Caixa corre para implantar ‘bondade eleitoral’ de Bolsonaro
Foto: ED ALVES/CB/D.A.Press
Recém-chegado de uma viagem a Bangladesh, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, traz na bagagem aprendizados e insights para o lançamento de um programa nacional de microcrédito. O país asiático possui iniciativas semelhantes desde os anos 1970, e, por isso, traz expertises que inspiram a Caixa Econômica. Além de Bangladesh, o presidente e sua equipe visitaram o Quênia para observar a aplicação da modalidade de crédito.
Em entrevista ao Correio, Guimarães destacou processos que observou nas últimas semanas, e reiterou os ganhos que um programa de microcrédito brasileiro poderá trazer para a população — com o adendo de contar com tecnologias já adotadas pelo banco que não foram vistas nos países visitados.
“O Caixa Tem nós desenvolvemos para pagar o Auxílio Emergencial em 20 dias pagando 50 milhões de pessoas. Atualmente, 109 milhões de pessoas têm o aplicativo, e nós pagamos por mês ao redor de 30 milhões de pessoas. Então, em relação ao Caixa Tem, já há comunicação”, explicou Guimarães, que define como próximo passo compreender de que maneira a aprovação do microcrédito é realizada nesses países.
Críticos ao programa, observou o executivo, costumam alegar que haveria maior endividamento da população com a liberação dessas faixas de crédito. O presidente, no entanto, detalha: essas pessoas já tomam crédito a taxas muito maiores. “Eu não consigo entender por que isso não havia acontecido antes. Porque são dezenas de milhões de pessoas que não têm alternativa. Uma coisa que eu ouvia muito era, “Ah essas pessoas vão ficar com excesso de alavancagem”, ou seja, elas vão tomar um crédito… Isso não é verdade. Porque elas já tomam crédito a taxas de 15% a 20%”, argumentou.
O presidente da Caixa Econômica Federal faz um balanço positivo dos três anos de gestão, com destaque para as economias de mais de R$ 10 bilhões geradas ao banco pelo Caixa Mais Brasil. Para 2022, Guimarães planeja, além de seguir delineando a trajetória do microcrédito no Brasil, uma aproximação com o agronegócio. Confira mais detalhes na entrevista exclusiva concedida ao Correio.
Viagem para Bangladesh: qual foi o impacto?
Foi muito importante, porque, a partir da viagem para Bangladesh e para o Quênia, a gente teve um entendimento mais profundo sobre o microcrédito. Fomos conhecer os clientes do Grameen Bank. Em uma das reuniões, tinha 77 mulheres. E entre as 77 mulheres, nós vimos a líder, que faz a cobrança. E tem uma pessoa, que era como se fosse um gerente de contas. Há centenas de vilas. O Grameen Bank tem 9 milhões de clientes, dos quais seis milhões são clientes ativos. Foi muito importante, porque a gente viu que é tudo manual. Eles têm tudo anotado no papel, têm um caderno, e eles fazem a cobrança semanal.
E os juros cobrados?
Eles têm juros semanais, ao redor de 25% ao ano, para uma taxa de inflação ao redor de 5% ao ano. Então eles já conseguiram ter uma taxa de juros relativamente baixa, e existe pressão para reduzi-la. A pressão é dada pela competição, porque são mais de 20 bancos focados no micronegócio em Bangladesh. O que é importante é que eles não têm uma questão de tecnologia. Então, a gente está conversando até para uma potencial joint venture, utilizando o Caixa Tem para poder ajudar lá.
Como funciona um sistema complexo como esse, que envolve tanta gente, sem o uso da tecnologia?
Eles fazem isso há 50 anos. Então, o primeiro ponto: eles não começaram de agora. É um processo de décadas. Na vila que visitamos, o maior crédito era de 550 mil moedas locais, que dá mais ou menos 35 mil reais; e o menor, que estava ainda para ser aprovado, era de 10 mil moedas locais. O que acontece? Conforme você vai pagando, você vai tendo um volume maior de crédito. Isso é muito importante. Por quê? Porque quem paga bem consegue ter um volume maior; quem não paga sai. É um processo de seleção a partir do qual quem tem o pagamento correto continua no programa.
Mas há diferenças em relação aos bancos brasileiros, não?
