TSE vê redes sociais como maior risco ao processo eleitoral
Foto: Jonne Roriz; Luiz Maximiano; cristiano mariz; Ag. O Globo; Leo Martins/.
Em 2018, Jair Bolsonaro quebrou paradigmas ao vencer a eleição com uma coligação formada por dois partidos nanicos, apenas oito segundos na propaganda eleitoral de televisão e recursos financeiros modestos — oficialmente, ele gastou 2,8 milhões de reais. Além do antipetismo resultante da combinação entre escândalos de corrupção e recessão econômica, contribuiu de forma decisiva para a vitória de Bolsonaro o trabalho de sua equipe nas redes sociais, onde ele reinou quase sozinho naquele pleito. Os tempos mudaram, a conjuntura é outra, e até aliados do presidente reconhecem que, na campanha de 2022, tanto a TV quanto as redes sociais serão relevantes. Qualquer candidato que quiser ser competitivo terá de se sair bem nessas duas trincheiras, que funcionam sob lógicas distintas. Enquanto na propaganda televisiva há regras consolidadas, fiscalização permanente e punições frequentes, nas redes prevalece uma espécie de vale-tudo para o qual as autoridades ainda não encontraram uma solução. Por isso, é ali onde o jogo tende a ser mais desleal, com direito a enxurradas de fake news e golpes abaixo da linha da cintura.
Dois dados da mais recente pesquisa da Quaest mostram o peso da TV e das redes sociais na formação da opinião do eleitorado e indicam por que os bolsonaristas continuam a apostar em suas milícias digitais para garantir a reeleição do presidente. Segundo o levantamento, 51% dos entrevistados se informam preferencialmente pela TV e 24% via redes sociais e WhatsApp. Esses são os principais canais de informação, muito à frente dos demais. Entre os adeptos da televisão, Lula lidera com 53% das intenções de voto, ante 17% de Bolsonaro. O presidente, portanto, adota uma estratégia correta ao costurar uma aliança partidária com o Centrão que lhe garanta um bom tempo na propaganda eleitoral, que será usado para tentar reduzir essa diferença. Já entre aqueles que recorrem às redes sociais, há um empate: 34% para Lula e 35% para Bolsonaro. Esse número ajuda a explicar por que aliados do presidente travam, desde o ano passado, uma batalha obstinada para impedir que seus vídeos no Facebook e YouTube ou mensagens encaminhadas por meio de aplicativos não sejam retirados do ar ou cerceados de alguma forma.
As redes sociais ainda concentram a militância mais numerosa e combativa do bolsonarismo. Sua missão, por enquanto, é impedir que o presidente perca mais popularidade e seja ameaçado por um concorrente da terceira via. Depois, será a vez de jogar pesado para derrotar Lula tanto na TV quanto no universo digital. “Os dados reforçam a opção bolsonarista pela internet como principal veículo de comunicação e a força que esse meio tem de oferecer opções que agradem ao interesse desse público”, diz o cientista político e diretor da Quaest, Felipe Nunes. De fato, as redes são terrenos férteis à proliferação de qualquer tipo de informação, mesmo as mais tresloucadas. Não à toa, Bolsonaro gosta de se comunicar preferencialmente nesse universo. Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas mapeou cerca de 395 000 postagens no Facebook, entre novembro de 2020 e janeiro de 2022, sobre fraude nas urnas e o tal do “voto impresso auditável”. Dos quarenta posts mais populares sobre o assunto, treze vieram da própria página de Bolsonaro, o que contribuiu para “manter a temática aquecida”.
