Rússia cede e decide negociar sobre Ucrânia

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Foto: Alexei Nikolsky/Sputnik/AFP

Com a crise entre Rússia e Ucrânia entrando em uma semana decisiva, o governo de Vladimir Putin emitiu sinais de abertura diplomática ao Ocidente.

É um padrão repetitivo, que reforça as suspeitas daqueles que acreditam que Putin quer dizer que está pronto para a guerra, mas que de fato não pretende iniciar uma.

No raciocínio inverso, vocalizado por críticos do russo principalmente nos EUA e no Reino Unido, há o temor de que ele só esteja ganhando tempo para preparar uma ação militar contra o vizinho.

Seja qual for a verdade, a sinalização foi dupla, dada por ministros de seu governo em encontros televisionados no Kremlin –ou seja, havia a intenção de passar um recado público.

No primeiro, o chanceler Serguei Lavrov disse que a Rússia deve continuar negociando com o Ocidente, e que “há possibilidade de um acordo”.

Ele disse ao chefe que os EUA apresentaram “propostas concretas” para reduzir as tensões, mas que a Otan (clube militar liderado por Washington) e a União Europeia ainda não seguiram tal caminho.

Depois de falar que a Rússia não deveria ser enrolada pelo Ocidente em suas demandas, que basicamente são manter a Ucrânia fora da Otan e limitar a posição militar de membros ex-comunistas que aderiram ao bloco após 1999, ele foi ao ponto.

“Eu acho que há sempre chance [de um acordo]. E me parece que nossas possibilidades estão longe de terem sido exauridas. Neste ponto, eu sugiro que continuemos a trabalhar nelas”, disse Lavrov.

Na sequência, recebeu Serguei Choigu (Defesa), que jogou em dois campos. No da diplomacia, informou que “parte de nossos exercícios militares já está acabando”, uma senha que pode significar alguma desescalada.

Desde novembro, Putin concentrou cerca de 130 mil soldados em torno da Ucrânia, incluindo aí 30 mil em manobras agora na Belarus e um exercício naval que começou sua fase ativa nesta segunda (14) no mar Negro.

Se as tropas efetivamente voltarem a seus quartéis de origem, Putin poderá dizer que apenas fez o prometido e o Ocidente, cantar alguma vitória.

Por outro lado, Choigu alertou para um incidente do fim de semana, quando forças russas baseadas em Vladivostok localizaram um submarino americano rondando águas territoriais de Moscou no Pacífico.

O Pentágono negou que sua embarcação tenha sido afastada por um destróier russo, conforme circulou na imprensa moscovita, mas o caso mostra que a tensão está em todo canto.

Com isso, a Rússia se mantém em aquecimento, por assim dizer, mas diz ao Ocidente que a “invasão iminente” cantada pelos EUA ao longo da última semana não seria assim tão iminente.

A Ucrânia segue denunciando o alarmismo, ciente do dano econômico que sofre. Seu embaixador em Londres, contudo, teve de voltar atrás após ter dito à BBC que a questão da entrada na Otan poderia ser rediscutida –uma concessão para acabar com a crise agora, se real.

O temor do alarmismo em Washington é palpável: o governo britânico convocou uma reunião de emergência e mais embaixadas estão reduzindo seu contingente em Kiev.

“A posição russa é o clássico caso em que se bate com uma mão e se afaga com a outra”, disse o cientista político Konstantin Frolov em seu escritório em Moscou.

Ele não acredita na invasão da Ucrânia nos termos ocidentais, mas não descarta alguma ação militar pontual envolvendo as áreas dominadas por rebeldes separatistas pró-Rússia no Donbass (leste ucraniano).

Um sinal neste sentido foi dado pela Duma (Câmara Baixa do Parlamento), que iniciou oficialmente o debate para sugerir o reconhecimento das duas “repúblicas” rebeldes, de Lugansk e Donetsk.

Isso teria grandes implicações, até porque Moscou já distribuiu 700 mil passaportes a cidadãos desses locais, que são majoritariamente russos étnicos.

Aí, seria esperar a reação ucraniana. Se fosse pela via militar, as repúblicas podem pedir ajuda militar a Putin –como seus líderes já sugeriram, já que apenas 10 mil dos 35 mil soldados por lá estariam em condições de batalha.

Neste caso, o Kremlin diria que não invadiu, mas ajudou aliados, causando dano às Forças Armadas ucranianas e talvez criando clima para a instalação de um governo menos resistente a Moscou –ou o contrário, este é o risco.

Pelos Acordos de Minsk, que estabeleceram um frágil cessar-fogo em 2015, os separatistas teriam direito a certa autonomia, o que na prática pode significar o fim das chances de entrada na Otan e na UE, seja por conflito territorial, seja por direito a veto em decisões do tipo.

Por isso Kiev nunca os implementou, apesar de ter assinado, alegando coação à época. Hoje, potências europeias como a França querem a adoção dos termos, que são deliberadamente vagos e favorecem a leitura russa.

Outro país envolvido neles, a Alemanha, resolveu entrar no jogo após Emmanuel Macron ter passado certa vergonha ao levar recados de Putin para Volodimir Zelenski na Ucrânia, na semana passada.

Nesta segunda, o novo primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, visita Kiev. Na terça, irá a Moscou encontrar-se com Putin.

Os alemães são dos mais comedidos atores neste drama, dado que têm grande interesse no gás natural russo que consomem –o duto Nord Stream 2 está pronto, esperando a crise passar para começar a operar.

Folha  

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