Brasil sofre mais efeitos da guerra que outros países

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Foto: Getty Images

O conflito provocado pela invasão do território ucraniano pela Rússia já prejudica a economia global, com o encarecimento de alimentos e do petróleo reforçando a inflação em todo o mundo. Mas o impacto econômico dessa guerra ameaça de forma mais direta dois grupos de países, dizem especialistas -na Europa, por causa da dependência de algumas nações do gás natural russo, e, na África, onde parte relevante da oferta de alimentos depende da produção do leste europeu hoje sob ataques.

Além das inestimáveis perdas provocadas pelas mortes e vítimas na Ucrânia e na Rússia -os dois países mais diretamente impactados pelo conflito-, as economias de alguns países na Europa e na África devem ser sofrer porque dependem de produtos comprados de russos e ucranianos, dizem especialistas em relações internacionais ouvidos pelo UOL. O Brasil também não escapa, por causa do petróleo e de fertilizantes, principalmente.

Os países que vão sentir mais impacto com essa crise são, primeiramente, os mais vulneráveis, aqueles que já sofrem por causa dos alimentos. Depois, os países que dependem muito de fontes de energia da Rússia. Rogério Studart, Senior Fellow do Núcleo de Economia Política do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri)

Segundo Studart, ex-diretor do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o que caracteriza essa guerra é que, pela primeira vez, está sendo usada como arma a interdependência econômica.

De um lado, os países do Ocidente estão evitando fazer sanções que signifiquem um tiro no próprio pé, não estendendo as medidas de retaliação econômica a produtos que sejam importantes para a Europa, por exemplo.

A Rússia aposta na interdependência econômica apoiada no poder que tem sobre a oferta de gás e petróleo para a Europa, nos investimentos que bilionários russos fazem em alguns dos principais centros financeiros europeus e na relação comercial com a China.

Impacto econômico global indireto

Os impactos provocados pelo conflito no leste europeu sobre a economia global são mais indiretos que diretos, dizem especialistas ouvidos pelo UOL, porque a participação somada de Rússia e Ucrânia no PIB (Produto Interno Bruto) do mundo é relativamente pequena.

A Rússia detém 3% do PIB global, enquanto a Ucrânia responde por apenas 0,14%. Por isso, a guerra no leste europeu não tende a impactar diretamente a produção industrial, por exemplo, como aconteceu quando a pandemia chegou a tirar a China da cadeia de produção internacional por algum tempo.

O cientista político e coordenador da pós-graduação em relações institucionais e governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, Márcio Coimbra, destaca que a Rússia tem uma economia do tamanho da espanhola.

A Rússia é grande em extensão e em ogivas nucleares, mas na economia mundial é apenas 8% do PIB americano. A economia russa não é diversificada e muito dependente de gás e commodities. Por isso, o impacto direto desse conflito na economia mundial é limitado. Mas há impactos indiretos muito importantes por causa dos mercados de energia e alimentos. Márcio Coimbra, Mackenzi

Rússia e Ucrânia têm fatias relevantes em dois mercados que servem de base para muitas atividades econômicas -o de energia e o de alimentos.

A Rússia é o principal exportador e segundo maior produtor mundial de gás natural. É ainda o segundo maior exportador e terceiro maior produtor de petróleo no mundo, com 12% da oferta global.

A Ucrânia responde por 12% das exportações mundiais de trigo e 15% das de milho -insumos importantes tanto para a indústria de alimentos como para a cadeia de criação de aves e porcos.

Juntas, Rússia e Ucrânia detêm 30% de todo o comércio mundial de trigo, 17% da oferta de milho, 32% do mercado da cevada e 50% do de óleo, sementes e farelo de girassol.

O coordenador da graduação em relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eduardo Mello, afirma que o conflito já provocou o encarecimento do petróleo, do gás natural e dos alimentos em todo o mundo, atingindo as economias mesmo em países que não compram esses insumos diretamente da Rússia ou da Ucrânia.

Impacto na inflação atinge Brasil

O encarecimento de combustíveis fósseis e de grãos tem efeito mais nocivo sobre economias que já estão sofrendo com a inflação, como a brasileira.

