Militares vão perdendo espaço no governo
Foto: Dida Sampaio/Estadão
Às vésperas da eleição, o poder dado ao Centrão pelo presidente Jair Bolsonaro quase forçou os generais de quatro estrelas da reserva no Palácio do Planalto a vestirem de vez o pijama. O “clube militar” do primeiro escalão palaciano, hoje diminuto e formado por Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional – GSI) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria Geral da Presidência), perdeu influência nos rumos do governo e segue alijado das principais decisões da campanha à reeleição.
Apesar de ainda cultivarem prestígio pessoal junto ao chefe, os generais de Exército Heleno e Ramos não participam do núcleo duro do comitê bolsonarista. Estão, no linguajar da caserna, “na reserva” da cúpula da campanha. Os homens fortes são os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fabio Faria (Comunicações), o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Dos generais que cercavam o presidente, ex-ministro da Casa Civil e hoje no comando da pasta da Defesa, general Braga Netto, segue forte no governo e chegou a ser cotado para assumir uma eventual candidatura a vice na chapa de Bolsonaro à reeleição.
Mas ainda há uma brecha para que o grupo recupere espaço. A próxima reforma ministerial, de viés puramente eleitoral, deve mudar a configuração do governo, abrindo ao menos dois espaços no Planalto: Comunicações e a Secretaria de Governo (Flávia Arruda, do PL). Ao todo, serão 11 novos rostos, de acordo com projeções do presidente. E Bolsonaro quer indicar, preferencialmente, secretários executivos que já compõem o segundo escalão como “ministros-tampão”.
Amigos de Bolsonaro desde a caserna, Heleno e Ramos devem ficar no governo e podem recuperar terreno. Mas ambos ocupam hoje cargos mais ligados à rotina administrativa do Palácio e do presidente, embora sigam a poucos metros do gabinete dele. Heleno comanda o setor de inteligência, a segurança presidencial, inclusive durante a campanha, e assessora Bolsonaro em assuntos de defesa e segurança nacional. Ramos tem, além das tarefas administrativas, a poderosa secretaria de assuntos jurídicos, por onde passam projetos de lei e atos do presidente.
Ao Estadão, o GSI informou que Heleno não está filiado a nenhum partido e também não prevê deixar o governo no prazo até abril, para disputar qualquer cargo eletivo. Em 2018, Heleno chegou a ser uma das opções para a posição de vice, antes da escolha de Hamilton Mourão (PRTB). À época, porém, o chefe do GSI era filiado ao antigo PRP, hoje parte do Patriota, e a sigla nanica barrou a aliança.
Heleno rebate reiterados rumores de que se movimenta politicamente para compor uma chapa como vice de Bolsonaro. Ministros palacianos, porém, desconfiam das intenções do chefe do GSI. A ala política diz que Heleno age nos bastidores e quer ficar à disposição de Bolsonaro. Ele nega: “Não estou ‘atuando’ para ser vice-presidente da República. Não fiz e não farei isso”.
O general foi um dos primeiros colaboradores e formuladores políticos e de programa de Bolsonaro, ainda na campanha de 2018. Chegou ao governo visto como uma voz equilibrada e influente, com ampla experiência midiática. Aos poucos, Heleno perdeu a aura de moderador e de referência, por manifestações radicalizadas, e por percalços em sua própria área, como as suspeitas de envolvimento irregular da ABIN em atividades fora de sua alçada, o que ele nega, o flagrante de tráfico de cocaína por um militar em avião da comitiva presidencial, e falas vistas como ameaçadoras ao Supremo Tribunal Federal.
Ramos, por sua vez, perdeu força política ao mudar de cargo. Ele não é filiado a partido, nem vai deixar o governo, segundo assessores. Ramos age informalmente como “conselheiro” pela proximidade com o chefe, dando opiniões, e com a proximidade com políticos que ainda guarda pelas funções que desempenhou antes no governo.
Em conversas reservadas, Ramos deixou transparecer aos colegas do governo que estava desgostoso e incomodado por ter perdido o protagonismo político para o Centrão. A pessoas próximas, o ministro alega que, apesar de mais distante das decisões do governo e da campanha à reeleição, continua desfrutando da intimidade do presidente e dando conselhos a ele.
O ministro, que já foi acusado por aliados de Bolsonaro de ser puxa-saco e fofoqueiro, costuma dizer que é leal ao presidente e participa das atividades fora de Brasília, como passeios de moto com simpatizantes e viagens para inaugurações de obras.
O Estadão presenciou uma conversa em que um ministro de origem militar relatou a outro que o secretário-geral da Presidência deixou-se insuflar pelo poder e depois sentiu a queda, ao perder o comando da Secretaria de Governo e depois da Casa Civil.
Hoje, tanto Heleno quanto Ramos estão mais reclusos e concedem menos entrevistas do que de costume. O rosto do governo para isso tem sido Ciro Nogueira e Flávio Bolsonaro. Seus gabinetes, antes concorridos e frequentados por embaixadores, lobistas e parlamentares, vivem um período de baixa.
Desde dezembro, Ramos recebeu cinco parlamentares em seu gabinete e foi a um culto da Frente Parlamentar Evangélica – ele é membro da Igreja Batista. Heleno, só abriu sua agenda para audiência com um. O secretário-geral da Presidência fez três encontros de trabalho com Bolsonaro. Heleno, nenhum, embora despache diariamente pela manhã com o presidente. Essa atividade comum a todos os chefes do GSI não fica registrada na agenda.
A fase de ostracismo é rompida porque ambos continuam viajando com Bolsonaro. São figurinhas carimbadas no avião presidencial, levando consigo a força simbólica da presença das Forças Armadas no governo. Bolsonaro não desprestigiou seus generais mais próximos e inclusive ambos estão na comitiva que viajou a Moscou nesta semana, para encontros bilaterais com o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
O “clube” de oficiais na reserva política tem um outro general: Eduardo Pazuello. O ex-ministro da Saúde não chegou a estar no centro do poder palaciano quando estava na ativa da Pasta, mas foi protagonista das ações contraditórias de Bolsonaro no combate à pandemia. Atualmente, Pazuello ocupa um cargo sem relevância administrativa na estrutura da presidência da República.
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