Milton Ribeiro diz que avisou CGU sobre gabinete paralelo
Foto: Evaristo Sá-4.fev.22/AFP
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse nesta quarta-feira (23) que levou denúncia à CGU (Controladoria-Geral da União) a respeito de uma suposta atuação indevida de pastores em agosto do ano passado.
Depois disso, no entanto, o ministro ainda encontrou os pastores em ao menos cinco vezes. A agenda oficial de Ribeiro registra outros três encontros do ministro com os pastores em seu próprio gabinete. Realizados ainda em 2021, todos reuniram políticos.
A controladoria diz ter recebido duas denúncias do Ministério da Educação no ano passado a respeito dos pastores que não têm cargo e atuam em um esquema informal de obtenção de verbas do MEC.
Segundo a nota divulgada pela pasta na noite desta quarta-feira (23), ao final dos trabalhos de apuração, não foram encontradas irregularidades na atuação de agentes públicos, mas sim na de “terceiros”. A CGU disse ainda que vai reabrir a apuração, após a notícia de que os pastores teriam pedido 1 kg de ouro para um prefeito.
Os documentos entregues pelo MEC em 2021, segundo a CGU, são relativos a uma denúncia que tratava de “possíveis irregularidades que estariam ocorrendo em eventos realizados pelo MEC e outra sobre oferecimento de vantagem indevida, por parte de terceiros, para liberação de verbas no âmbito do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”.
De acordo com nota da controladoria, foi aberta uma comissão com servidores para apurar as denúncias e, ao final dos trabalhos, em 3 de março deste ano, não constataram irregularidades cometidas por agentes públicos, mas sim “possíveis irregularidades cometidas por terceiros”.
“[A comissão da CGU] Sugeriu o encaminhamento dos autos à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público Federal (MPF), ante a possibilidade de ocorrência de crime por ocasião da oferta de vantagem indevida”, diz a pasta.
Segundo a nota, a CGU decidiu ainda nesta quarta-feira (23) abrir um novo procedimento sobre o caso, após revelações dos últimos dias envolvendo os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos.
“A CGU decidiu por abrir novo procedimento, desta vez uma Investigação Preliminar Sumária (IPS), para investigar os novos fatos, em especial, o pedido de vantagem por terceiros”, diz a nota.
Ribeiro contou a respeito da denúncia em entrevista à CNN e à Jovem Pan e disse que continuou recebendo a dupla para não levantar suspeitas de que estavam sendo investigados.
A Folha também apurou que o ministro recebeu políticos em sua residência pela intermediação dos pastores, que também estavam no local, no dia 5 de janeiro deste ano. Ministro e pastores ainda estiveram juntos em 11 de março em uma viagem a São Luís (MA), cidade natal.
Neste dia, os pastores participaram de evento oficial “de atendimento do Ministério da Educação e do FNDE a Municípios do Estado do Maranhão” em um hotel da capital maranhense. São Luís é a cidade natal do pastor Gilmar Santos.
As declarações ocorrem em meio a um escalonamento da pressão no meio político e evangélico pela saída do ministro.
A Folha revelou nesta semana um áudio em que Milton Ribeiro diz priorizar pedidos de amigos de pastores para liberação de verba do ministério. Segundo ele, a pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ribeiro disse nesta quarta que recebeu uma denúncia anônima e redigiu ofício encaminhando-a à CGU. Segundo contou, entregou o documento ao próprio ministro Wagner Rosário.
“Com relação aos pastores, que, até o momento eu os respeito. Quero deixar isso claro. (…) No entanto, essa é a notícia principal, quando em agosto do ano passado recebi denuncia anônima a respeito da possibilidade —denúncia anônima é algo muito perigoso para todos nós— a possibilidade de que ele estariam praticando algum tipo de ação não republicana. Essa denúncia chegou ao meu conhecimento, e imediatamente, este é o governo Bolsonaro, procurei a CGU”, disse à Jovem Pan.
À CNN Ribeiro citou diretamente o nome de Arilton. Ele faz, contudo, elogios e diz não saber sobre o que “acontecia fora do MEC”.