No caso do Brasil, há outro agravante, diz o professor da FGV: a dependência do petróleo para transportes. Cerca de 60% de tudo o que é transportado aqui depende de combustíveis fósseis. É por isso que o Brasil aparece entre as economias que mais devem sofrer os efeitos econômicos indiretos dessa guerra. Quanto mais petróleo usamos, mais estamos expostos aos impactos econômicos desse conflito. Eduardo Mello, FGV

O Brasil ainda recebe um impacto direto do conflito por causa da dependência que o país tem de fertilizantes que vêm da Rússia, diz o coordenador de relações internacionais do Ibmec/RJ, José Niemeyer.

O Brasil importa cerca de 80% dos 40,6 milhões de toneladas de fertilizantes consumidos pela agricultura anualmente, sendo que a Rússia responde por pelo menos um quarto dessas importações.

O plantio direto não funciona para grandes áreas, que precisam de fertilizantes, ou a produtividade é muito afetada, atingindo as cadeias de produção de grãos e, por tabela, também da criação de aves e suínos. José Niemeyer, Ibmec/RJ

Na África, países sob ameaça da fome

A ameaça da fome preocupa países que dependem da Ucrânia e da Rússia para alimentar a própria população.

Alguns dos países que mais compram alimentos da Ucrânia e da Rússia não terão poder financeiro para acompanhar o encarecimento dos produtos, diz o diretor executivo do Programa Mundial de Alimentação da ONU, David Beasley, em nota do órgão.

Veja 5 economias que mais sofrem o impacto da guerra por causa dos alimentos (Fonte: ONU)

Líbano: De US$ 148,49 milhões importados em trigo, 80% vêm da Ucrânia e 15% da Rússia.

Palestina: De US$ 11 milhões importados em trigo, 51% vêm de Israel, que compra da Ucrânia e da Rússia, e 33% diretamente da Rússia.

Egito: dos US$ 3 bilhões importados em trigo, metade vem da Rússia e 26% da Ucrânia.

Etiópia: de US$ 458,4 milhões importados em trigo, 30% vêm da Ucrânia e 14% da Rússia.

Iêmen: De US$ 549,9 milhões importados de trigo, 26% vêm da Rússia e 15% da Ucrânia.

Outro grupo de economias que pode sofrer o maior impacto provocado pelo conflito é formado pelos países europeus importadores de gás natural, especialmente. A Rússia ameaça cortar o fornecimento para toda a Europa.

O impacto econômico de um corte do gás natural russo é tão mais ameaçador quanto maior for a participação desse item no consumo do país, diz o especialista em relações internacionais da FGV Eduardo Mello.

Alguns desses países que são dependentes da importação de gás natural da Rússia investiram muito na infraestrutura para receber petróleo e gás. E uma parte relevante do parque industrial dessas economias depende diretamente dessa fonte de energia. Então, a redução ou mesmo o encarecimento do gás natural já vão atingir o PIB desses países. Eduardo Mello, FGV

Participação do gás natural da Rússia no consumo de cada país (Fonte: Statista.com)

Macedônia do Norte: 100% Bósnia e Herzegovina: 100% Moldávia: 100% Letônia: 93% Finlândia: 94% Bulgária: 77% Alemanha: 49% Itália: 46% Polônia: 40% França: 24% Holanda: 11%

Gás na matriz energética de cada país (Fonte: Eurostat)

Itália: 38,6% Holanda: 36,7% Alemanha: 24,4% Letônia: 22,3% Polônia: 15,3% França: 14,8% Polônia: 15,3% Bulgária: 12,9% Finlândia: 6%

No mercado de petróleo, incluindo cru e derivados, também usados para alimentar usinas de energia e a produção industrial, a Rússia fornece 30% das importações da Alemanha, 35% das compras da Estônia, 40% das húngaras e 60% das importações polonesas, chegando a 75% das compras da Eslováquia e 85% das importações da Lituânia.

O economista e coordenador do curso de economia do Centro Universitário Faap, Paulo Dutra Costantin, especialista em comércio internacional, aponta que os países não têm como substituir essas fontes primárias de energia tão rapidamente. Por isso, o impacto econômico é inevitável.

O setor siderúrgico, por exemplo, precisa de energia para alimentar seus fornos. E a Alemanha, que é grande produtora siderúrgica, tem o desafio de absorver o impacto do aumento dos preços do gás natural e do petróleo em sua matriz de energia. Substituir essas fontes custa muito dinheiro e tempo. Paulo Dutra Costantin, Faap

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