Naturalmente, um grande problema desses bancos, tanto em Bangladesh quanto no Quênia, é a falta de funding, e falta de capital. Nós estamos muito à frente, porque temos um volume de funding e um volume de capital muito grandes. E temos uma tecnologia que já funciona. Mas esse programa deles é mais focado, em especial, no interior agrícola. Essas vilas são basicamente agrícolas. A maior tomadora de crédito, com 550 mil moedas locais, tem nove vacas. Tem outra, por exemplo, que faz quitute, faz alguma coisa para vender. Então é todo um programa. Nesta questão, 97% dos clientes são mulheres. A maior devedora do Grameen Bank tem nove vacas, e o marido trabalha com ela e os filhos.
Por que as mulheres tomam mais crédito?
O que o pessoal do Grameen Bank me falou é que elas têm uma responsabilidade maior, pois têm envolvimento familiar. De novo, eles estão fazendo isso há 50 anos. É uma análise empírica deles. A questão é que, na liderança feminina, o resultado é melhor. Só que esse programa deles fica no campo. Qual é o desafio? Na cidade. Nós fomos a Daca antiga, capital de Bangladesh, e lá você tem o pessoal, por exemplo, de comércio, de venda de comida também no meio da rua. Aí é mais difícil. Você não vai ter 77 pessoas.
É esse enfoque mais agrícola que o senhor está pensando em seguir?
Não. Penso em fazer várias coisas. Qual é a grande vantagem da Caixa? Nós temos um sistema de celular que funciona. Isso permite que consigamos falar com mais pessoas. Para fazer um programa que atinja cinco milhões de pessoas em meses, tem que ser pelo celular. Em Bangladesh eu senti uma maior evolução tecnológica em alguns bancos, mas não chega perto do Caixa Tem. Por quê? Porque nós desenvolvemos o Caixa Tem para pagar o auxílio emergencial em 20 dias, pagando 50 milhões de pessoas. Atualmente, 109 milhões de pessoas têm o aplicativo, e nós pagamos por mês ao redor de 30 milhões de pessoas.
Já existe um canal, então.
Sim, em relação ao Caixa Tem, já há comunicação. Para nossa operação, a grande questão é a aprovação das pessoas. É entender exatamente. Fizemos uma primeira reunião e, daqui a três semanas, dois times estão voltando, um para Bangladesh, outro para o Quênia. Teremos reuniões com eles para entrar mais em detalhes.
Existe alguma prática semelhante no Brasil?
Essa operação do Grameen Bank me lembra a do Crediamigo do Banco do Nordeste, uma operação mais olho no olho. Só que você tem outro banco, Brac, também em Bangladesh, que já tem mais tecnologia. E aí já empresta para pessoas, ao invés de grupos de pessoas. Na cidade, você tem mais conhecimento de uso de celular. Você vai ter uma rapidez. Em relação ao interior, eu acho que o modelo do Grameen Bank tem uma aderência grande.
O senhor teve informações a respeito de inadimplência?
A inadimplência é baixa. As pessoas, normalmente, falam de inadimplência em relação ao total da carteira. O que a gente percebeu: os maiores tomadores de crédito têm os maiores volumes, porque pagam há muito tempo. Exemplo: nessa vila, a maior tomadora de crédito tomou 550 mil moedas locais. Quem está entrando entrou com 10 mil. Então, você não vai chegar a 500 mil se você for inadimplente. Quando você tem pessoas que estão pagando há mais tempo, a inadimplência vai ser muito baixa. Porque esses 10 mil da primeira tomadora são pouco relevantes se a que paga 550 mil continuar pagando. Agora, isso vem porque são 50 anos de conhecimento.
Como adaptar isso ao Brasil?
Como nós começamos há cinco meses, já temos um pouco do histórico, qual é o nosso desafio? Hoje estamos fazendo de uma maneira privilegiando a tecnologia. Mas queremos também fazer esse modelo de ter mais pessoas numa comunidade. Por quê? Porque um grupo pressiona o outro. E porque, às vezes, você vai saber se a pessoa pode ou não pagar, ou não está pagando, mas pode. Então esse é o modelo inteligente. Agora, de novo. Para replicar num número muito grande, demora. E mais do que isso. Em alguns locais, eu tenho dúvida se é a maneira mais eficiente.
Que locais, por exemplo?
Dentro da cidade, você não vai ter, necessariamente, 50 pessoas na comunidade. Então assim, por exemplo, você pode fazer o microcrédito numa região bem carente e para uma pessoa que está vendendo bala. Não precisa ter mais de 10 pessoas, porque ela vende bala, por exemplo, no sinal sozinha. Então por que que ela precisa ter mais de dez pessoas juntas? Não sei se precisa. Agora esse é um programa que a gente vai estudando. O Quênia é bem diferente de Bangladesh. A gente viu diferenças entre bancos do mesmo país, e entre países. No Quênia a gente não visitou o interior; esse próximo grupo vai visitar. Mas a gente percebeu que tem muito microcrédito focado nos MEIs. Então, é mais focado em poucas pessoas.
