Por que Lula tira votos de Bolsonaro em Goiás
Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
O sinal de alerta foi aceso para a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) justo em um dos estados mais visitados por ele durante o mandato, até então, e onde esperava-se que ele obtivesse apoio semelhante ao registrado nas eleições de 2018. As primeiras pesquisas eleitorais deste ano sobre a corrida presidencial, em Goiás, não o trazem como líder nas intenções de voto, mas sim seu oponente-mor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Apesar da tendência que se mostra como um indicativo em âmbito nacional, chama a atenção a situação em Goiás, onde o presidente também se afastou gradualmente do governador Ronaldo Caiado (DEM). O estado é um lugar onde maioria do eleitorado tende a se posicionar de maneira mais conservadora, e além, claro, de ser um estado conhecido pelo agronegócio pujante, segmento econômico que apoiou e se manteve ao lado de Bolsonaro.
Na prática, o que os analistas percebem é que a conexão entre o discurso do presidente e o que os eleitores identificam como pertinente para o momento parece ter se esvaziado, até mesmo entre alguns integrantes do agro. Em pesquisa encomendada pela Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Goiás (Acieg), realizada pelo Instituto Serpes, de 21 a 24 de janeiro deste ano, Lula lidera tanto na espontânea quanto na estimulada.
Ao todo, 801 pessoas foram entrevistadas em 33 cidades goianas. Na espontânea, quando o eleitor expressa o candidato sem que seja apresentado a ele as opções de voto, Lula foi citado por 28,7%, enquanto Bolsonaro foi lembrado por 23%. Já na estimulada, quando é apresentada ao entrevistado uma cartela de opções de candidatos, Lula obteve 40% e Bolsonaro 27,8%, seguidos por Sérgio Moro com 8,1%.
Em 2018, o presidente venceu nos dois turnos em Goiás. No primeiro, ficou com 46% dos votos e, no segundo, com 55,1%. Só em Goiânia, ele obteve 74,2% dos votos válidos no segundo turno. Em 2021, ele esteve na capital do estado algumas vezes – chegou a participar de um culto evangélico numa Assembleia de Deus e liderou uma motociata.
Nas duas ocasiões, a militância esteve presente. Resta aos analistas saber se esse grupo, que para alguns já foi maior e mais histérico, representa, ainda, a maioria do eleitorado goiano. As primeiras pesquisas indicam que não. No dia a dia, o que se percebe entre a população é que o desempenho dele como presidente não teria correspondido às expectativas.
Nos dois lados dessa moeda, aliados de Lula e Bolsonaro em Goiás reagiram de formas diferentes a essa primeira percepção das intenções do eleitorado local. O deputado federal Rubens Otoni (PT-GO) diz que não se surpreendeu com o resultado das pesquisas, apesar de todas as características do estado. Já o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) alega que esses resultados não representam a realidade.
“Tenho alertado as pessoas sobre isso [Lula na frente], desde o primeiro semestre do ano passado. A cortina tinha sido aberta e a máscara havia caído. A população já estava percebendo o que estava por trás desse governo. É um reflexo da realidade nacional. Mesmo em outros estados, também de perfil mais conservador, os resultados já indicam Lula em um cenário mais favorável. É uma mudança nacional”, afirma Otoni.
Vítor Hugo, que se diz pré-candidato ao Governo de Goiás, apoiado por Bolsonaro e concorrendo contra o ex-aliado Caiado, alega que as pesquisas feitas, até então, refletem o desejo de uma minoria. “Estive com o presidente mais de 20 vezes em Goiás e ele foi extremamente bem recebido e admirado pela população. E isso é o tipo de coisa que a gente não vê acontecer com o Lula. Há quanto tempo Lula não pisa em Goiás?”, questiona o major.
Do lado do PT, uma das estratégias para fomentar a candidatura de Lula é ampliar o diálogo com os mais diversos setores, inclusive com o agronegócio. Otoni defende que tanto Lula quanto Dilma, durante as respectivas gestões, mantiveram conversas e alianças com representantes do setor agropecuário. “O pessoal conhece o Lula e ele tem interlocutores no agronegócio. A impressão que eu tenho é que isso tende a aumentar”, expressa o deputado.
O cenário em Goiás, talvez, seja capaz de favorecer essa aproximação estimada por Rubens Otoni, especialmente com os pequenos e médios agricultores. Os sócios e proprietários da empresa Santa Dica, que realiza pesquisas de opinião e mercado no estado, Kaumer Nascimento e Kim Macherini, apontam que o agronegócio goiano lida com diferentes nuances hoje. E elas refletem, diretamente, no contentamento e satisfação de parte dos produtores rurais em relação ao governo atual.
Ao mesmo tempo que existem os grandes produtores que lucram com o preço alto do dólar, ao exportarem soja e outras commodities, existem também os pequenos e médios produtores que não conseguem produzir como antes, em razão dos efeitos da inflação crescente.
