Serra acha natural diálogo do PSDB com Lula
Foto: Alex Silva/Estadão
Ele ficou oficialmente afastado da política, mas não se desligou em um só momento. O senador paulista José Serra (PSDB), que pediu licença médica de quatro meses ano passado para tratamento da doença de Parkinson, diz ter acompanhado o processo de prévias tucano, a tentativa de aproximação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de quadros históricos de seu partido – considerada por ele como natural -, a novidade das federações partidárias e ainda os sinais dados pelo governo Jair Bolsonaro ao mundo.
Aos 79 anos, Serra afirma não ter se decidido ainda sobre uma eventual candidatura à reeleição ou à Câmara dos Deputados neste ano, mas listou uma série de projetos que espera poder batalhar para que se tornem leis até o fim de seu mandato. Na lista de prioridades estão propostas nas áreas social, ambiental e fiscal.
Em entrevista concedida ao Estadão por e-mail, o senador disse que decidirá seu futuro juntamente com o PSDB, que, como democrata que é, deve respeitar o resultado das prévias que escolheram o governador João Doria como pré-candidato à Presidência da República.
Segundo o parlamentar, o foco principal do partido deve ser a busca por projetos e planos de governo estruturantes, para ajudar o País a se recuperar da crise econômica e sanitária e dos retrocessos nas áreas social e ambiental. Apesar disso, não descarta uma união com demais partidos em torno de um nome com chances de acabar com o que chamou de “polarização entre extremos”. Confira a seguir:
O senhor diz ter reassumido o mandato para aprovar projetos de sua autoria. Quais os temas que lhe são prioritários?
Vou priorizar três áreas: social, meio ambiente e fiscal. Não consigo enxergar desenvolvimento e progresso no Brasil sem uma atuação articulada das lideranças políticas em torno desses três temas, inclusive com coordenação efetiva entre União e governos estaduais e municipais. Não há como ignorar o meio ambiente e o Brasil tem potencial para liderar essa agenda internacional. E o que dizer da área fiscal depois da desconstrução institucional promovida pelo atual governo? Transformaram a Constituição em uma lei ordinária no formato de colcha de retalhos, sem harmonização e coerência. Vou focar nessas questões, com apresentação de novas proposições, sem deixar de atuar para que projetos estruturantes nas áreas política, social e energética, já apresentados por mim ao longo do mandato, sejam finalmente aprovados nas duas Casas Legislativas. Refiro-me a projetos sobre o voto distrital, parlamentarismo, novo marco regulatório do pré-sal, spending reviews, avaliação de benefícios creditórios, reaproveitamento de licenciamento ambiental, securitização da dívida dos estados e regulação das Organizações Sociais, apenas para citar alguns.
O afastamento ajudou em seu tratamento? Como está sua saúde?
Sinto-me bem, mas em função do aumento nos casos de covid-19, estou trabalhando em São Paulo e votando pelo sistema remoto do Senado.
Em 2015, quando assumiu a vaga no Senado, o Brasil era governado pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Depois vieram Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Como avalia as mudanças sofridas no País?
Tem sido turbulento, sob vários aspectos. Mas seria muito leviano afirmar que nada foi feito no período. À parte opiniões técnicas sobre elas, houve reformas macro relevantes, como o teto de gastos e a reforma da Previdência. Reformas micro, como os economistas costumam chamá-las, também aconteceram. Posso mencionar, por exemplo, as iniciativas do governo Temer; ou o novo marco geral do setor ferroviário, com base em projeto de minha autoria, já sancionado. No campo fiscal, no qual atuo desde a Constituinte, acho que o período demonstrou a necessidade de compromissos políticos, sobretudo por parte do Executivo, para que o equilíbrio fiscal seja preservado. Quando tratamos de orçamento público, há sempre um potencial para desequilíbrio, por motivos de economia política. No caso brasileiro, contudo, outros fatores – associados, por exemplo, aos sistemas federativo e político-eleitoral brasileiros – agravam o risco de desequilíbrios crônicos.
E qual o saldo desse período?
Num período de sete anos, vimos uma presidente perder seu mandato por problemas relativos à política fiscal-orçamentária; o esforço de ajuste baseado numa medida constitucional de longo prazo, o teto; e, novamente, o afrouxamento de regras fiscais com fins eleitorais. Acho que está mais ou menos claro que regras fiscais não prescindem de governos e parlamentares comprometidos.Nas demais áreas, os últimos anos acenderam alertas. Durante um bom tempo, muito se falou sobre o amadurecimento institucional do País. Parece que nem tanto: certas áreas de políticas têm sido objeto de desmonte; outras estagnaram-se. Nosso sistema de Justiça tem-se mostrado poroso a injunções políticas de ocasião, com todos os riscos que isso traz.
O senhor pretende se candidatar à reeleição ou aceitaria disputar uma vaga na Câmara, como sugerem aliados de Doria?
Neste momento estou focado na retomada do mandato e em seguir aprovando projetos de interesse do Brasil. No momento adequado, decidirei conjuntamente com o meu partido o melhor caminho.
O senhor acompanhou o processo de prévias do PSDB? Como avalia a vitória de Doria e suas chances como candidato?
