta fabricar uma alternativa aos dois líderes. Operadores de candidaturas como as de Ciro Gomes (PDT) e Sergio Moro (Podemos) rebatem a tese de que o petista seja a figura da conciliação.
“Ninguém pode, no mês de fevereiro, fazer a análise de que já há alguém específico liderando as forças contra o bolsonarismo, enquanto outros partidos do campo de centro estão construindo uma unidade que pode desempenhar esse papel”, diz o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo.
Embora tenha escolhido Doria, o partido viu se agravar o racha interno após as prévias e tem agora correntes discutindo outras opções, que envolvem aproximação com Simone Tebet (MDB) e o resgate do derrotado na votação interna tucana, Eduardo Leite, em eventual jogada com o PSD.
“Lula, pessoalmente, carrega o ativo de ter tido um papel importante na distribuição de renda, mas o tema dos males causados pelo PT seguramente cresce no processo eleitoral”, avalia Araújo, para quem “até aqui o bolsonarismo é o maior cabo eleitoral do PT”.
O setor tem discutido também a falta de clareza, até o momento, do programa econômico petista, diante de incertezas sobre guinadas na condução da política fiscal e desequilíbrio nas contas públicas. Lula já discute, por exemplo, rever o teto de gastos e a reforma trabalhista.
Um proeminente articulador da centro-direita, que participa das costuras para fortalecer um projeto desse segmento e falou à Folha sob reserva, diz que o momento de crise aguda exige que as campanhas eleitorais apontem caminhos em duas direções.
Uma delas é no âmbito institucional, propondo a recuperação da ordem democrática e dos pilares constitucionais. E a outra é na esfera econômica, com um projeto claro e de longo prazo, que proponha saídas para a estagnação do crescimento e o isolamento internacional.
É sobretudo nesse segundo aspecto, conforme a visão do político, que Lula é tratado com ceticismo no mercado e nos círculos liberais. A sigla, em resposta às insinuações de radicalismo, afirma que o setor privado já sabe que a gestão do ex-presidente ofereceu segurança e que não há riscos.
O ex-ministro petista Tarso Genro, afinado com a proposta de que o PT “não deve liderar uma frente exclusivamente de esquerda”, defende “um programa que gere uma interação entre setor público e privado, balizada pelo Estado, mas em conjunto com a iniciativa privada, que demanda previsibilidade”.
“Estamos vivendo outra época [em relação à da primeira gestão de Lula], não é mais um projeto baseado em commodities. Tem que ter uma dinâmica nova, mas não será norteada pelo capital financeiro especulativo”, diz à Folha o ex-governador do Rio Grande do Sul.
Aloysio Nunes, um dos tucanos históricos que foram procurados pelo ex-presidente, endossa parte das críticas. “O programa para a economia ainda tem que ser entendido. E essa história da [regulação da] mídia causa estranhamento, temos que ficar atentos”, afirma.
Aloysio, que esteve com o petista em duas ocasiões desde o fim do ano passado, tem repetido que a mensagem de Lula nas conversas foi a de que, caso eleito, precisará de “um mutirão para governar”.
Candidato a vice de Aécio Neves (PSDB) em 2014, o ex-senador diz que o petista não fez pedidos, embora se saiba que ele espera que as chamadas forças democráticas o abracem ao menos em um segundo turno contra Bolsonaro.
“O plano de se criar em torno dele um movimento pressupõe ideias capazes de juntar gente e mobilizar vontades, e isso ainda não está claro. Não sei se o Lula será esse aglutinador. O fundamental para mim é derrotar o Bolsonaro, e isso passa acima de qualquer questão de ordem partidária”, segue Aloysio.
Para ele, no entanto, é salutar “diante da excepcionalidade da situação” o diálogo entre lados antagônicos. “Essa intenção de fazer um grande mutirão é muito positiva, mas tem que ver a partir de quais propostas”, reitera.
O ex-presidente falou com outros tucanos considerados discípulos do “PSDB da Constituinte”, como Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati. A mensagem é a de que é preciso recuperar a credibilidade da política após os ataques de Bolsonaro e buscar consensos mínimos.
“Do ponto de vista da política, Lula está correto em buscar demonstrar que tem amplitude no diálogo quando parte da sociedade continua desconfiando do PT na Presidência da República”, diz Bruno Araújo. “Encontrar-se com ele é algo do foro íntimo de cada uma dessas lideranças [tucanas].”
Em 2018, quando o ex-presidente foi impedido de concorrer e acabou substituído por Haddad, o PT estava coligado só com PC do B e PROS. Desta vez, são dadas como certas na composição siglas como PC do B, PSOL, PSB, PV e Solidariedade.
De fora do segmento da esquerda, há a sinalização de setores e nomes influentes do MDB e do PSD. Se o primeiro dificilmente fechará apoio formal —hoje trabalha a pré-candidatura da senadora Simone Tebet—, o segundo não está totalmente descartado —seu presidente, Gilberto Kassab, é assediado, mas resiste.
A expectativa é que a candidatura do PT seja favorecida pela acentuada divisão interna na maioria dos partidos. Com o favoritismo do ex-presidente, os mais pragmáticos não querem comprar briga com eleitores dele.
Até siglas do centrão alinhadas a Bolsonaro podem liberar seus diretórios estaduais do apoio ao atual presidente, diante da pressão de deputados e candidatos a governador que são simpáticos a Lula ou querem ao menos o benefício da neutralidade, preservando suas próprias campanhas.
Nos últimos dias, surgiram indícios nessa linha. O PP, um dos símbolos do centrão, dispensou as direções estaduais de mencionarem Bolsonaro ou o governo na propaganda partidária em TV e rádio, conforme noticiou o jornal O Globo. Líderes regionais da legenda flertam com o petista.
Em uma movimentação inusitada, antecipada na Folha pelo Painel, integrantes do governo Romeu Zema (Novo) ensaiam apoio ao ex-presidente em Minas Gerais, em tática para atrair eventuais eleitores lulistas e distanciar o governador de Bolsonaro. No estado, o PT negocia com Alexandre Kalil (PSD).
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