Nos últimos dias, o presidente retomou a ofensiva ao declarar que o sistema eleitoral “não é de confiança de todos nós ainda”. Recorrente nas redes sociais, essa cantilena equivocada já recebeu reprimendas de autoridades do Judiciário e, se repetida na propaganda na TV, provavelmente renderá algum tipo de punição. Recados de alerta já foram dados. Futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro do Supremo Alexandre de Moraes incluiu o ataque de Bolsonaro às urnas no inquérito sobre milícias digitais. O problema é que essa investigação não será suficiente para inibir a divulgação de informações inverídicas nas redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem, já que neles predomina a falta de regulamentação. Em um esforço para combater as fake news, o TSE até assinou acordos com representantes de empresas como Twitter, Facebook e WhatsApp que preveem, entre outros, a criação de canais para denunciar o conteúdo enganoso e facilitar a remoção de contas falsas. O Telegram, que não tem representação legal no Brasil, foi convidado a aderir, mas não deu resposta, o que preocupa os ministros do tribunal.
Hoje, a plataforma já é um terreno fértil para a venda de armas, drogas, apologia ao nazismo e disseminação de informações falsas sobre a vacina contra a Covid-19. Teme-se que na eleição viabilize todo tipo de jogada abjeta. “É aceitável o Brasil passar por um processo eleitoral com uma plataforma que vem adquirindo importância sem nenhum canal oficial de representação por aqui, sem responder a notificações nem ordens de remoção de conteúdo?”, questiona o cientista político Amaro Grassi, da FGV. Presente em 53% dos smartphones em funcionamento no país, o Telegram permite a criação de grupos com 200 000 pessoas e se tornou o xodó da militância bolsonarista após Facebook, Instagram e Twitter removerem postagens e lives do presidente e de alguns de seus apoiadores mais ilustres. No discurso, o TSE não descarta a possibilidade de banir o funcionamento do Telegram durante as eleições. Na prática, o tribunal quer que o Congresso resolva o pepino. O ministro Edson Fachin, que assume a presidência da Corte no próximo dia 22, defende a aprovação do projeto de lei das fake news, de relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
O texto obriga empresas de tecnologia com mais de 10 milhões de usuários, como o Telegram, a ter representação no Brasil, o que facilitaria a notificação de decisões judiciais, e prevê pena de até três anos de prisão para quem promover a disseminação em massa de fake news. “Não é um projeto de lei contra o Bolsonaro e o Telegram. É um projeto que procura deixar mais nítidas as regras de funcionamento da internet, proteger a liberdade de expressão, garantir o direito dos usuários e estabelecer transparência no funcionamento das plataformas”, diz Orlando Silva, que é usuário do Telegram. Os bolsonaristas reclamam que as iniciativas da Justiça Eleitoral e de parlamentares cheiram a censura, mas o fato é que, mesmo com mais regulamentação, será difícil controlar a enxurrada de ataques, mentiras e delírios nas redes sociais. Uma eventual fake news na propaganda de TV ou num perfil de um candidato a presidente numa rede social é facilmente detectada. Já a produção de apoiadores anônimos floresce e se dissemina longe dos holofotes. A reação muitas vezes tarda e não consegue neutralizar o dano causado.
As próprias plataformas contribuem para isso porque são pouco transparentes sobre os procedimentos internos adotados para detectar e suspender um conteúdo inapropriado. No início do mês, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) teve a conta pessoal no Twitter suspensa temporariamente após publicar vídeo com críticas à Venezuela e a escândalos de corrupção do PT. Segundo o Twitter, a publicação foi “identificada erroneamente por sistemas automatizados” como se violasse as regras da plataforma. Logo depois, a conta foi desbloqueada. O caso é revelador de como a moderação do conteúdo dos usuários continua um grande gargalo — e um tremendo desafio para que haja eleições limpas.
Procuradas por VEJA, nenhuma das grandes empresas de tecnologia quis detalhar como funciona o processo de moderação de conteúdo. Há uma década, o uso eleitoral impróprio dos meios digitais engatinhava. Na época, o PT estava no poder, os militantes do partido criavam personagens fantasmas e usavam robôs para espalhar e-mails com notícias falsas e ataques a adversários. Os perfis eram registrados em servidores fora do Brasil, o que garantia o anonimato dos autores e dificultava eventuais investigações. Era o embrião de um problema que o avanço da tecnologia e das redes sociais, hoje terreno das hostes bolsonaristas, ampliou exponencialmente e que as autoridades não têm a mínima ideia de como resolver.