Ministros de Bolsonaro usam cargos com fins eleitorais

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Foto: Reprodução

Cinco ministros que devem deixar seus cargos nesta quinta-feira (31) para disputar as eleições de outubro convocaram cadeia nacional de rádio e TV neste ano para fazer pronunciamentos em que misturaram anúncio de supostas ações federais a autoelogios, exaltação ao governo e à figura de Jair Bolsonaro (PL), além de críticas a adversários.

As falas de Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), João Roma (Cidadania), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia e Inovação) destoam das regras divulgadas pelo próprio governo federal para utilização do expediente.

“A formação de rede nacional de rádio e televisão [existe] para atender à solicitação de transmissão de pronunciamentos dos chefes dos três Poderes da República e, eventualmente, para transmissão de comunicados de ministros de Estado em temas de relevância e interesse nacionais, como campanhas de vacinação para evitar epidemias.”

Na noite desta terça-feira (29), por exemplo, o ministro Marcos Pontes, que já anunciou que se candidatará a deputado federal pelo PL, usou quatro minutos em cadeia de rádio e TV.

O tema escolhido foi a descrição da suposta aposta do presidente Bolsonaro na ciência brasileira e nos investimentos para produção de uma vacina da Covid 100% nacional.

Além de não citar em nenhum momento o endosso dele e de Bolsonaro à promoção de medicamentos sem eficácia contra a Covid, como o vermífugo Annita, Pontes recheou seu discurso com autoelogios e frases de efeito pró-governo.

“No dia 29 de março, exatamente há 17 anos, chegamos juntos ao espaço levando a ciência brasileira à estação espacial internacional, em uma missão da Nasa. Enchemos o Brasil de orgulho. Foi a única vez que um astronauta brasileiro alcançou o espaço”, diz o ministro, que foi o astronauta citado por ele mesmo —e que, depois, disse se dedicou a uma profícua carreira comercial e política.

Ao pintar um quadro róseo da ciência e tecnologia no Brasil, mesmo apesar do estrangulamento orçamentário promovido pelo governo, Pontes encerrou dizendo que esses supostos avanços não se deram apenas com dinheiro, mas “com coragem, visão de futuro e, principalmente, amor ao povo brasileiro”.

Na semana anterior, coube a Rogério Marinho ocupar a cadeia de rádio e TV para também fazer um discurso recheado de autoelogios a ele e a Bolsonaro, com o acréscimo de acusar as gestões anteriores de mal uso das verbas públicas.

O motivo alegado para a fala nacional foi o Dia Mundial da Água.

Marinho, que deve se lançar ao Senado pelo Rio Grande do Norte pelo PL, exaltou as obras de transposição do rio São Francisco, destacando a data da chegada das águas “ao nosso Rio Grande do Norte, em Jardim de Piranhas” —nas palavras de Marinho, “resultado de muito esforço e do compromisso do nosso governo, que cuida da nossa gente”.

O ministro reconhece em sua fala que as obras da transposição começaram em 2007, primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas destaca logo em seguida, no seu pronunciamento, que ela poderia ter sido entregue em 2011 “não fossem os erros de projeto, condução e execução das obras nas gestões anteriores”.

Ao prosseguir dizendo que isso levou o custo inicial a crescer quatro vezes, Marinho destacou que o governo atual agiu para corrigir “o desperdício e a má utilização dos recursos públicos”, colaborando para a “transformação da vida de um povo que até agora estava esquecido”.

O projeto data do século 19 e só começou a ser executado em 2007. Deveria ficar pronto em 2012, porém começou a funcionar apenas parcialmente, em seu eixo leste, em 2017, no governo Michel Temer (MDB), logo após o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Os 477 km de canais tiveram seu custo multiplicado de R$ 4,5 bilhões para R$ 12 bilhões.

O PT acusa Bolsonaro de apropriação de obra alheia e tem afirmado que no início da gestão do atual presidente 97,5% da transposição já estavam concluídos.

Onyx Lorenzoni, que pretende disputar o governo do Rio Grande do Sul pelo PL, também não apresentou motivo urgente ou de extrema relevância para convocar cadeia de rádio e TV.

Em 9 de fevereiro ele exaltou supostas ações da pasta, mas não se limitou a isso, chegando a dizer que chegou ao fim a era dos que criavam dificuldade para vender facilidade, além de classificar como “equilibrada” a campanha de Bolsonaro contra o isolamento social durante a pandemia da Covid.

“A decisão tomada pelo presidente da República em tratar com equilíbrio um dos piores momentos da história do mundo foi acertada”.

João Roma, pré-candidato ao governo da Bahia pelo PL, convocou cadeia de rádio e TV por duas vezes nos últimos meses. Uma em agosto e outra no final de janeiro, em ambos os casos para bater bumbo para o Auxílio Emergencial e a criação do Auxílio Brasil, o sucessor do Bolsa Família.

“A maior disposição desse governo é cuidar das pessoas”, disse Roma, que em sua primeira fala citou o nome de Bolsonaro por duas vezes.

Damares Alves, que ainda não anunciou qual cargo exato irá disputar e se filiou ao Republicanos, falou em rede nacional no Dia Internacional da Mulher, 8 de Março. Ela listou supostas ações e avanços do governo em benefício das mulheres.

De acordo com o Datafolha, Lula tem vantagem de 25 pontos percentuais sobre Bolsonaro entre mulheres, contra apenas 9 pontos, entre homens.

Embora não trate do período de pré-campanha, a lei tem dispositivos que buscam coibir o uso eleitoral das cadeias de rádio e TV

A lei diz, por exemplo, que no período eleitoral é proibido aos agentes públicos condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos, entre elas, “fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo”.

Especificamente sobre a pré-campanha, a lei trata como propaganda eleitoral antecipada a convocação das redes nacionais pelo presidente da República (não cita ministros) “para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições”.

​A Folha procurou os cinco ministérios, mas apenas Desenvolvimento Regional respondeu.

“A convocação de cadeia de rádio e TV teve como objetivo chamar atenção para o Dia Mundial da Água e destacar a importância de sua preservação”, diz a assessoria da pasta, em nota.

“Além disso, o ministro Rogério Marinho fez uma prestação de contas à população sobre as ações que o Ministério do Desenvolvimento Regional implementa para levar água aos brasileiros e para garantir que ela continue disponível no futuro.”

Folha