TSE não avisa e jovens de 16 anos poderão não votar

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Foto: Reprodução

A primeira vez que a estudante Jessica Sabrina Martins Faria soube que brasileiros de 16 anos a 17 anos poderiam votar, de forma não obrigatória, foi em postagem em rede social. “Achei que fosse ‘fake news’” afirmou a adolescente de 16 anos acrescentando que, depois, foi pesquisar mais a respeito, e descobriu que era verdade.

A ausência de informação frequente sobre o tema entre jovens, como Jessica, é apenas um dos vários obstáculos que impede crescimento de contingente de adolescentes entre o eleitorado do país, segundo especialistas ouvidos pelo Valor.

De acordo com maioria deles, a oito meses das eleições, 2022 pode representar a menor participação de adolescentes em disputas eleitorais desde que essa possibilidade foi criada, em 1994, batendo o recorde negativo atual, de 2014. Só não será assim se acontecer nos próximos quatro meses um cadastramento equivalente a praticamente o total registrado até janeiro deste ano de eleitores nesta faixa etária.

Dados apurados pelo Valor junto à base de informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que eleitores de 16 e 17 anos registrados até janeiro deste ano somam 730.693. É um número bem menor do que nas últimas eleições presidenciais, de 2018, quando levantamento do TSE registrava o total de 1.400.617 adolescentes, até então o menor contingente em eleições presidenciais em 20 anos.

Na prática, para não repetir o recorde negativo, seria necessário o registro de mais 669.925 jovens em quatro meses. Aniversariantes até 2 de outubro, data do primeiro turno das eleições, podem tirar título até maio.

A maior parte dos cientistas políticos ouvidos, entretanto, não acredita que isso vá acontecer. Além de a informação sobre o tema circular pouco entre adolescentes, pontuam os analistas, há aumento da polarização, desalento dos jovens com política e até efeito da pandemia, já que o interesse da juventude se voltou para lidar com problemas relacionados à doença.

Há ainda insatisfação com poucos resultados originados dos protestos de 2013, que levaram milhares de jovens às ruas. Outro aspecto mencionado é o fato de, atualmente, o jovem politizado deslocar esforços para outras causas, como a defesa do ambiente ou a melhora da mobilidade urbana.

Para Jessica, moradora da comunidade do Alemão, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, o jovem pode “correr atrás de sua vida e votar”. “Eu pretendo tirar [título]. Ela disse, porém, que não tem amigos de sua idade com título de eleitor. “Tinha que ter mais matéria, mais informação, falando sobre isso”, cobrou.

De olho nesse contingente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem realizado várias campanhas para estimular o voto adolescente, ao longo dos anos. A mais recente foi realizada entre setembro e dezembro de 2021, e tem site sobre o tema. Mas, para Leandro Consentino, professor de ciência política e relações internacionais do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), os canais de veiculação das campanhas do TSE são equivocados. “O TSE faz campanha em intervalo de novela. Que jovem de 16 anos, de 17 anos vê novela?” questionou, achando difícil não repetir novo recorde negativo no contingente de voto adolescente.

Para tentar melhorar esse cenário, Consentino sugeriu adoção de matérias de cidadania nas escolas, além de informações sobre o assunto em redes na internet – que é onde o jovem passa maior parte de seu tempo livre, notou.

Já com pedido enviado para tirar título, a estudante Luísa Saraiva Neto concorda. A completar 16 anos em junho, ela sugeriu campanhas em redes mais usadas por jovens de sua idade, como TikTok, e em formato “curto” para prender atenção do adolescente.

Moradora do bairro do Flamengo, zona sul do Rio, Luísa também comentou que seria interessante campanhas com “influencers”, de forma sistemática e contínua, além de mais políticos falando a respeito do tema. “Estamos quase na idade adulta e algum dia vamos ter que exercer esse papel [de votar] obrigatoriamente”, afirmou. “Nós vamos ser os adultos de nosso país. Então acho importante a gente começar a expressar nossas ideias [pelo voto].”

Porém, nem mesmo o interesse de jovens como Luísa deve impedir que a parcela do eleitorado registrado na população de adolescentes no país seja a menor desde 1994, segundo cálculos do cientista político e diretor da Quaest Pesquisa e Consultoria, Felipe Nunes.

“Estamos caminhando sim para ter recorde negativo de participação eleitoral entre adolescentes. É difícil que esse número seja modificado de forma significativa”, afirmou o especialista. “O desafio é tentar entender as razões que estão motivando, ao longo do tempo, o adolescente a participar cada vez menos.”

Entre os motivos citados pelo especialista está a alta polarização política atual. “As eleições ficam mais briguentas, mais violentas. Se [o jovem] não quer lidar com custo de discutir no ‘zap da família’, acaba falando ‘ah não vou votar’”, comentou.

Prestes a fazer 16 anos, o estudante Arthur Felipe Paredes Gonçalves, morador de Sete Lagoas (MG), também notou esse aspecto mais beligerante na política. “Mas eu consigo visualizar espaço para diálogo também”, acrescentou ele, que pretende tirar título até maio. “Eu entendo que, como cidadão, precisamos entender, se inteirar de como governo vai influenciar nossa vida, e de como a gente pode influenciar o governo”, afirmou.

Mas, mesmo com o interesse dos que querem se registrar, como Arthur, os números evidenciam que a maior parte dos jovens não está conseguindo se organizar para ser parte da vida política do país, disse o coordenador da área de Educação do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGVceapg), Fernando Luiz Abrucio. Também sem acreditar que se possa impedir novo recorde negativo em registro mínimo de jovens eleitores, Abrucio observou que há desencanto de boa parte dos jovens com a política “desde 2013”.

Naquele ano, muitos jovens foram às ruas e, em seu entendimento, as manifestações que pediam melhoras na sociedade e maior luta contra corrupção não atenderam aos anseios dos mais jovens. “E a pandemia desestruturou famílias, sobretudo as famílias mais pobres do país” acrescentou.

Para o cientista político Pedro Marques, do Centro de Estudos do Comportamento Político (Cecomp) da UFMG, o menor contingente de voto adolescente seria recorte de um cenário mais abrangente: desinteresse do brasileiro em todas as idades, em participar da política. “Em pesquisas, outras faixas etárias dizem que não iriam para as urnas se não fosse obrigatório”, afirmou. Ele alerta que a alienação política entre jovens pode ter consequências negativas, formando um adulto “mais apático” no futuro, em termos políticos.

Sobre essa possível apatia, a cientista política e administradora pública Myla Freire Machado Fernandes, além de não acreditar em disparada de registros entre jovens até maio, comentou que, desde 2008, há menor filiação partidária de jovens. “Os jovens estão entendendo que [fazer a] a política é por ‘causas’” notou ela, como levantar bandeiras no meio digital, em vez de se filiar a partido político, por exemplo.

Carlos Melo, cientista político, mestre e doutor pela PUC-SP, concorda. Para ele, há mudança nos interesses políticos do jovem de hoje, para questões que antes não tinham “centralidade” e agora têm, como defender causas ambientais, de mobilidade urbana e outras, em vez de exercer o direito ao voto.

“É uma ‘tempestade perfeita’”, definiu Myla Fernandes. “Não temos partidos políticos se aproximando desse grupo [de jovens], não temos escolas falando com esse grupo [sobre voto]”, resumiu a cientista política.

Valor Econômico