Vocês pensam em trazer para cá alguma linha de crédito para pequenos empreendedores?
Sim. Nosso objetivo é ver algo que já funciona há 50 anos. A gente conhece o CrediAmigo. Mas há muita diversidade. E a gente quer fazer para milhões de pessoas. Hoje a gente já faz para centenas de milhares. E a gente fez isso muito rápido.
A Caixa já tem um programa de crédito agrícola. Qual a diferença entre o que já existe e o que o banco está querendo fazer?
Nós temos, na agricultura, uma série de operações. Temos para clientes médios maiores; para clientes médios menores, que se chama Pronamp; para pequenos produtores que se chama Pronaf. E tem um menor ainda, o de três vacas. Esse de três vacas seria o microcrédito. Então o Pronaf já é um programa — a gente visitou vários — pessoas com 50 vacas. Então assim, você tem um grupo menor, por exemplo, os assentados, que acabaram de ganhar o seu título da terra. E o governo Bolsonaro é o que mais está dando título de terras. Essas pessoas não estão no Pronaf, estão abaixo. Então o microcrédito seria exatamente para parcela da população brasileira ainda abaixo do Pronaf. Porque o Pronaf hoje já tem valores maiores.
A tendência é atender a um público mais diverso.
Sim. Dentro desse agro, tem a pecuária, tem pessoa que colhe mel.. tem vários. Por isso a gente tem que ir lá, conversar. Eles fazem isso há 50 anos, a gente faz isso há seis meses. E a gente faz isso pelo celular. O nosso microcrédito, hoje, é diferente. É para pessoas que, basicamente, têm uma análise de crédito que permite essa operação. Não é o que existe na África, no Sul da Ásia, e mesmo no Banco do Nordeste. Isso é algo que nós estamos estudando.
Como avalia os primeiros meses de microcrédito?
A inadimplência é menor do que nós esperávamos, mas a gente ainda está conhecendo. Por isso há necessidade das viagens. Quem que vai na viagem? Vai o grupo de risco. Vai o grupo de produtos, o advogado geral, o financeiro, o diretor de produtos. Porque várias pessoas têm que se envolver para que a gente entenda bem essa dinâmica da operação.
A Caixa está desbravando um segmento desconhecido. Como vê isso?
Eu penso que é fundamental. Eu não consigo entender por que isso não havia acontecido antes. Porque são dezenas de milhões de pessoas que não têm alternativa. Uma coisa que eu ouvi muito era, “Ah essas pessoas vão ficar com excesso de alavancagem”, ou seja, elas vão tomar um crédito… Isso não é verdade. Porque elas já tomam crédito. Só que elas tomam de instituições que não fazem parte do sistema financeiro nacional. Então o Banco Central não consegue captar que essas pessoas já tomam crédito. E elas tomam a 15 a 20% ao mês. Há um problema social aqui. O que a gente está fazendo: emprestando para quem já toma o crédito, só que em vez de essa pessoa pagar de 15 a 20% ao mês, começa em 3, 3,5%.
Mas é um público desconhecido para o sistema bancário.
Sim. Qual é a questão? Nós não temos informação. A gente está emprestando para pessoas que não têm histórico de crédito. E isso é uma questão fundamental para todo banco que faz empréstimo: entender qual é o seu risco de crédito. Ou seja, pessoas com histórico de crédito melhor pagam menor taxa. Pessoas que têm um histórico de crédito pior pagam uma taxa maior. Agora, quem não tem histórico nenhum, normalmente vai pagar uma taxa maior. Então é daí que nós estamos fazendo essa análise. E a gente está avançando. Agora, sem dúvida nenhuma, essa primeira viagem foi muito importante, porque mostrou uma dinâmica nova, à qual a gente não estava acostumado.
É cedo para falar em projeções sobre microcrédito?
A gente começou em setembro, estamos melhorando. Em seis meses, fizemos uma operação que acabou sendo menor do que a gente esperava. Por quê? Porque a gente teve uma restrição grande de quem poderia tomar. Por isso a gente precisa analisar, porque é esse equilíbrio entre o banco social e o banco da matemática. Qual era a preocupação? Como nós não tínhamos o histórico dessas pessoas, emprestar para quem não tem histórico é sempre mais complicado. Então a gente está criando uma curva de inadimplência, e essa curva de inadimplência vai fazer com que a gente possa reavaliar as taxas e definir para quem a gente pode emprestar.