Como democratas, optamos por um processo de votação interna com candidatos qualificados. Agora, há que se respeitar o resultado das nossas urnas. O foco principal do partido deve ser a busca por projetos e planos de governo estruturantes, para ajudar o país a se recuperar da crise econômica e sanitária e dos retrocessos nas áreas social e ambiental.
O senhor defende e acredita que a chamada terceira via possa se unir em torno de uma candidatura única? O PSDB deve abrir mão se não se mostrar competitivo?
É fundamental que os partidos se unam em torno de um nome com chances de acabar com essa polarização entre extremos, cada vez mais acentuada desde o pleito de 2018.
Como o senhor avalia a possibilidade de os partidos se unirem em federações? O PSDB deve se federar com alguma sigla?
Os partidos que por ela optarem ficam mais próximos de uma eventual fusão, possibilitando uma diminuição de partidos no Brasil. Quanto ao PSDB se federar com algum outro partido, acredito que as federações sejam mais complexas de serem constituídas entre partidos médios e grandes. Para a criação de uma federação é necessário um alinhamento político para os próximos quatro anos, em todo território nacional, incluindo as bancadas tendo que atuar em blocos. Logo, por conta de todas as exigências e peculiaridades locais de partidos orgânicos, acho mais provável, neste primeiro momento, que as federações não ocorram entre siglas médias ou grandes, mas entre siglas menores.
Como o senhor vê esse movimento do ex-presidente Lula de buscar diálogo com tucanos históricos. O senhor compartilha do pensamento de que é preciso unir todas as forças políticas contra a reeleição de Bolsonaro?
Acho natural e importante o diálogo político. É da democracia, inclusive entre atores que não compartilham suas bandeiras e ideologias.
Lula o procurou? O senhor o receberia?
Não fui procurado por ele.
Como avalia a possibilidade de uma chapa Lula-Alckmin? A que atribui essa disposição de Alckmin se aproximar agora do PT?
O Geraldo é mais indicado para responder sobre essa possível aliança.
Como ex-ministro da Saúde, o senhor acompanhou a CPI da Covid? Que avaliação faz da condução do governo federal na condução da pandemia?
Sim, apoiei e, embora estivesse de licença durante um período, acompanhei a CPI. A investigação parlamentar foi importante ao revelar erros do governo, como: atraso na vacinação, aposta na cura via medicamentos e não via vacina – como ficou claro na crise de Manaus -, déficit de comunicação com a população, formação de um mercado interno dentro do Ministério de Saúde para compra de vacinas e suspeita de corrupção etc. Um conjunto de equívocos e desmandos que afetaram e contribuíram para o agravamento da pandemia no País.
O que explica a resistência à vacina por parte dos brasileiros?
A resistência à vacina pode ser considerada natural, dado que estamos falando de vacinas de fase 3, feitas num contexto de emergência para serem oferecidas com a maior celeridade possível para a população e descongestionar o sistema de saúde, e muitas pessoas receiam os efeitos colaterais em longo prazo. Mas caberia ao governo tomar atitudes que trouxessem tranquilidade para a população e não pânico e insegurança. Os dados estatísticos vêm mostrando que a vacina é eficaz e que tem contribuindo para a redução significativa de casos graves e mortes por Covid. O número de vacinados no Brasil contra a covid-19 se deve mais a uma cultura da vacinação já assimilada pela população com as constantes campanhas feitas ao longo de mais de um século desde o primeiro grande programa de imunização criado por Oswaldo Cruz no combate à varíola. Desde então, todos os ministros da Saúde, nos quais me incluo, estimularam a população a combaterem doenças contagiosas aderindo às vacinas necessárias. Não fosse essa cultura, o brasileiro, bastante “massacrado” pelo presidente da República e por autoridades responsáveis pelo sistema de saúde com declarações e atitudes anti-vacina, estaria em situação ainda mais penosa e mais resistente à vacinação.
Especialistas em relações internacionais alertam que a viagem de Bolsonaro à Rússia pode dar um sinal errado ao mundo. Como ex-chanceler, o senhor compartilha dessa visão?
Sim, compartilho e considero completamente inoportuna essa viagem. Em termos de política externa, o presidente Bolsonaro está constantemente dando sinais trocados. A Rússia é um importante parceiro comercial do Brasil, mas este não é o melhor momento para qualquer gesto que signifique complicar as relações do Brasil com outros parceiros igualmente importantes, como Estados Unidos e União Europeia, por exemplo. Parece querer mostrar que o Brasil está na contramão do mundo, visitando países conservadores, autocratas – como Hungria, onde ele também irá -, e em guerra. Até onde temos acompanhado, a orientação de diplomatas experientes do Itamaraty é que este não é o momento mais adequado. Mas, só para ser “do contra”, o presidente Bolsonaro irá se submeter a uma bateria de testes de covid, que ele tem rechaçado e criticado constantemente aqui no Brasil, para ser recebido por Putin. Putin, por sua vez, usará a visita como uma demonstração de que não está isolado e que conta com apoio de países “democratas”.
E como ficam as relações internacionais do Brasil a partir de 2023 com ou sem Bolsonaro?
Assim como nas demais áreas, as relações internacionais deverão ser recolocadas nos trilhos em 2023. Não será tarefa fácil. Nos últimos quatro anos, o Brasil rompeu pontes e esforços anteriores para o fortalecimento das relações exteriores
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