“Bolsa Família” de Bolsonaro não chega a quem precisa

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Foto: Karime Xavier/Folhapress

A pesquisa Datafolha mostrou como é complexo criar uma marca social e recolher dividendos políticos dela.

Até o momento, a tentativa do presidente Jair Bolsonaro (PL) de faturar eleitoralmente o Auxílio Brasil revelou-se um fiasco.

No grupo dos que recebem o benefício de R$ 400, Bolsonaro tem avaliação pior que a do conjunto da população brasileira, mostra o levantamento. Apenas 19% consideram seu governo ótimo ou bom neste segmento, contra 25% do total.

Da mesma forma, 62% dos que contam com essa política social dizem que jamais votariam no atual presidente, sete pontos percentuais acima do patamar geral.

A lógica eleitoral, portanto, está invertida, e numa primeira avaliação é difícil encontrar explicação plausível para esse paradoxo. Para decifrá-lo, a primeira coisa a se fazer é olhar os números de seu principal adversário no pleito de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Os números do ex-presidente espelham quase à perfeição os de Bolsonaro nesse quesito.

Lula tem até 59% de intenções de voto entre quem recebe o auxílio, patamar consideravelmente superior ao dado geral da população, de 43%. O petista é rejeitado neste segmento por 25%, contra 37% do total dos brasileiros.

Uma conclusão evidente é que a população ainda não vê o Auxílio Brasil como uma política fundamentalmente diferente de seu antecessor, o Bolsa Família, cria dos governos petistas. O lucro eleitoral segue recaindo sobre Lula.

Embora esteja se esforçando para melhorar na comunicação digital, o PT ainda come poeira dos bolsonaristas nesta área.

Em compensação, na estratégia de comunicação mais tradicional, a de criação de marcas facilmente identificáveis pela população, Bolsonaro pecou, e está sofrendo as consequências desta negligência.

É quase impossível chamar pelo nome um programa de governo de Bolsonaro. Já os petistas tiveram, além do Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Prouni e o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), para ficar apenas em alguns.

Doze anos após a saída de Lula do poder, e seis após o impeachment de Dilma Rousseff, a maioria destas ações continuam sendo o carro-chefe eleitoral do PT.

A dificuldade de Bolsonaro de capitalizar seu principal programa social se intensifica no Nordeste, região do país em que percentualmente há mais beneficiados pelo Auxílio Brasil, e que segue sendo uma fortaleza lulista. São 37% os nordestinos contemplados pelo programa, contra 14% no Sul e 17% no Sudeste, mostra o Datafolha.

Aliados de Bolsonaro dizem não ter a ilusão de que o benefício seja capaz de reverter a vantagem pró-Lula no Nordeste, ao menos no atual ciclo eleitoral. Mas gostariam de pelo menos fazer emagrecer um pouco a dianteira do petista, algo que até o momento ainda não ocorreu.

Há, por fim, outro fator a se considerar, que dialoga com a expectativa futura sobre o programa. Entre eleitores de Lula, 73% dizem que o auxílio não é suficiente e deveria ser maior. Para bolsonaristas, esse patamar cai a 54%.

É razoável supor que esse segmento acredita que, com o petista na Presidência, o valor possa aumentar, talvez para os R$ 600 que ele chegou a defender publicamente durante a pandemia.

Bolsonaro, por outro lado, colhe os efeitos de anos minimizando a necessidade de políticas sociais e de um discurso que caracteriza os que recebem benefícios governamentais como indolentes, ou coisa pior. Sua credibilidade nessa área é baixa, e a de Lula, altíssima.

É possível que nos próximos meses o Auxílio Brasil passe a ser mais associado pela população como uma ação do atual governo, dando alguma recompensa política para Bolsonaro em termos de pontos nas pesquisas.

Mas a largada capenga do programa, ao menos como ativo eleitoral, mostra que não é fácil simplesmente apagar do mapa o Bolsa Família e seu principal padrinho.

Folha