E, aparentemente, há várias modalidades de microcrédito.
De fato você tem várias maneiras de microcrédito. Essa é uma conclusão clara nossa. A gente tem a capacidade de oferecer pelo banco digital uma operação que Bangladesh e Quênia não têm, e mesmo no caso do Crediamigo do Banco do Nordeste. A gente não tem problema de funding, não tem problema de capital, não tem problema tecnológico. A gente quer fazer uma operação maior ainda, mas tem que fazer com calma. Se não fizer com calma, tem um risco de inadimplência muito grande. Nós fazemos as coisas solidamente. Ao mesmo tempo, a gente sabe a relevância que tem o microcrédito para a população mais carente.
Vocês têm os números mais atualizados do microcrédito?
Isso não estou falando ainda. Existem determinadas coisas que a gente está discutindo que podem ser novidades ao longo das próximas semanas. Mas avalio que tem sido um bom resultado. A gente já tem uma análise de cinco milhões de pessoas. Mas esta é análise de uma pessoa só. A operação de microcrédito é envolve cinco, dez, até 77 pessoas. São operações complementares. Não estamos fazendo ainda crédito em grupo. Mas queremos fazer.
Como avalia essa operação no contexto da economia brasileira?
Eu acho que a gente consegue chegar em dois por cento ao mês. Com mais informação.
Em outra entrevista ao Correio, o senhor disse que as taxas de juros podem diminuir e o crédito aumentar. Isso seria um caminho natural a partir de agora?
Exatamente. Quanto mais a pessoa tem um histórico de bom pagamento, menos você precisa cobrar. Em Bangladesh, eles sabem muito bem quem consegue pagar e quem não consegue. Aí você imagina o seguinte: taxa de juros local a 7%, a nossa está em dez. Inflação de 5%, a nossa está um pouco maior, mas 4% é uma inflação recorrente esperada pra cá. Então dá pra fazer uma comparação. Ou seja, você esperar que o microcrédito, na hora de equilíbrio, vá entre 20 e 25%, eu acho que essa é a taxa que a gente pode esperar para o Brasil, ao redor de 1,8% a 2% ao mês. E lá eles pensam ao ano. A gente aqui fala ao mês. E, na verdade, o pagamento do Grameen a maioria é semanal — algo que a gente não estava fazendo. Então por exemplo o que que pode nessas regiões agrícolas aonde você tenha mais uso do papel, ou no mínimo uma relação, você pode e a gente tava discutindo fazer um pagamento semanal. Em operações nas cidades, com maior uso do celular, pode ser mensal. De novo, vamos conversar, entender, porque é uma operação que não tem volta. A Caixa Econômica vai fazer o microcrédito e vai fazer por todo o Brasil. Vai utilizar a tecnologia, mas também vai utilizar a relação olho no olho.
Como surgiu a ideia da viagem?
Desde o meu discurso de posse, em janeiro de 2019, eu falei do microcrédito. Isso vem desde sempre. Quando fui com o presidente Bolsonaro à Índia, eu tinha marcado para março, abril de 2020, uma volta àquele país para falar com os bancos de microcrédito. Mas aí veio a pandemia, e a gente não pôde. Este ano, Bangladesh e Quênia estavam mais abertos. Além desses dois lugares, tem a volta à Índia. Devo ir ainda ao Paquistão e, na África, a Uganda, Sudão e Tanzânia.
Somente para conhecer outras operações?
Tudo microcrédito. A operação do microcrédito é muito diversa. Bangladesh tem quase a população brasileira, sendo 15 vezes menor do que o Brasil. Então tem um tipo de racional. No Quênia, são 50 milhões de pessoas, em um país parecido em termos de tamanho com Bangladesh. Logo você tem muito menos concentração nas cidades, por exemplo, como tem em Bangladesh. Então, são racionais diferentes. A Índia é um país com 1,5 bilhão de pessoas. Então, ela já vai estar mais próxima de Bangladesh. E nós temos o Brasil. Porque você tem, nas cinco regiões, características totalmente diversas.
O que os bancos de Bangladesh podem aprender com nossa experiência?