Com matéria-prima e maquinários cada vez mais caros, o poder de compra e produção de fazendeiros com menor poder aquisitivo ficou limitado. “O agronegócio está bom? Está. Mas você chega hoje numa cidade de 10 mil habitantes, em Goiás, e consegue numerar ali 10 pessoas, somente, que estão tendo benefícios reais. O restante, não. Temos muitas camionetes, mas a quantidade de carro pequeno é muito maior”, ilustra Kaumer.
O sócio dele, Kim, cita que uma das tendências que tem se revelado, em Goiás, diante do contexto limitador, é o arrendamento de terras. Produtores que não conseguem investir na produção própria estão alugando as terras para que produtores maiores possam plantar (principalmente, soja) e lucrar com a alta do dólar. Hoje é comum, por exemplo, no estado, casos de produtores que possuem plantações fracionadas, em diferentes propriedades alugadas.
Esse grupo investidor, no entanto, apesar do montante gerado, é composto por poucas pessoas, o que evidencia o fortalecimento da concentração de renda. “O agronegócio é um destaque pelo volume de dinheiro que é gerado em Goiás, mas, ao mesmo tempo, somos um dos estados mais desiguais do país. Há um descontentamento, porque os pequenos produtores não conseguem produzir como antes”, aponta Kim.
O debate eleitoral em 2022, após inflação na casa dos dois dígitos em 2021 (10,06%), contínuo aumento de itens básicos de consumo e desemprego elevado, tende a ser pautado, em grande parte, pela questão econômica. E para essa dor da população, na visão de analistas, ainda não há uma solução apresentada por parte do governo atual. Pelo contrário, existe certa insistência de Bolsonaro no discurso ideológico, que já não aglutina mais como em 2018.
Goiás, além de estar inserido nesse contexto nacional, possui, ainda, algumas peculiaridades. Em boa parte de 2021, a inflação no estado e em Goiânia foi a mais alta do Brasil, no comparativo com outros locais. Puxada, principalmente, pela alta do combustível, da energia elétrica, da carne e de outros alimentos, a elevação dos gastos para os goianos impactou diretamente na qualidade de vida.
Pesquisa sobre o desempenho do varejo, divulgada na quarta-feira (9/2) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que as vendas em supermercados de Goiás, em 2021, registraram um volume abaixo da média nacional. Enquanto no estado a redução foi de -9%, no Brasil o índice negativo ficou em -2,6%, um reflexo imediato da perda do poder de compra por parte da população.
O cientista político Pedro Mundim, que é professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), acredita que, por mais que uma parcela minoritária da sociedade ainda se baseie na defesa de valores conservadores, a parte majoritária está preocupada com outros aspectos. “Provavelmente, a economia. Acho que ela voltou a ser a questão mais saliente na cabeça das pessoas”, afirma ele.
Do ponto de vista político, o imaginário goiano sempre foi tomado, ao longo da história, por líderes fortes, regionais, que existem e independem de uma influência nacional. Foi assim com Iris Rezende (MDB), com Marconi Perillo (PSDB), cujo grupo ficou 20 anos no poder e, claro, com o atual governador, Ronaldo Caiado, que vem de família com importante papel na história política do estado.
Nos últimos anos, muito se falou sobre as consequências do provável afastamento entre Caiado e Bolsonaro. Apesar da cordialidade mantida entre os dois, visando a realização de projetos e obras no estado, no ringue político da articulação local, os dois deverão estar em lados opostos este ano. Nos bastidores, a avaliação é de que esse afastamento será positivo para Caiado, que já aparece em primeiro lugar nas pesquisas para reeleição.
“O que está se apresentando é um certo esvaziamento das características da eleição de 2018, que teve uma marca que parece que não será renovada agora. Acho que em razão de um conservadorismo mais extenso em Goiás e mesmo a aliança com o governador [Caiado], permitiu ao Bolsonaro uma votação [na eleição passada] que tenho quase certeza que ele não vai ter mais aqui”, estima o doutor em ciência política e professor aposentado da UFG, Itami Campos.
No governo bolsonarista existe, ainda, um outro indicativo político, na visão de Campos, que complica a articulação e sucesso em âmbito regional. Trata-se da falta de uma figura expressiva de Goiás na composição dos ministérios ou ocupando algum cargo importante.
“O deputado Vitor Hugo, que inclusive pleiteia um espaço para ser o candidato de Bolsonaro em Goiás, não tem expressão suficiente para confrontar Caiado”, afirma Itami. O deputado apareceu na pesquisa Serpes, realizada no final de janeiro. Na espontânea, ele foi citado por apenas 0,2% dos entrevistados e, na estimulada, por 2,6%. Enquanto isso, Caiado obteve 37,1% na estimulada.
O Partido Liberal (PL), sigla da qual o presidente faz parte, articula aproximação ao pré-candidato ao governo, Gustavo Mendanha (sem partido), que é prefeito de Aparecida de Goiânia. Vitor Hugo diz que percebe o esvaziamento dessa aliança e que o candidato do partido será coordenado via Brasília.
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