A denúncia de que o pastor teria pedido ouro em troca de recebimento de verbas para obra teria acontecido em um restaurante em Brasília.
“Ele [Wagner Rosário] chegou ao nome de alguns, entre eles o nome do pastor Arilton. Que eu desconheço, porque minha convivência com Arilton foi sempre boa, perfeita. O que acontecia pra fora [do MEC], que ele pediu dinheiro, pediu ouro, essas coisas são novidades. Vim conhecer aqui”, disse.
O prefeito Gilberto Braga (PSDB), do município maranhense de Luis Domingues, afirmou nesta quarta-feira que um dos pastores que negociam transferências de recursos federais para prefeituras pediu 1 kg de ouro para conseguir liberar verbas de obras de educação para a cidade.
O pedido teria sido feito pelo pastor Arilton Moura, segundo o prefeito. Arilton e o também pastor Gilmar Santos têm negociado liberações de recursos federais para municípios mesmo não tendo cargos no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O pastor Gilmar Santos divulgou uma nota em suas redes sociais na noite desta quarta-feira (23) em que nega informações de que ele atuou na negociação de transferências de dinheiro federal para prefeituras ou que tenha tido interferência na agenda do MEC.
“Rechaço todas as informações veiculadas nas reportagens envolvendo meu nome, além de observar que não tenho nenhum poder sobre os órgãos técnicos do Ministério da Educação”, diz a nota.
“Nego, peremptoriamente, a falácia de que pedi, recebi, mandei pedir, ou, de alguma forma, contribuí para o recebimento de propina, ou qualquer outro ato de corrupção junto ao Ministério da Educação, bem como ao atual ministro titular da referida pasta”, diz ele, que nega fazer parte de um esquema informal envolvendo pastores.
O religioso diz que nunca autorizou que alguém o representasse junto a autoridades. Santos ainda afirma na nota que nunca recebeu nenhum pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Como a Folha revelou, Ribeiro disse numa gravação priorizar pedidos de amigos de dois pastores para liberação de verba do ministério.
Segundo o próprio ministro, ele estaria atendendo a um pedido do presidente.
Na entrevista à CNN, o ministro da Educação disse que recebeu os pastores a pedido de Bolsonaro, mas que o chefe do Executivo não pediu “tratamento especial”.
Ribeiro disse ainda ter recebido ligação do presidente depois que a Folha publicou o áudio. Segundo o ministro, Bolsonaro disse não ter visto nada demais na gravação e que o ministro ainda gozava de sua confiança.
O gesto de Bolsonaro ocorreu antes da entrevista do prefeito Gilberto Braga, que contou sobre o suposto pedido de propina em ouro.
Já o vice-presidente Hamilton Mourão minimizou o caso na manhã desta quarta. Chamou o ministro de “pessoa honesta” e disse que é preciso aguardar a conclusão do episódio.
Bolsonaro, por sua vez, que viajou na terça para Tocantins e hoje para Pernambuco e Ceará, ainda não se manifestou sobre o caso.
Apesar de não terem qualquer vínculo com a administração pública, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura têm negociado com prefeituras a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia.
Nesta quarta, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu autorização ao STF (Supremo Tribunal Federal) para investigar Ribeiro.
A PGR também pretende apurar a suspeita de achaque ao prefeito Gilberto Braga, que fez a denúncia sobre o pedido de ouro.
O Tribunal de Contas da União, por sua vez, como revelou a coluna da Mônica Bergamo, aprovou uma fiscalização extraordinária em todos os convênios do Ministério da Educação. A proposta foi feita pelo ministro Vital do Rêgo.
“Nos últimos dias, temos testemunhado a veiculação de diversas notícias acerca de eventuais irregularidades nas transferências de recursos federais do Ministério da Educação (MEC) a municípios, em que a priorização na liberação de verbas estaria sendo negociada por pessoas alheias à estrutura formal daquela pasta, com favorecimento a grupos específicos”, diz Vital do Rêgo em seu ofício.