Tecnologia. A gente tem uma tecnologia que nenhum deles têm. Essa é a nossa vantagem. A vantagem deles são 50 anos de expertise, e foi disso que a gente conversou. Conversei com os presidentes do Banco Central de Bangladesh e do Quênia. Ambos gostaram muito. E o Roberto Campos (presidente do Banco Central) também. Na volta, a gente se encontrou por uma coincidência. Conversei bastante com ele, e ele ficou muito animado. Então a gente tem também um alinhamento com o Banco Central do Brasil na promoção do microcrédito.
Na verdade, o sistema bancário brasileiro pode servir de referência para esses outros países.
Com certeza. O que faltava aqui era uma preocupação para esse microcrédito, porque havia uma ideia de que não ganhava dinheiro. Como é que a gente vê? É um grupo muito grande de clientes, que vão ser clientes do banco nos próximos 20 anos. Então é um investimento que nós fazemos ganhando dinheiro — porque tem que ganhar dinheiro no curto prazo — mas eu vejo como um passo estratégico. Então o microcrédito, na minha opinião, é um modo de a Caixa ter acesso a milhões de clientes que vão crescer ao longo dos próximos anos, e a Caixa ajuda.
O senhor completou o terceiro ano à frente da Caixa. O que pretende em 2022?
Excelente pergunta. Nesses três anos, saímos de um banco que tinha severos problemas de governança. O balanço da Caixa tinha ressalva. O balanço da Caixa Par, que era uma de holding de investimentos, tinha ressalva. O balanço do FGTS, que são 89 milhões de brasileiros, tinha ressalva. E o balanço do fundo de investimento do FGTS tinha ressalva. O que significa uma ressalva? É quando o auditor fala: “Tem um problema muito grave’. Normalmente era problema por investigação do Ministério Público Federal, com prisão de pessoas, perdas relevantes e investimentos mal sucedidos, de bilhões de reais. Ou seja, todas as ressalvas diziam respeito a problemas graves de gestão passada. Nós resolvemos todos, sem exceção.
Foi uma mudança drástica.
Em 2021, a gente teve basicamente as melhores avaliações pelo TCU, CGU, Banco Central, auditorias. A gente teve as melhores avaliações de todas as estatais financeiras. Isso nunca tinha acontecido. A Caixa nunca tinha tido uma nota melhor do que a do Banco do Brasil, ou do BNDES. Nunca. Foi a única empresa estatal que ganhou os três prêmios da CGU. De 378 estatais analisadas pelo TCU, foi a terceira. Sendo que as duas primeiras eram empresas com 200 funcionários. E isso nunca aconteceu. Hoje a gente é um exemplo de governança. Ganhamos todos os prêmios de governança.
Há um reconhecimento na área de ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) também.
Em termos de auditoria, só tem quatro bancos no mundo, pela Moody’s, que tem a melhor nota em meio ambiente, é a Caixa, um banco da Irlanda, um banco da Suécia e um banco da Suíça. Ou seja, a Caixa tem a melhor avaliação de respeito ao meio ambiente do Brasil, da América do Sul, da América Latina, do Hemisfério Ocidental e do Hemisfério Sul. Em termos sociais, do ponto de vista da Fitch, é a melhor avaliação do Brasil, a melhor avaliação da América do Sul e, junto com o banco no México, uma das duas melhores notas de social. Então quando você fala de ESG, a Caixa é um exemplo — nesta gestão. Nunca tinha sido. Então, isso me deixa muito confortável e feliz.
E para 2022?
É um ano de consolidação do crescimento do agro, de desenvolvimento do microcrédito e a manutenção de notas excepcionais de governança. Tem duas coisas que a gente precisa ainda avançar. O agro, que a gente saiu de oitavo para terceiro e até maio a gente já deve ser o segundo maior banco do agro, e o microcrédito. E aí tem um racional. Quando a gente assumiu, a Caixa, que é o banco da habitação, estava em quarto lugar. E por quê? Porque não tinha capital e não tinha funding. Então não é porque os empregados não sabiam emprestar. É porque você tinha problema de capital, ou seja, de índice de Basileia e de funding. Hoje, dos cinco maiores bancos, a gente é o que tem maior índice de Basileia. Ou seja, a gente é o que mais pode emprestar. E que tem maior base de depósitos podendo emprestar. Por isso é que a gente está crescendo tanto no agro.
E esse fortalecimento do banco vai ao encontro do potencial brasileiro no agronegócio.
Qual é o único país do mundo que pode crescer a oferta de de produtos do agro pelos próximos 50 anos? O Brasil. Do ponto de vista de estratégia, olhando para os próximos 50 anos, não faz nenhum sentido a Caixa não estar no ato. É uma questão matemática, uma questão de estratégia. Quando as pessoas perguntavam para mim: “Pedro, por que você está crescendo no agro, na Caixa?” A minha resposta era simples: “Por que não estava?” Quando perguntavam sobre o microcrédito, eu falava: por que que não estava?
O senhor devolvia a pergunta.
Sim. Por que emprestavam-se dez bilhões para uma empresa e quinze bilhões para outra? Um dos grandes orgulhos que tenho é: duas empresas tinham o mesmo volume de crédito e patrimônio do que 500 mil micro e pequenas empresas hoje. Ou seja, a minha pergunta é: para um banco estatal, social, o que a sociedade prefere: que se empreste para quinhentas mil micro e pequenas empresas ou pra duas empresas? Que nenhuma dessas duas precisou na Caixa? E uma delas não pagou tudo. Então assim, isso é uma outra questão básica de banco, de gestão de banco. Você não empresta para quem acaba tendo um poder sobre você. Quando você empresta dez, 15 bilhões de reais, a empresa passa a ter poder sobre você.
Outra transformação importante na Caixa é relativa às mulheres. O que mudou?
Duas coisas não aconteciam aqui. Não se valorizavam as mulheres e não se respeitavam as pessoas com deficiência. São fatos numéricos. Quando assumimos, dos 50 vice-presidentes e diretores, todos eram homens. A partir do momento em que eu assumi, todas as escolhas foram meritórias. Meritocraticamente. São 14. Então, hoje, são 28% da liderança do banco.
O programa Caixa Mais Brasil está com aproximadamente 130 edições. Quais decisões foram tomadas a partir das visitas realizadas em todo o país?
Por exemplo, nós reduzimos em mais de dez bilhões de reais nas despesas. Viajando pelo Brasil, sempre quis ver onde que as pessoas ficavam, tanto as agências quanto as pessoas fora das agências. E a gente viu muitos prédios que não tinham nenhum sentido. Então nós saímos de mais de cento e cinquenta prédios. Aqui em Brasília, a gente tinha 26 prédios. Fomos para seis, dos quais dois são de TI. Na Avenida Paulista, nós estávamos em dez prédios. Qual é a razão de vocês estar em dez prédios na avenida Paulista? Hoje está em um. Isso, só se descobre viajando. Porque ninguém me falou. Da mesma maneira, ninguém tinha me falado dos PCDs, tinha. Como é que a gente descobriu? Viajando.
A viagem à Ásia segue essa lógica? Viajar para conhecer?
Sim. Essas visitas a Bangladesh e ao Quênia seguem o mesmo racional. A gente tem que conhecer para aprender. Eu não quero ninguém sendo dono da verdade. Somos muito humildes para ouvir. No Caixa Mais Brasil, em 131 finais de semana, nós visitamos 500 agências, falamos com 30 mil empregados e cem mil clientes. As críticas são rapidamente analisadas e resolvidas. Ou são críticas com as quais não concordamos, mas nós ouvimos. Agora por exemplo, foi muito importante durante o pagamento do auxílio ir para as agências. Em especial no começo. Entendo que, hoje, no banco, existe essa clareza de que a gente precisa ficar um tempo aqui. Mas o mais importante é viajar, visitar e em todos os locais.
O programa, então, trouxe benefícios diretos?
A consequência mais direta do Caixa Mais Brasil foi uma redução de despesa superior a dez bilhões de reais é o valor presente do que a gente terminou. Além disso, o microcrédito se beneficiou muito, o agro se beneficiou muito porque nós digitamos mais de cem fazendas. E, nessas visitas, a gente visitou de tudo, desde produção de arroz, café, soja, milho, aquicultura, carcinocultura. Então, a gente acaba indo visitar e nestas visitas, por exemplo, a gente descobriu que tinham várias dessas operações que estavam proibidas. Eu não tinha a mínima noção.
Era uma maneira de sair da bolha.
A gente só conseguia entender porque viajava e saía dessa bolha, porque lá na minha sala, só tem notícia positiva. Ninguém me fala nenhum problema. É como se a gente estivesse na Goldman Sachs, o principal banco de investimento do mundo. Zero problemas. Aí quando você vai lá no interior do Acre, aí o pessoal fala. Aí você vê. Então assim, tem que ter o equilíbrio, tem que ir no interior do Acre, mas tem que ficar aqui, senão as coisas também não andam. Se eu ficar só no interior do Acre, as coisas não andam aqui. Se eu ficar só aqui, os problemas não chegam.